1. No final de seu O Método Teológico de Friedrich Schleiermacher, Luís H. Dreher afirma o seguinte: "mas nisso tudo, o que ainda não ficou exatamente claro na teologia latino-americana (assim como em geral na teologia liberal) é como o apelo à experiência se articula com um quadro de referência filosófico substantivo que busque dar um sentido mais do que povinciano ou particularista às experiências contextuais da fé cristã" (p. 78). Quero comentar essa declaração.
2. Acompanho Dreher quando ele faz de Scheleiermacher o pai da teologia experiencial como fundamento da possibilidade de uma teologia moderna - nisso, agora o digo eu, todo evangélico é, retoricamente, liberal. A modernidade, iluminista-romântica, não pode, mais, recorrer aos argumentos metafísicos, de modo que precisa de um fundamento que lhe assegure, porque quer e disso precisa, a sustentação dos sistemas de crença protestantes. Um catolicismo prescinde desse arrazoado. O protestantismo, não. E foi o protestantismo que, em "diálogo" com a modernidade, produziu a teologia liberal. Nesse sentido, a teologia liberal é, de um lado, a "coragem" de enfrentar, no campo dela, a modernidade, ao mesmo tempo que é, ainda, a "covardia" de não assumir as suas últimas conseqüências. Todo o espectro teológico, para além da teologia liberal, reduz-se à negação da moderidade, e constitui-se do anacronismo cultural de um discurso, de um sistema, de uma prática medieval, dita "ortodoxa". Por sua vez, a própria teologia liberal não é moderna, em sentido estrito, mas acomodou-se num canto do cômodo da cultura, encontrando aí um cobertor que lhe cobrisse ao menos, os pés.
3. A "covardia" liberal é, eu diria, a resistência sistemática: a necessidade de fundamentação do sistema herdado, seja no campo da legitimação da experiência, seja no campo da legitimação do núcleo "histórico" do cristianismo - o Jesus histórico. Scheleirmacher é um precursor de Vattimo, em certo sentido, conquanto um esteja com o pé dentro da Teologia, e negocie com a cultura moderna, enquanto o outro tenha o pé na cultura moderna, e negocie com a cultura cristã. Entre Scheleirmacher e Vattimo, posta-se Bonhoeffer, lamentavelmente morto antes de concluir seu arrazoado acerca de um "cristianismo a-religioso para um homem em estado adulto".
4. Dreher está certo ao assinalar que tanto a telogia latino-americana, quanto a teologia liberal são, a rigor, provincianas. Os argumentos "bíblicos" da Telogia da Libertação, por exemplo, constituem-se inúmeras vezes - deixo um espaço para as exceções, a serem, contudo, identificadas - de "ética estética" (sim, eu sei que isso não existe, mas é um outro modo de referir-me à alegoria como produção de retórica de justiça), nada mais do que isso. De outro lado, a fundamentação da fé por meio da experiência constitui uma tautologia de risco, que justificaria, por exemplo, qualquer prática cultural. Aliás, é o risco de uma Antropologia do tipo geertziana - se não se chegar ao intuito de Karl-Otto Apel de uma base comum para a racionalidade moderna, dissolve-se na mão do homem qualquer possibilidade de juízo sobre nada que não lhe seja pessoal.
5. Depois do confronto entre a teologia liberal e a teologia dialética, duas longas estradas se descortinaram, mas nenhma delas pisa, de fato, o chão da modernidade. A teologia dialética, toda ela, de Barth e Brunner aos mais renomados sistemáticos alemães vivos, constituem um re-encontro da ortodoxia e do pietismo protestantes, medievais, portanto, em todos os aspectos. A teologia dessa estrada materializa-se na forma de um hercúleo esforço de contenção da modernidade, amarras de aço a impedir o "avanço" da plataforma crítica. Na outra rodovia, a teologia liberal negociou sua possibilidade retórica, sem dar-se conta, e nem queria, de que a honestidade possível constituiria a teologia, assim construída, em estética, e nada mais.
6. A demonstração inequívoca de que a teologia moderna, seja a ortodoxa, seja a liberal, está absolutamente perdida e enfronhada em si mesma, provincianamente, é o fato gravíssimo de que nenhum discurso teológico acadêmico contemporâneo - exceto se deixei escapar alguma coisa - menciona nem a teologia umbandista, da Faculdade de Teologia Umbandista (MEC), nem a teologia kardecista, da Faculdade Doutor Leocádio José Correia (MEC) e nem a teologia messiânica, da Faculdade Messiânica (MEC). A teologia, ortodoxa ou liberal, finge que não vê que seu discurso está one, mas muito longe, de representar qualquer coisa de segura no chão da modernidade. Avestruz de cabeça enterrada no chão, torce para a superação da modernidade, e, nisso alia-se até à pós-modernidade, diabo que considera menos perigoso, prática comum das estratégias políticas, a Alemanha o sabe.
7. Eis um fato relevante: na Europa, porque a Teologia estava o tempo todo na Universidade, essa condição provinciana, absurda, manteve-se, tolerou-se, e a despito de o rei andar com as vergonhas ao vento, ninguém lhe aponta a nudez. Uma extensão dessa situação reveladora e constrangedora é a Teologia de Pós-Graduação no Brasil, que meramente transportou da Europa o modelo insular, isolacionista, em que a Telogia se constitui - por mera tradição e acesso a recursos financeiros. Aí, a teologia produz até sua própria... Antropologia (?)... Quando, contudo, o MEC, no nível de gradução, onde nunca esteve a Teologia, abre as portas, o provincianismo esdrúxulo da teologia se escancara de tal modo que a primeira reação é a perplexidade do silêncio absoluto: ninguém toca no assunto, e a situação trágico-cômica da teologia se recalca, como a criança que põe a mão na cara, para esconder-se do bicho-papão. A arma contra a reação legítima das ciências é a pressão política, as comissões de notáveis...
8. A Teologia encontra-se numa situação imprestável. Atende aos domésticos, mas somente se opera no nível da catequese, e mais nada. Se se faz educação crítica doméstica, torna-se desgraçada aos olhos da fé. Já em relação aos estranhos, não tem o que dizer, porque constitui-se como voz bárbara. No gueto eclesiástico, ela há de sobreviver por algum tempo, ainda. Mas, nos salões da academia, não vai durar muito. E das duas uma, ou vai sair, cheia de orgulho e senhora de si, arrotando o "deus na bariga", ou vai sentar, delicadamente à mesa, e, pela primeira vez na história, discutir com seriedade sua condição. Até aqui, só o que se tentou fazer foi manter suas propriedades... E é justamente esse meu temor: que aconteça em terras brasileiras a mesma negociação tácita que já dura duzentos anos na Europa.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Acompanho Dreher quando ele faz de Scheleiermacher o pai da teologia experiencial como fundamento da possibilidade de uma teologia moderna - nisso, agora o digo eu, todo evangélico é, retoricamente, liberal. A modernidade, iluminista-romântica, não pode, mais, recorrer aos argumentos metafísicos, de modo que precisa de um fundamento que lhe assegure, porque quer e disso precisa, a sustentação dos sistemas de crença protestantes. Um catolicismo prescinde desse arrazoado. O protestantismo, não. E foi o protestantismo que, em "diálogo" com a modernidade, produziu a teologia liberal. Nesse sentido, a teologia liberal é, de um lado, a "coragem" de enfrentar, no campo dela, a modernidade, ao mesmo tempo que é, ainda, a "covardia" de não assumir as suas últimas conseqüências. Todo o espectro teológico, para além da teologia liberal, reduz-se à negação da moderidade, e constitui-se do anacronismo cultural de um discurso, de um sistema, de uma prática medieval, dita "ortodoxa". Por sua vez, a própria teologia liberal não é moderna, em sentido estrito, mas acomodou-se num canto do cômodo da cultura, encontrando aí um cobertor que lhe cobrisse ao menos, os pés.
3. A "covardia" liberal é, eu diria, a resistência sistemática: a necessidade de fundamentação do sistema herdado, seja no campo da legitimação da experiência, seja no campo da legitimação do núcleo "histórico" do cristianismo - o Jesus histórico. Scheleirmacher é um precursor de Vattimo, em certo sentido, conquanto um esteja com o pé dentro da Teologia, e negocie com a cultura moderna, enquanto o outro tenha o pé na cultura moderna, e negocie com a cultura cristã. Entre Scheleirmacher e Vattimo, posta-se Bonhoeffer, lamentavelmente morto antes de concluir seu arrazoado acerca de um "cristianismo a-religioso para um homem em estado adulto".
