1. Cito um parágrafo e algumas declarações avulsas de Claude Geffré, Crer e Interpretar - a virada hermenêutica da teologia. Petrópolis: Vozes, 2004.
1.1 "A teologia é exatamente um discurso que tem por objeto um discurso sobre Deus, mas evidentemente ela não deve praticar um completo 'colocar entre parênteses' a questão de Deus, o que é o caso hoje de muitas filosofias da religião, filosofias anglo-saxônicas em particular. A teologia vai justamente levantar a questão da relação do teólogo hermeneuta com seu texto, mas segundo o horizonte da questão de Deus. Este horizonte da questão de Deus ele o recebe da revelação. Por conseguinte, a hermenêutica como hermenêutica dos textos fundadores do cristianismo é uma hermenêutica que se refere, de um lado, à positividade de uma revelação e, de outro, à intecionalidade da fé do sujeito que crê" (p. 33-34).
1.2 "Isto não quer dizer que o modelo hermenêutico vai distanciar-se completamente em relação ao dogma" (p. 35).
1.3 "Como sublinha Gadamer, é porque me inscrevo na mesma tradição que suscitou o texto, que posso tentar compreendê-lo" (p. 36).
1.4 Ou seja: teologia é discurso sobre discursos, mas com um olho na missa e outro no padre, e o pade, aí, é a "questão de Deus". Isso que é a "questão de Deus", não se trata de um problema epistemológico, de recorte kantiano, uma problematização crítica, uma investigação - heurística - das possibilidades de tal coisa. Não! Trata-se já da assim assumida "informação" que advém da "revelação" - sim, você leu isso: "revelação", que tem um caráter "positivo", isto é, nesse sentido, independe da "subjetividade" da fé (a subjetividade dissolve revelação, sabia-o Barth), ainda que, dado o modo criativo com que Geffré tenta as contas de acomodação dos dois mundos, o medieval, e o moderno, se explicite "na intencionalidade da fé do sujeito que crê". Mas não se engane o leitor, porque "isto não quer dizer que o modelo hermenêutico vai distanciar-se completamente em relação ao dogma", dogma esse a que estamos vinculados por força de nosso vínculo inexorável e exclusivo com a nossa gadameriana linguagem e tradição.
2. Muito interessante - é como o artigo de Müeller: quando você o observa assim por alto, parece que promte, mas, quando entra dentro dele, e o lê "sintaticamente", descobre - e é tarde - que se trata da mesma teologia de sempre, mas com um novo projeto de "legitimação". Quanto a Müeller, penso que já o demonstrei - a despeito da crítica de Zabatiero, que é quem deve a demonstração de seu argumento. Quanto a Geffré que, não por acaso, Müeller cita, tenho algumas observações.
3. Eu assmiria, para início de uma conversa a respeito da definição adequadamente acadêmica de Teologia, para a postulação crítica de seu estatuto epistemológico no MEC, a definição que Geffré faz que vai usar. Nos meus termos: Teologia é o estudo dos discursos sobre Deus - isso com todas as implicações históricas e científico-humanistas, sem "janelas" para escamoteações dogmático-normativas. Sim, janelas sub-reptícias, como as que Geffré deixa abertas, tanto para, por elas, fazer entrar coisas e fazer saírem coisas.
4. O que entra - o velho dogma, o velho "modo" das doutrinas, o velho modelo platônico-dedutivo-positivo, as velhas "verdades" - e com o displante, o não-constrangimento (é o problema dos teólogos, só se dirigem a teólogos e ovelhas, e tomam-nos por si mesmos!) de a isso chamar "revelação". Bem, ao menos Geffré tem em sua defesa sua "tradição" romana... Primeiro, Geffré diz que essa Teologia que é discurso sobre discurso (até ai, compreensível) não vai pôr a questão de Deus entre parêntesis - pelo contrário, o teólogo vai se informar quanto a isso na revelação, na "positividade" - mas isso é Barth! - da revelação, que ele melhor define com a expressão "isto não quer dizer que o modelo hermenêutico vai distanciar-se completamente em relação ao dogma", ou seja, revelação, positividade da revelação e dogma é tudo a mesma coisa.
5. Ora, se a revelação fosse alguma coisa aberta, mística negativa, em estilo eckhartiano, que diferença faria? Seria engraçado observar um teólogo sentindo a necessidade (psicológica? [Freud]) da mautenção do "discurso" místico-eckhartiano, mas isso em nada interferiria, concretamente, na "pesquisa". Todavia, ah, senhores e senhoras, essa revelação, não se enganem, é o "dogma", a "doutrina", as "palavras mágicas", "de ordem", palavras "cosmogônicas" - a positividade da expressão da fé, que Müeller há de chamar pelo duplo termo "depósito da fé" e "teologia clássica".
