sexta-feira, 10 de abril de 2020

(2020/051) Razão pela qual há quem recalque os fatos

Provavelmente é uma lei, sem exceção: todos os que recalcam os fatos, negam-nos, fingem que eles não existem, que só haja interpretação, metáfora, ectoplasmas hermenêuticos - todos, sem exceção, fazem-no ou para se enganar, ou para enganar os outros.

Nietzsche fazia para enganar os outros. Sempre foi a favor dos fatos, e um deles era o fato de que a religião aí estava para meter a ralé pobre em seu lugar, cordata, de cabeça baixa, ciosa, como fez Lutero saber aos cem mil assassinados do campo, que a uns cabe o dever de mandar, e a outros cabe a sina de obedecer. A religião aí está para isso, lição número um da novel religião protestante, criem-se mil Teologias da Libertação que queiram, sempre haverá cem mil conservadores dos movimentos carismáticos, essa água de apagar a fogueira... Mas Nietzsche temeu o que o século XIX estava fazendo com a religião, movimentos de padres franceses, discursos revolucionários, a Comuna de Paris, Rousseau, Marx! Não - não é verdade nada do que estão dizendo: a história tem um rumo? Não! Os fatos são concretos? Não" Tudo, absolutamente tudo, quando interessa, claro, é gosma de interpretação, escarro vivo da Hermenêutica. Essa leitura é de Losurdo.

Desde então, recalcar os fatos é a forma retórica para convencer os ouvintes a assumir a interpretação que se quer que eles assumam. Só há interpretações, mas esta aqui é "a" interpretação! Freud advertiu aonde isso dá: doença, certamente, da alma e do espírito. Outro psicólogo - porque o recalque da realidade é um problema psicológico, naturalmente, quando se trata de se enganar, e político, quando se trata de enganar desavisados desprotegidos, Rogers, disse que eles, os fatos, são amigos. Mas para grande parcela cult do século XX, não há fatos.

Em relações de força Ginzburg mostrou como franceses tentaram esquecer que foram colaboracionistas articulando teorias de que o real não existe, de que a realidade é o que dizemos que ela seja: naturalmente, gente que não pode se olhar no espelho. Outros, que estiveram em um dos piores lados a se estar na carnificina da Segunda Guerra, tentaram esquecer os campos de concentração, ainda é Ginzburg contando, vergando a vara do esquecimento dos fatos e se banhando nas águas da retórica mágica da interpretação seguindo nosso desejo, mas acabaram se matando. O suicídio é o tapa na cara da tresloucada metáfora!

Todos os que, de uma forma ou de outra, em seu quarto, ou em cátedras, dizem que não há fatos precisam - urgentemente - reconciliar-se com a vida. E rápido: porque o Fato acima de todos os fatos, a Morte, é aquele episódio derradeiro, diante do qual não se logra sucesso em brincar de faz de conta.

No entanto, também a Morte é um cálculo para esses lunáticos da Hermenêutica: enquanto eu estiver vivo, negarei os fatos, e, quando a Morte me pegar, não terei mais de fazer de conta que levo a vida a sério.

Senhores, que haja mil interpretações de fatos. No fundo desse conjunto, lá está ele, o senhor absoluto da vida, ele, sempre recalcado, ele, sempre retornando na forma inapelável do incontornável eu te disse...







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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