sábado, 15 de agosto de 2009

(2009/427) Da exclusão da transcendência - PARECER CNE/CES 118/2009


1. Um citado do PARECER CNE/CES 118/2009: "Por essa razão, o estudo das teologias, da área de Ciências Humanas conforme classificação CAPES/CNPq, não pode prescindir de conhecimentos das ciências humanas e sociais, da filosofia, da história, da antropologia, da sociologia, da psicologia e da biologia entre outras. Essas ciências permitem estudar o universo teológico respeitando o princípio da “exclusão da transcendência”, condição da abordagem científica, ou seja, não se trata de afirmar ou negar a veracidade das afirmações teológicas, mas, sim, estudar o modo como elas surgem, como se manifestam e como atuam nas diferentes dimensões da vida, das experiências e do conhecimento humano. O estudo da teologia deve, ainda, buscar diálogo com outras áreas científicas, possibilitando estudos interdisciplinares".

2. Eis, aí, límpida como águas de ribeiros rasos, a síntese do estatuto epistemológico da Teologia enquanto ciência. Como um bocado de comida, mastiguemos aos poucos.

3. (Deixando por ora de lado a questão do plural "teologias" [porque isso faz confundir a Teologia, enquanto ciência humana [ainda a ser formulada], com as teologias, enquanto práticas vivenciais de comunidades histórico-sociais]) fala-se que a Teologia está enquadrada no conjunto das Ciências Humanas: "o estudo das teologias, da área de Ciências Humanas conforme classificação CAPES/CNPq".

4. Na seqüência, e em conformidade com a declaração apositiva, a Teologia "não pode prescindir de conhecimentos das ciências humanas e sociais, da filosofia, da história, da antropologia, da sociologia, da psicologia e da biologia entre outras". Isso só pode ter um significado: ela deve ser compatível. Não há uma "verdade" teológica que não seja, nesse sentido, obrigatoriamente antropológica, sociológica, psicológica, fenomenológica. Se há uma proposição teológica pretensamente verdadeira, mas tal proposição não pode ser assumida pelas demais ciências humanas, segue-se que essa não é uma proposição científicamente teológica, restando-lhe ser imediatamente descartada. Nada mais pertinente do que isso.

5. Mais: "Essas ciências permitem estudar o universo teológico respeitando o princípio da 'exclusão da transcendência', condição da abordagem científica, ou seja, não se trata de afirmar ou negar a veracidade das afirmações teológicas, mas, sim, estudar o modo como elas surgem, como se manifestam e como atuam nas diferentes dimensões da vida, das experiências e do conhecimento humano". Ceticismo metodológico. Pertinente.

5.1 Todo o esforço da Teologia, que tenho lido em contínuos pronunciamentos, resume-se a isso: manter a Telogia vinculada à fé, logo, à formulação de proposições normativas sobre (e do!) transcendente. Sem isso, eu entendo, a Igreja dissolve-se, uma vez que construiu-se por meio da afirmação não mais sustentável de que comporta a "fala de Deus". Enquanto ciência humana, a Teoloia não é teísta, nem ateísta - ela é cética, não sabe nem nada pode saber sobre "Deus" e o além, conquanto deve investigar as condições de produção das crenças, desejo de crer, as conseqüências da crença.

6. Há um embate no coração da Teologia: a Igreja e a Ciência batalham, ainda no campo da retórica, dos pareceres e das cartas abertas, pela caracterização da disciplina. Os teólogos pronunciam-se com um pé na cátedra, e outro, no púlpito. Nesse sentido, a ciência deve resistir: se o púlpito, se "Deus", invade a cátedra, teremos dado muitos passos para trás - no pior sentido da expressão.

(7. Uma palavra sobre Teologia acadêmica [que defendo prostaticamente] e mística [a que me permito]. Tudo, absolutamente tudo a quanto eu me entregue na direção de pensar o "transcendete" (em sentido ontológico-metafísico) é, repito, tudo, invenção minha. Crer, sentir, "ver" - não "põe" nada, não "dispõe" nada, senão psicologicamente. Se eu fujo de encarar minha fé como invenão minha, mas não quero, a despeito disso, admitir que ela é o que é, que é crença, resta-me iludir-me que ela não é, tão-pouco, invenção de outro, de Buda, de Maomé, dos seguidores de Jesus, de quem quer que seja: invenção, mito, imaginação, especulação. Não há, para a consciência moderna - salvo o recurso político à metáfora - como encarar os conteúdos da fé como outra coisa que não o que são - invenções.

7.1 Não posso abrir mão da mística. Não (mais) eu. Não posso, todavia, levá-la para a academia. Não no sentido de transformá-la em plataforma, como se tem dito nos artigos: teologia é um estudo que se dá a partir de Deus, que se dá como que em Deus, "de" Deus, essas racionalizações meramente políticas e sem qualquer fundamento cintífico, ainda que político, eventualmente, estético. No entanto, se essa política e essa estética se esclarecem, elas cedem. E por que não cedem? Porque recusam-se a encarar os fatos. Recalcam-nos. Querem fazer o real ser como eles querem que seja. Isso é alguma coia entre self deception, pirraça e - não descarto para alguns casos - má consciência (e, não duvido, má fé).

7.2 A academia não resolveu, ainda, na minha cabeça, esse conflito entre a consciência de que essas imaginações - o conteúdo de qualquer teologia "engajada" - são mito e especulação, e mais nada além disso, e a "necessidade" psicológica de pensar (e viver no) transcendente. Talvez a academia seja justamente o (único?) lugar onde eu poderia pensar justamente esse conflito. A "religião" o disimula, recalcando a compreensão científico-humanista acerca do fenômeno religioso. Eu não quero (mais) essa teologia, esse recalque, esse conforto, essa política. Quero a cátedra, a pesquisa, a investigação. Sobre o que vier a sobrar, se sobrar algo. Isso, precisamente, será a minha espirutualidade).


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Robson Guerra disse...

Ah!... Essa Teologia que o MEC propõe eu quero, e muito. Isso é fazer ciência.

O constrangedor é que foi o MEC que precisou delimitar aquilo que os mestres e doutores em Teologia não enxergaram - ou não quiseram enxergar. Será que vão aprender? Pelo teor da Carta Aberta parece que estão longe disso. Lamentável.

Tomara que essa nova Teologia - científica - encontre seu lugar lá no MEC, pois é ela quem deve estar lá. Chega de obscurantismos.

Robson Guerra

Peroratio disse...

É curioso que, quando sou eu a escrever, não me parece tão "pesado". Aí, você vai e sintetiza a coisa, e meu estômago dói de constrangimento...

Se quem lê meus textos sente o que acabo de sentir, lendo o seu, puxa vida, tenho causado algumas indisposiçõs gástricas por aí.

Não é meu objetivo, mas acho que devo sentir-me responsável pelo efeito.

Osvaldo.

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