(2013/144) Até tu, Santayana? Até tu?

1. Tendo fazer-me forte, mas, ao ler esse tipo de coisa, desabo-me, cansado...

O universo existe na mente dos homens, e a mente dos homens é um ato de transcendência, que a fisiologia pode mapear, mas não decifrar. Queiramos ou não, a ciência é inútil para explicar o mundo material e, muito mais ainda, a vida e, nela, como epicentro do mistério, a inteligência humana.

O homem, conforme a teologia comum às principais religiões, é transgressor. No mito judaico, que a Bíblia recolhe, são os dois fundadores da espécie, Adão e Eva, que tentam decifrar o próprio enigma, ao comer do fruto proibido – a conselho do diabo, dissimulado na serpente, o que não deixa de ser uma desculpa apologética. O fruto proibido é o conhecimento, ou seja, a chave do bem e do mal. (Mauro Santayana)

2. "O fruto proibido é o conhecimento, ou seja, a chave do bem e do mal". Que seja essa a "recepção" - com isso se resolve tudo! - de Gêneis 2-3, não vou discutir: cada geração re-inventa-se na desculpa do passado, mas é, sempre, ela mesma...

3. Não se pode acatar, todavia, essa declaração como referência ao próprio texto de Gênesis 2-3. É absolutamente descabida. Lá, naquele texto de triste sucesso, não há nenhuma afirmação de ser o conhecimento o fruto, "ou seja, a chave do bem e do mal". Engana-se e engana-nos a declaração.

4. Lá, fala-se da árvore do conhecimento do tov e do ra' - bom e mau. Não se trata de árvore do conhecimento - mas árvore do conhecimento do tov e do ra'. Não se trata de árvore do conhecimento do bem e do mal - mas árvore do conhecimento do tov e do ra', do bom e do mau.

5. A "recepção" fez de tov e ra' termos relativos à moral. Não me parece adequado - está-se aí em campo helênico, e, de qualquer forma, cristão.

6. Já escrevi outras vezes que trata-se, no meu entender, da autonomia, não da moral. Quem come daquela árvore que "Deus" teria proibido de comer passa a ter o conhecimento do que é bom e do que é ruim, passa a poder decidir por conta própria... O texto coincide com a apropriação do direito pelos sacerdotes - logo, por "Deus": ninguém mais pode decidir por si mesmo, a sociedade não decide mais, ela mesma, mas, agora, quem decide, é "Deus" - em Judá, o direito era civil, não divino, até que os sacerdotes assumissem o poder (Crusemann).

7. Mas, agora, há a "recepção". Faz-se o texto ser outra coisa, faz-se o passado ser outra coisa e faz-se nosso presente - é sempre disso que se trata! - ser construído à luz dessa falsificação do passado, instrumento de controle do presente...

8. E, então, pululam, as gralhas da filosofia: o "conhecimento" é o fruto proibido, o mal humano, a arrogância da espécie...

9. Tenho ânsia de vômito...

10. Homens se armam de conhecimento - são eruditos! (conquanto, eventualmente, se metam onde não deviam, por falta de expertise...), e, de posse desse conhecimento, destratam o conhecimento... 

11. Conhecimento é o segredo da vida: sem ele, não há vida. Se desejam a extinção de seus próprios espíritos, há sempre o suicídio, que nossa espécie criou como saída para aqueles que desgostam da condição de ser humano...

12. Matem-se, pois, os desgostosos.

13. Mas eu não tenho nada a ver com o mau humor dos espíritos estudados...

OSVALDO LUIZ RIBEIRO