sábado, 6 de março de 2010

(2010/189) Não leia a Bíblia, não


1. Ouça-a! Ler papel é fazer as palavras assumirem os sentidos próximos - próximos de você, de sua cultura, de seus gueto. Ler papel, ler a Bíblia, é projetar nas palavras do verso os sentidos cotidianos, os sentidos domados, os sentidos domesticados, quantas vezes, coitados, paridos a fórceps, arrancados à força do turbilhão das doutrinas. Ler a Bíblia, senhores, senhoras, é voltar para o banco da igreja, é ruminar os sermões de sempre, sabe-se Deus por que caminhos elaborados... Ler a Bíblia, sobretudo, é sepultar as pedras...

2. Recomendo que ela seja ouvida. Transcender o papel, ultrapassar as camadas de celulose, viajar no tempo, no espaço, voltar para um outro mundo... Reconstruir a carne morta dos defuntos escritores, mover-lhes, outra vez, a boca apodrecida de mil anos. Essa é a ressurreição prometida, que lhes cabe, e tu, leitor, és o ressuscitador divino - ao teu gesto, os ossos rejuntam-se, os nervos, recompõem-se, as carnes recriam-se, o sangue borbulha, e ao teu gesto, leitoras, Yahweh torna a soprar naquelas narinas...

3. E, então, redivivos, eles falam, elas falam, e nós, ouvimos. Leia a Bíblia, não, leitor. Feche os olhos. Abra os ouvidos...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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