sábado, 6 de março de 2010

(2010/188) Homo poeticus



1. Não, não é a afetividade o que distingue os homens dos animais. A afetividade é - já - coisa de bicho. Plenamente desenvolvida nos mamíferos, está, contudo, presente desde répteis e aves. Um colossal crocodilo a carregar entre os dentes a frágil cria - e mesmo, a quebrar-lhe a dura casca do ovo... Um pingüim a pôr debaixo de si o filhote pequeno... A felina mãe, a lamber os filhotes... Isso tudo são traços da afetividade que, em nós, seres humanos, plenipotenciou-se às alturas do sacrifício.

2. A inteligência, tampouco, é prerrogativa humana. Aliás, a inteligência humana nada mais é que um desenvolvimento complexo da inteligência - do cômputo (cf. Morin) animal. A célula, a ameba, a lacraia, o rato, a baleia - são inteligentes, desenvolvem e apropriam-se de conhecimentos do real, sobrevivendo de sua capacidade de mapear seu ecossistema, extraindo dele os nutrientes necessários. Chega-se a deparar-se com animais a produzir instrumentos, casas, jardins. Até dançam...

3. O que é plenamente humano é a poesia. Animais não fazem poesia, porque não "sonham". Animais são por demais adaptados à vida, por demais situados, por demais determinados. Por isso o Estruturalismo é desumanizante - porque imagina homens despoetizados, homens animalizados, macacos no galho do DNA. O Estruturalismo foi mais um golpe político do que um equívoco acadêmico...

4. A poesia é a nossa parte de deuses. Aliás, os deuses não moram em outro lugar que não a casa da poesia - literalmente. No dia em que a poesia morrer, morrem os deuses, e, deicida, o homem se achará inexoravelmente só. Quando nasceu, sabia viver só, sem poesia, sem deuses. Mas, depois que aprendeu a ser poeta, depois que criou o mundo dos deuses, desesperar-se-á, inevitavelmente, se voltar pra casa...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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