sexta-feira, 29 de maio de 2009

(2009/308) Haroldo e o PARECER CNE/CES Nº 118/2009 - II


1. Bem, sigamos em analisar a tão aguardada contribuição de Haroldo à discussão sobre o PARECER CNE/CES Nº 118/2009 a respeito dos Cursos de Graduação em Teologia - MEC: sim, agora tenho/temos cidadania e pedigree republicanos! Eu adorei isso! Com todo respeito aos que prefeririam a não-oficialidade da carreira teológica, quer os de fora, queros de dentro.

2. Depois de ter analisado e proposto u'a mais ambiciosa ousadia para o postulado de seu parágrafo três, analiso, agora, os parágrafos quatro e cinco:

2.1 "4. Quanto à questão de um entendimento sobre um conteúdo mínimo do que seja propriamente 'teológico', o CNE não poderia prescrevê-lo e, salvo melhor juízo, nem poderia fomentá-lo. Aí se estaria ultrapassando acentos constitucionais previstos no pacto republicano. Neste, sabidamente, Estado e Igreja, melhor seria dizer, Estado e Organizações Religiosas atuam em searas distintas, com limites assentados. Ao Estado cabe a obrigação negativa de se manter isento em questões de crença, não podendo sobrepor-se e, assim, invadir as prerrogativas individuais frente ao Estado em questões de crença.

2.2 5. Como, neste pacto republicano, se poderia colocar à mesma mesa de discussão tradições religiosas tão diferentes a partir de sua matriz para discutir algo como 'parâmetros curriculares' em termos de Teologia? Dificilmente uma tradição afro-brasileira estaria aberta a colocar em seus currículo de 'teologia' uma disciplina de 'cristologia'. Inversamente também haveria dificuldades, como já as há em se tratando de cursos de teologia de cristã, porém de confissões diferentes. Este não poderia ser o caminho. O CNE, como braço do Estado, deve frear seus passos no ponto em que o Parecer parou".

3. "Quanto à questão de um entendimento sobre um conteúdo mínimo do que seja propriamente 'teológico', o CNE não poderia prescrevê-lo e, salvo melhor juízo, nem poderia fomentá-lo". Haroldo, meu amigo, interpreto errado sua declaração se concluo que ela trata a expressão "um conteúdo mínimo do que seja propriamente 'teológico'" como uma referência a "conteúdo" - ou seja, "Teologia", no MEC, constituiria um conjunto de conteúdos específicos que, nesse caso, não caberia a um Estado - laico (a um teocrático, eventualmente) - determinar?

4. Eu prefiro abandonar completamente essa perspectiva. Penso que as Ciências Humanas não sejam "grandezas conteudísticas", "arquivos de informações específicas", catalogadas segundo rubricas convencionais, de modo que haja conjuntos de conteúdos circulando na academia - conjuntos de conteúdo antropológico, sociológico, psicológico etc. Eu prefiro a idéia de as Ciências Humanas constituírem, todas, abordagens teórico-metodológicas específicas a objetos/campos peculiares do "real" (em amplo sentido). Logo, o recorte é metodológico, não conteudístico. A rubrica é heurística, não política (ou estética, evetualmente) - quer dizer, isto se a Teologia não se afirmar como Política ou como Estética, mas, nesse caso, salvo engano, deixa de poder postular uma vaga entre as Ciências Humanas, além de ter, então, de dizer o que é e a que veio realmente.

5. Nesse caso, no MEC, a Teologia deve constituir um parâmetro teórico-metodológico de acesso ao "real", não uma caixa de "proposições" sobre qualquer coisa que defina como sendo o real. Sim, se a Teologia é uma caixa de "proposições", e, nesse caso, como insiste a Estudos Teológicos 47/2, "confessionais" - e luteranas! -, então está explicado: o que é que o MEC tem a ver com isso? Para isso, prescinde-se do MEC - até! Mas, por outro lado, que é que isso está a fazer no MEC? Agora, se a Teologia consegue - e, até agora, está mutíssimo muito longe disso! - transformar-se (porque não é - ainda, ao menos) em acesso teórico-metodológico a um campo peculiar do "real", aí a coisa muda completamente de figura.

6. O problema da Teologia no MEC, a meu ver, não é o mesmo problema da Teologia das "Organizações Religiosas". Nestas, Teologia é meramente sinônimo de racionalização sobre conteúdo normativo/traditivo/dogmático. Ela não é método, não é aberta, é conteúdo e é fechada. No MEC, isso é impensável - e se os teólogos e as teólogas que lá foram ao MEC pedir documento com foto, era isso que eles queriam, pelo amor de Deus, que vergonha! Não - Teologia, no MEC, só pode ser discussão crítica, teório-metodológica, de acesso ao real. Método, não conteúdo.

7. Nesse caso, cabe, sim, ao MEC - e com isso quero dizer aos homens e às mulheres que fazem Ciências Humanas - discutir(em) com a comunidade de profissionais de Teologia a pertinência desse método, a peculiaridade que ele ostenta - se ostenta -, a sua compatabilidade epistemológica com o regime centífico-humanista. Ora, só o MEC o pode fazer, porque o MEC é a câmara hiperônima onde as ciências oficiais - digo: ciências científicas - se organizam. O MEC é a ágora. Não há mais outra ágora, agora, para a Teologia. Só essa. E ela, a Teologia, tem de ser, aí, o que deve ser - método.

