1. Catolicismo/protestantismo/evangelicaismo clásSicos, de um lado, Teologia da Libertação, de outro, e, correndo por fora, neopentecostalismo. Sem levar em conta o fato de que são conjuntos hipônimos do milenar cristianismo multiplástico, é curioso observar que, apesar de tão diferentes entre si, possuem faces comuns.
2. Por exemplo, todos os três utilizam-se do "sagrado" em sua estratégia política. Todos têm seus xamãs, disfarçados (protestantismo/evangelicalismo) ou explícitos (catolicismo/neopentecostalismo). O que quer que cada um deles pretenda alcançar como objetivo de sua prática engajada, é por meio da triangulação xamã - Deus - fiel que o realizam. A massa é um grande corpo animado pela própria "alma" de Deus, e é o xamã o responsável por fazer com que essa "alma" de Deus anime esse corpo eclesiástico. Nada aí acontece pelo fato de ser necessário que aconteça - acontece quando se faz crer que se trate de uma "vontade divina" a sua materialização.
3. Todavia, há, ainda, uma outra semelhança muito interessante, dessa vez entre os dois pólos do espectro, a TdL e o neopentecostalismo. No Cristianismo clássico, malgrado haver, aí, também, uma demonologia, o estado teológico dos fiéis é o de culpa. É por meio da incessante memória da culpa que cada fiel é levado à aproximação com Deus. Mesmo depois de "expiada" a culpa, ela permanece, como fios de marionete, a mover os membros e a cabeça do fiel. É a teologia da culpa a pedra de toque desse cristianismo - a graça é coadjuvante.
4. Tanto a TdL quanto o neopentecostalismo organizam-se de modo diferente. Não é a culpa o instrumento retórico - é a vitimização. O fiel não "precisa" de Deus, de Jesus, da graça, seja lá do que for, por conta de sua própria culpa. Em primeira instância, nem culpado ele é (conquanto os manuais de racionalização teológica de tais movimentos mantenham, sempre, um "capítulo" a respeito do "pecado" [mas o que não é retórica e polituicamente instrumentalizado, não existe - como o salário mínimo da Constituição Federal...]).
5. Na TdL e nos movimentos neopentecostais, o fiel é vítima. Precisa de Deus para a sua libertação. E o xamã faz o fiel saber disso. É a prédica xamânica quem faz o corpo do fiel pôr-se em marcha, na confiança de que, sendo ele, o fiel, vítima, Deus há de ajudá-lo.
6. Obviamente que essa a identidade, a semelhança. A diferença, contudo, reside no fato de que, para o neopentecostalismo, o fiel é vítima do diabo, o que significa que se trata de uma atualização de expressões teológicas já muito antigas, resquício do problema teológico do judaísmo que se torna monoteísta, mas, ao meso tempo, não pode (mais) responsabilizar Deus pelo "mal". Apropriando-se da demonologia do entorno cultural, desenvolve uma teologia da vitimização, que rivalizará com a teologia do pecado: ora o homem é vítima, e, então, a doutrina do pecado recua, ora é culpado, e a doutrina dos diabos recua.
7. Já a TdL, nesse sentido, vai buscar bem mais recentemente seu fundamento: de um lado, o marxismo (político-filosófico), a teoria do conflito de classes, e, de outro, a teoria latino-americana da dependência econômica da América Latina do "norte" - a saber, os países "colonizadores/imperialistas" dos séculos XVIII e XIX, que, a despeito de terem recuado na retórica, mantiveram o sistema de exploração em pleno funcionamento, ainda que sob aparências cínicas. Enquanto os séculos XVIII e XIX foram "assírio-babilônicos", o XX foi "persa"...
8. Assim, enquanto no neopentecostalismo, o fiel é vítima do diabo, na TdL, ele é vítima dos sistemas político-econômicos opressores. Talvez por isso tenha sido relativamente fácil o movimento carismático ter-se enfronhado nos núcleos comunitários que, antes, operavam sob o regime da TdL. Certamente não deve ser a única explicação para a invasão carismática em terras teológico-marxianas mas havemos de convir que a cabeça de um fiel dessas fileiras só precisa trocar o termo - trocar "sistemas político-econômicos" opressores" por "diabo", e já terá mudado totalmente de sistema, sem, contudo, mudar muita coisa. Além disso, lá, ele é que tem de transformar as condições de vida, animado que seja por Deus. Aqui, é Deus quem faz...