6. Não é muito diferente disso aquilo e que se tem transformado uma "teo-poética" desenvolvida por teólogos e teólogas - "comparar" o que os autores desse ou daquele romance falam sobre Deus com o que a "revelação" fala sobre Deus. O primeiro momento dessa empreitada, se decentemente elaborado - mas há controvérsias, dado o grau de comprometimento ideológico do conjunto -, seria relevante (os estudantes de Física da UERJ andaram praticando-o em relação aos teólgoos/físicos dos séculos XVII e XVIII, para apreender-lhes os preconceitos teológicos, e, assim, construírem um quadro de referência para o entendimento da Física que eles elaboraram a partir de suas respectivas cosmovisões). No entanto, a segunda parte do programa serve para quê?, senão para a manutenção do "critério" normativo, disfarçado em, hum, "discurso"? Que satisfações, seja Guimarães Rosa, seja, eu, têm-se a dar às Escrituras e à Igreja? O "mal" não é o que a Igreja diz que ele é - o que a Igreja diz que ele é é, apenas, o que ela diz que ele é, mais nada.
7. A "virada hermenêutica", essa aí, é, a meu ver, apenas uma coisa: uma apologia da manutenão dos termos, das doutrinas, das estruturas, dos discursos da tradição - da velha Teologia barroca. Não é à toa que Gadamer será citado - sempre será citado! Mas o que Geffré diz não tem o menor fundamento: "como sublinha Gadamer, é porque me inscrevo na mesma tradição que suscitou o texto, que posso tentar compreendê-lo". Nada mais falso. Não é porque estou inserido na tradição da linguagem cristã - meu Deus, Geffré transformou "linguagem" em cosmovisão e tradição! - que eu posso compreender os "textos fundadores do cristianismo".
8. Ora, eu posso compreender quaisquer textos e tradições do planeta: dos malaios, das miríades de etnias africanas, esquimós, da Terra do Fogo, dos hindus e dos gregos, das ilhas Trobriand. Posso compreender quaisquer textos e tradições - sem exceção - dos cinco continentes: América, África, Ásia, Europa e Oceania. Se você achar textos da Ilha de Páscoa, me dá que os interpreto. Deus do céu - não é a inserção de um homem em uma cultura específica que o faz compreender essa cultura - é seu potencial genético-biológico-cultural de inserão em culturas que lhe dá a versatilidade de criar e de entender-se com qualquer cultura e linguagem - a sua ou a de qualquer outro ser humano. Até a linguagem dos animais vamos compreendendo! O que é potência e faculdade aberta, Geffré (Gadamer?) transforma em prisão e trilho. A "virada hermenêutica" dessa Teologia é o retorno ao cativeiro babilônico da Idade Média, senhores, senhoras... mas com o colorido da maedia... A virada antropológica fora alforria, essa aí, capitão-do-mato! Solipsismo platônico-evangélico, coisas daquele ranço de dizer que apenas homens regenerados qualquer coisa assim...
9. A cada argumento, vê-se o que está em jogo: manter Deus à vista, manter a "doutrina" à mão. Para quê? Se o que Geffré chama de "virada hermenêutica" tem sua base na "virada antropológica" do século XIX, em nome de quê, Deus do céu (eu sei o nome...)!, mantêm-se, aí, a impossibilidade antropológica da "revelação", a materialidade político-institucional do "dogma", a ideologia político-psicológica da "fé"? Qui prodest? É pesquisa o nome diso?
10. E, aí, chegamos ao constrangimento de ter que dizer o seguinte: para o MEC, isso é piada. Não duvidaria que a política chegasse a permitir que uma coisa assim invadisse o MEC: os jogos de interesse, as contas de chegada, explicariam uma desgraça dessas. Ah, ouvir da boca de um "pesquisador" que essa observação assim e assim diverge da "revelação"... O que se ouviriam, depois? Um silêncio sepulcral, por causa do constrangimento irreprimível dos pares, ou uma sonora gargalhada, inexorável? E o pior é que o "teólogo" ainda acharia um modo de choramingar com Deus a insensibilidade "teológica" dos colegas...
11. Por outro lado, ainda, fora do MEC - e aí piso mais devagar: imaginar a necessidade de um discurso desses para a manutenção da "teologia" na Igreja é sintomático - a que neurose, Freud, está ligada a necessidade de uma apologia capenga, se bastaria a fé simples e fundamentalista dos milênios cristãos? A gentre descobre a hermenêutica, sabe o que isso sginfiica, e, contudo, fala de "positividade da revelação"... Ah, entendo, para uma nova mentalidade, uma nova configuração da neurose...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário