sexta-feira, 5 de junho de 2009

(2009/329) Não-fundacionismo - equívoco de diagnóstico e prescrição


1. O "bom" da Hermenêutica barra Epistemologia não-fundacional é que você pode dizer o que quiser, sem medo de errar, porque, se for contestado, basta dizer que é uma questão de consenso comunitário, desde que a comunidade tenha pelo menos dois elementos e, o consenso, uma estrutura discursiva pragmatista-utilitarista. Se o discurso "serve", está bem assim. Um pensamento não-fundacional pode dormir tranqüilo, de noite, porque não o perseguem os critérios críticos, que ele exorcizou definitivamente. Deve ser bom conseguir viver assim, isto é, se a isso não corresponde uma baita dose de self deception consciente... Quanto a mim, nunca mais dormi tranqüilo...

2. No meu caso, cada vez que abro a boca, como me imponho critérios críticos, corro o risco de errar, de me equivocar, porque, no campo do saber, o critério crítico não reside em nem é meu próprio discurso - mas o/no "real". Não há nada, abolutamente nada, em meu discurso - isolado em si mesmo, separado do real - que possa servir de critério para que eu decida se ele é certo ou errado. É quando em o ponho em perspectiva, aí é que aparece a sua lucidez - ou o seu delírio. Por isso há quem prefira fechar os olhos, tapar os ouvidos...

3. Meu diagnósticoo para as teorias não-fundacionais: recalque freudiano do real (consciente ou não, não vem ao caso), um império do princípio de prazer, um desprezo axiomático ao princípio de realidade. Neurose ou esquizofrenia programáticas - como crianças que, assustadas, tapam os olhos, ou fecham-nos, e tapam os ouvidos, e o medo vai embora... Até que se tornem adultas, e descubram que o medo está é bem dentro de nós, porque, quando a gente cresce, a gente aprende que, mesmo fechando os olhos, tapando os ouvidos, o real está lá fora... ainda. E - como disse Carl Rogers, ele é nosso amigo...

4. Eis onde vejo o incorrigível erro da Epistemologia não-fundacional (e ela não tem salvação - só a terapia há de fazê-la ver-se a si mesma como esforço de recalque). Ela começa abandonando completamente a noção de ecossitema. Ela se fecha, apenas, e olhe lá, na noção de "comunidade de comunicação". Para ela, o que existe, de fato, é o grupo discursivo, o conjunto das pessoas que manejam palavras-discursos, e vão, arbitrariamente, dando sentido a palavras e, daí, a proposições. Nesse caso, quer palavras, quer proposições, elas têm sentido em função do consenso - e mais nada. Dado serem não-fundacionais (os corpos deles nasceram de um "bate-papo" entre mamãe e papai!), o real não aparece, aí, como plataforma crítica de esclarecimento dos sentidos e dos discursos aí fundados (em sendo o caso). Como o tempo, na Física de Newton, o espaço, na Hermenêutica não-fundacional de Rorty/Habermas/Vattimo, o real é uma ilusão da mente humana... Os mais "esclarecidos" somente considerarão que o real é por demais inacessível, criticamente, para ser levado em conta...

5. Erro que me parece primário - e, se eu erro no que alego ser a identificação do erro, tanto mais primária é minha falha e impertinência: o não-fundacionismo nem sabe mais o que é o Homem. Para ele, sobrou, apenas, uma coisa chamada Linguagem e Comunicação... Não me assuta mais saber que o centro nervoso do capitalismo está por trás dessa moda pragmátista/não-fundacionista... O qe me assusta, e muito, é ver "progressistas" entrando na onda...

6. Ora, o homem, desde Aristóteles se sabe - e, depois de dois mil anos de "teocracia" (isto é, "cristianocracia"), Kant renovou a perspectiva - que o homem lida, ao mesmo tempo, com três interfaces: o mundo/real, o homem/outro e si mesmo. Cada uma dessas três interfaces estabelece um regime de ação - uma teleologia situada, uma "pragmática". Porque o homem age significativamente, porque suas ações são significativas, isto é, não são operadas meramente por comandos genético-biológicos, mas por intenções e estratégias, o que quer que ele, o homem, esteja fazendo, agora, aqui e agora, corresponde a uma ação situada em uma dessas três interfaces: ou, agora, ele lida com o mundo, ou lida com o outro, ou lida consigo mesmo.

7. Lidar consigo mesmo. Aí, o fundamento significativo é o própro sujeito. Trata-se da dimensão, da interfacce, do gosto, da afeição. Trata-se da afetividade. As experiências, aí, são, todas, estéticas. Não há certo e errado, aí, porque, sendo o fundamento, o próprio pathos subjetivo, o que se deseja é bom, aquilo de que se gosta, excelente. Não é que não haja fundamento nessa dimensão pragática - há, mas ele é o próprio sujeito estético. Cada sjeito, um fundamento.