9. O que me parece lamentável nisso tudo, é que a TdL, ao menos, fomentava revoluções sociais, demandas de transformação, ainda que eu considere que a estratégia, o xamanismo gramsciano, opere no diapasão da manipulação de conciências, tanto quanto no cristianismo clássico, bem como no neopentecostalismo. Diferentemente da TdL, o neopentecostalismo, conquanto faça a saber ao fiel que ele é vítima, opera uma vitimização metafísica, com soluções, naturalmente, metafísicas, logo, alienantes. A desmobilização revolucionária é óbvia, mas não a desmobilização política, já que essa enorme massa pode ser facilmente manipulada em rotinas eleitorais "de direita".
10. É tudo muito irônico - mais ou menos como o messianismo, que, de uma expectativa de libertação judaica em face das opressões, findou por fazer pacto com o Opressor dos Opressores. O messias em Roma é, mesmo, uma ironia e tanto...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
5. Na TdL e nos movimentos neopentecostais, o fiel é vítima. Precisa de Deus para a sua libertação. E o xamã faz o fiel saber disso. É a prédica xamânica quem faz o corpo do fiel pôr-se em marcha, na confiança de que, sendo ele, o fiel, vítima, Deus há de ajudá-lo.
6. Obviamente que essa a identidade, a semelhança. A diferença, contudo, reside no fato de que, para o neopentecostalismo, o fiel é vítima do diabo, o que significa que se trata de uma atualização de expressões teológicas já muito antigas, resquício do problema teológico do judaísmo que se torna monoteísta, mas, ao meso tempo, não pode (mais) responsabilizar Deus pelo "mal". Apropriando-se da demonologia do entorno cultural, desenvolve uma teologia da vitimização, que rivalizará com a teologia do pecado: ora o homem é vítima, e, então, a doutrina do pecado recua, ora é culpado, e a doutrina dos diabos recua.
7. Já a TdL, nesse sentido, vai buscar bem mais recentemente seu fundamento: de um lado, o marxismo (político-filosófico), a teoria do conflito de classes, e, de outro, a teoria latino-americana da dependência econômica da América Latina do "norte" - a saber, os países "colonizadores/imperialistas" dos séculos XVIII e XIX, que, a despeito de terem recuado na retórica, mantiveram o sistema de exploração em pleno funcionamento, ainda que sob aparências cínicas. Enquanto os séculos XVIII e XIX foram "assírio-babilônicos", o XX foi "persa"...
8. Assim, enquanto no neopentecostalismo, o fiel é vítima do diabo, na TdL, ele é vítima dos sistemas político-econômicos opressores. Talvez por isso tenha sido relativamente fácil o movimento carismático ter-se enfronhado nos núcleos comunitários que, antes, operavam sob o regime da TdL. Certamente não deve ser a única explicação para a invasão carismática em terras teológico-marxianas mas havemos de convir que a cabeça de um fiel dessas fileiras só precisa trocar o termo - trocar "sistemas político-econômicos" opressores" por "diabo", e já terá mudado totalmente de sistema, sem, contudo, mudar muita coisa. Além disso, lá, ele é que tem de transformar as condições de vida, animado que seja por Deus. Aqui, é Deus quem faz...
9. O que me parece lamentável nisso tudo, é que a TdL, ao menos, fomentava revoluções sociais, demandas de transformação, ainda que eu considere que a estratégia, o xamanismo gramsciano, opere no diapasão da manipulação de conciências, tanto quanto no cristianismo clássico, bem como no neopentecostalismo. Diferentemente da TdL, o neopentecostalismo, conquanto faça a saber ao fiel que ele é vítima, opera uma vitimização metafísica, com soluções, naturalmente, metafísicas, logo, alienantes. A desmobilização revolucionária é óbvia, mas não a desmobilização política, já que essa enorme massa pode ser facilmente manipulada em rotinas eleitorais "de direita".
10. É tudo muito irônico - mais ou menos como o messianismo, que, de uma expectativa de libertação judaica em face das opressões, findou por fazer pacto com o Opressor dos Opressores. O messias em Roma é, mesmo, uma ironia e tanto...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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