4. Dreher está certo ao assinalar que tanto a telogia latino-americana, quanto a teologia liberal são, a rigor, provincianas. Os argumentos "bíblicos" da Telogia da Libertação, por exemplo, constituem-se inúmeras vezes - deixo um espaço para as exceções, a serem, contudo, identificadas - de "ética estética" (sim, eu sei que isso não existe, mas é um outro modo de referir-me à alegoria como produção de retórica de justiça), nada mais do que isso. De outro lado, a fundamentação da fé por meio da experiência constitui uma tautologia de risco, que justificaria, por exemplo, qualquer prática cultural. Aliás, é o risco de uma Antropologia do tipo geertziana - se não se chegar ao intuito de Karl-Otto Apel de uma base comum para a racionalidade moderna, dissolve-se na mão do homem qualquer possibilidade de juízo sobre nada que não lhe seja pessoal.
5. Depois do confronto entre a teologia liberal e a teologia dialética, duas longas estradas se descortinaram, mas nenhma delas pisa, de fato, o chão da modernidade. A teologia dialética, toda ela, de Barth e Brunner aos mais renomados sistemáticos alemães vivos, constituem um re-encontro da ortodoxia e do pietismo protestantes, medievais, portanto, em todos os aspectos. A teologia dessa estrada materializa-se na forma de um hercúleo esforço de contenção da modernidade, amarras de aço a impedir o "avanço" da plataforma crítica. Na outra rodovia, a teologia liberal negociou sua possibilidade retórica, sem dar-se conta, e nem queria, de que a honestidade possível constituiria a teologia, assim construída, em estética, e nada mais.
6. A demonstração inequívoca de que a teologia moderna, seja a ortodoxa, seja a liberal, está absolutamente perdida e enfronhada em si mesma, provincianamente, é o fato gravíssimo de que nenhum discurso teológico acadêmico contemporâneo - exceto se deixei escapar alguma coisa - menciona nem a teologia umbandista, da Faculdade de Teologia Umbandista (MEC), nem a teologia kardecista, da Faculdade Doutor Leocádio José Correia (MEC) e nem a teologia messiânica, da Faculdade Messiânica (MEC). A teologia, ortodoxa ou liberal, finge que não vê que seu discurso está one, mas muito longe, de representar qualquer coisa de segura no chão da modernidade. Avestruz de cabeça enterrada no chão, torce para a superação da modernidade, e, nisso alia-se até à pós-modernidade, diabo que considera menos perigoso, prática comum das estratégias políticas, a Alemanha o sabe.
7. Eis um fato relevante: na Europa, porque a Teologia estava o tempo todo na Universidade, essa condição provinciana, absurda, manteve-se, tolerou-se, e a despito de o rei andar com as vergonhas ao vento, ninguém lhe aponta a nudez. Uma extensão dessa situação reveladora e constrangedora é a Teologia de Pós-Graduação no Brasil, que meramente transportou da Europa o modelo insular, isolacionista, em que a Telogia se constitui - por mera tradição e acesso a recursos financeiros. Aí, a teologia produz até sua própria... Antropologia (?)... Quando, contudo, o MEC, no nível de gradução, onde nunca esteve a Teologia, abre as portas, o provincianismo esdrúxulo da teologia se escancara de tal modo que a primeira reação é a perplexidade do silêncio absoluto: ninguém toca no assunto, e a situação trágico-cômica da teologia se recalca, como a criança que põe a mão na cara, para esconder-se do bicho-papão. A arma contra a reação legítima das ciências é a pressão política, as comissões de notáveis...
8. A Teologia encontra-se numa situação imprestável. Atende aos domésticos, mas somente se opera no nível da catequese, e mais nada. Se se faz educação crítica doméstica, torna-se desgraçada aos olhos da fé. Já em relação aos estranhos, não tem o que dizer, porque constitui-se como voz bárbara. No gueto eclesiástico, ela há de sobreviver por algum tempo, ainda. Mas, nos salões da academia, não vai durar muito. E das duas uma, ou vai sair, cheia de orgulho e senhora de si, arrotando o "deus na bariga", ou vai sentar, delicadamente à mesa, e, pela primeira vez na história, discutir com seriedade sua condição. Até aqui, só o que se tentou fazer foi manter suas propriedades... E é justamente esse meu temor: que aconteça em terras brasileiras a mesma negociação tácita que já dura duzentos anos na Europa.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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