8. Lidar com o outro. Aí, claro, o fundamento dependerá do regime político. O Cristianismo brincou de "monarquia" e de "teocracia" até não mais poder - e não enjoou: se deixar, volta o circo romano, de novo, seja sob a direção protestante/evangélica, seja sob a direção da velha cúria. No jogo democrático, contudo, só cabe um fundamento - o diálogo político. Em termos pragmáticos, a interface homem-outro é a interface do querer, da vontade, da volição - campo dos conflitos de vontades. Aí, encarando o "outro" e a "vontade do outro", o homem se depara com uma limitação no mesmo nível de sua vontade. Querer não é poder - aí -, porque meu querer pode chocar-se - e, de fato, se choca - com o querer do outro. Vale o tacape, vale o cetro, ou vale a negociação. A política, a pragmática das relações inter-humanas, tem por fundamento o jogo dialogal, e, na sua hiponomia democrática, no consenso negociado.

9. Lidar com o real. Ah, aqui as teorias não-fundacionais revelam, todas, toda a sua miopia. A placenta ensagüentada entre as pernas da mãe foi esquecida, e do canal vaginal daquele corpo saiu alguma coisa entre um ectoplasma e um discurso! Nada disso. Saiu um pedaço de carbono. Carbono com perdas, que vive do carbono, com bcoa e cloaca. Ser-de-carbono.

10. Aí se está na esfera do saber, do conhecer, do sensível. Aí se está na esfera da cognição. Aí se está na esfera da heurística. Aí, o critério crítico não é, não, um senso estético solipsista - cada um tem sua "verdade". Mentira. Cadaum tem seu gosto - "verdade" não é uma questão de gosto: não se se trata de "conhecimento", que é uma questão crítica de confronto hermenêutico-epistemológico com o real. Também aí não é critério crítico o voto, a negociação. Não se trata de uma questão política - e esse é o mais grosseiro erro das filosofias não-fundacionais, delírios pós-religiosos da mente mítica humana, eventualemnte, contudo, ainda também a serviço da "Teologia".

11. O fundamento da heurística, queiram ou não os não-fundacionalistas - não importa seu "voto" nesse caso - é o real. Uma vez que não lidamos diretamente, imediatamente, contemplativamente, com o real, mas lidamos com ele de modo antropológico, hermenûtico, semiótico - resta-nos tornar complexa a relação entre o critério crítico que é o real, fundamento do conhecimento humano, e a performance representacional da mente humana, cuja lucidez está em ater-se o mais firmemente possível ao real, sem, contudo, ingenuidades positivistasas - o que não quer dizer, por outro lado, delírios relativistas... Uma decisão política: tirar o sofá da sala - não tem qualquer eficiência nesse campo...

12. Para questões estéticas, fundamento subjetivo, soluções estéticas. Para problemas políticos, fundamento antropológico, soluções políticas. Para problemas heurísticos, fundamento físico-ecológico, soluções heurísticas.

13. O não-fundacionismo exorcizou um espírito. Devia ter exorcizado o espírito de solipsismo, o espírito de arbitrariedade, e, contudo, exorcizou o único critério de lucidez epistemológica possível - o real "objetivo" (no campo heurístico, bem sabido). E o fez pelas mais nobres da razões - com o que me filio e irmano a essa corrente, conquanto ela erre, e feio, e de cheio, quer na aplicação do remédo, quer no dignóstico da doença. Para superar o autoritarismo, quer da religião/teologia, quer da política, a Epistemologia não-fundacional transformou toda a questão, todas as questões, em questão política. Em seguida, falseou se caráter, transformando a descrição do problema - que é político - em problema de "racionalidade" (Habermas). Ao cabo, receitou, como saída para a paz, o consenso. Em que mundo - vivem?

14. No campo político - e exclusivamente para as questões políticas - a saída não é outra: é o consenso pragmático-político, negociação em todos os sentidos, o ganha-perde em benefício do bem-comum. Contudo, errou-se a mão, errou-se o olho (pudera!, fecharam-no...), errou-se a pele, errou-se, errou-se, perdeu-se o melhor do programa - o desejo de paz - escamoteando a questão de fundo. A verdade heurística não se presta a consensos - um só, contra todos, pode estar certo. Não adianta querer conseguir paz - aí - arrancando os olhos: a paz é uma questão política! Sempre nascerão novos homens, novas mulheres, com olhos na cara, e capazes de dizer, como Gaileu, que o rei tem as vergonhas à mostra...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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