8. Por isso insisto em que a Teologia não tem a mínima possibilidade de postular uma epistemologia própria, mistificada, mitificada, revelatória, uma "hermenêutica" engajada em fé e tradição. É com Kant que ela - obrigatoriamente - tem de lidar. Todo esforço da Teologia de livrar-se de Kant e do século XIX nada mais é do que o esforço de não capitular dante da Cidade dos Homens - a que você se referiu, outro dia, com "virada antropológica" -, ela que se sente, coitada, da Cidade de Deus. É por isso que a Teologia, ao mesmo tempo em que se agarra a suas proposições - a tradição -, nega-se a submeter-se à epistemologia das Ciências Humanas, pelas contas fáceis de serem feitas: esta subverte aquela, interdita-as, denuncia-as como o que elas são: mito e quimera. odo o grandíssimo saber da Teologia de dois mil anos revela-se, puff!, num segundo, o mesmo que a "Teologia" de duendes, da Xuxa. Duro? Mas o método é o mesmo... Aliás, seria interessante um Faculdade Teológica de RPG - os teólogos ficariam surpresos de verem a sua mesma estrutura "epistemológica" empregada em mundos paralelos e modelares, válidos em inúmeras mesa de jogos...

9. E, meu amigo Haroldo, quando a comunidade teológica finalmente entender - se não entende - e ceder - se vai ceder -, aí é que nossos problemas vão começar. Veja: uma vez que nós, teólogos, em diáogo comprometido com as regras do jogo científico, decidamos fazer da Teologia uma "coisa" científica - que ela não é, não essa que a gente vem fazendo desde smepre (e como seria diferente, se inventamos as ciências humanas tem cem, cento e cinqüenta anos?) -, começa a fase realmente difícil do jogo: perguntar, honestamente, pela especificidade dela em face das demais ciências. Nem Müller, nem Zabatiero nem von Sinner deram conta disso, porque, nos termos de seus respectivos raciocínios, Teologia é "compromisso cristão" - seja na forma de "saber racional público, confessional", seja na forma de "teologia clássica", seja na forma de "falar de Deus". E, no MEC, não pode ser nem é nada disso.

10. Eu quero muito, muitíssimo, uma Teologia científica. Mas confesso, Haroldo, que não sei se, quando nós, teólogos decidirmos levar isso a sério, se ela não se descobrirá, nesse caso, sobreposta a outras disciplinas. Zabatiero nega, mas temo sinceramente que a Teologia se transforme em Fenomenologia da Religião (mas, talvez, uma aproximação das Ciências Cognitivas e do Pensamento Complexo, de recorte moriniano, permitam-na alguma coisa nova em relação à Noosfera, o mundo das idéias humanas, onde vivem, bem vivos, os deuses) se levar a sério sua nova posição estratégia no concerto republicano, conquanto se faça esforço para driblar as sentinelas e mantê-la barroca, como desde o berço.

11. Não estou seguro de nada, amigo. Só de uma coisa: Teologia como fé, mito, revelação, doutrina, tradição, "olhar confessional", "hermenêutica da fé", no MEC, não! Conteúdo? Mil vez, não!

12. Deliro?


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Unknown disse...

Caríssimo Osvaldo,

Ocupei-me na extensa leitura de seus argumentos sobre o Parecer CNE/CES n° 118/2009 a respeito de Teologia, Teólogos, Igrejas e outras ferramentas da transcedência. Concordo com tudo o que escreve. Acompanhei a feitura desse Parecer desde seu germe mais improvável (mexer com a Teologia) até sua forma final (a meu ver, irratificável pelo Ministro). Trabalho com assessoria jurídica às Instituições de Educação Superior e constantemente pego processos de Cursos de Teologia indeferidos pelo MEC, sob o argumento de que eles pregam alguma espécie de proselitismo, o que afrontaria a Constituição, na medida em que o ensino deve ser aberto à Sociedade como um todo e não pode ter o caráter de aperfeiçoamento/capacitação aos membros das respectivas Igrejas/Ordens e assemelhados, no caso os Padres, Freiras e Regulares ou Pastores etc. Já que isso sempre foi feito nos Seminários/Cursos Livres de Teologia e Filosofia.

O fato - fico aqui imaginando – é até que ponto Religião e Política ou Religião e Estado são realmente dissociados. Assim – do ponto de vista prático – há, em tese, um estado laico; mas a pergunta e se existe uma Igreja alheia às coisas da política (ou uma igreja “idiota” no sentido grego do termo: aquele que não sabe o que se discute na pólis). Penso, assim, que a Teologia deve considerar que sua “ágora” natural é sim os corredores do MEC ou melhor, do CNE, isso porque, se do ponto de vista das Instituições é razoável dissociar Igreja do estado, não se pode desconsiderar que o Estado Democrático trouxe para si a voz das organizações: e o que é a Igreja? Igreja é lócus do povo e não locus domini.

Parabéns pelas suas considerações.

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