sexta-feira, 22 de maio de 2009

(2009/280) PARECER CNE/CES Nº 118/2009 - Reação a Zabatiero - V


1. Zabatiero, isso aqui começa a lembrar aquelas séries de correspondências que os grandes teólogos dos séculos XIX e XX trocavam entre si, sempre com polêmicas e cortezias - sobretudo moderada educação. Só falta, agora, você e eu virarmos "grandes teólogos", para ficar tudo igualzinho (rs). Pelo menos ninguém vai ter trabalho pra reunir as "cartas"...

2. "O papo está ótimo, mas temo que a gente vá encher o saco das pessoas que lêem este blog... (Zabatiero, não se preocupe: Peroratio tem públio seleto, só vem aqui quem tem interesse nesses temas: não conte palavras: vomite-as) Um balanço? (1) Alguns pontos de nossa discordância ficaram elucidados, mas ainda tenho a sensação de que há pontos em que não conseguimos entender direito o que cada um está dizendo, enfim... (2) Do jeito que está a conversa, parece que só há dois jeitos de pensar e fazer teologia, epistemologia, etc. Acho bom que a gente lembre - a nós e a quem nos lê (pobres...) - que há várias possibilidades e que possivelmente nós tenhamos parceiros de diálogo não tão bons quanto imaginamos...".

3.1 Preguiçoso. Um "balanço" teria exigido anotar quais os pontos elucidados, quais não. Quanto aos diversos modos de "fazer teologia, epistemologia", vejamos. "Teologia", reconheço: tem o modo das igrejas, que é patrístico-medieval (mesmo onde a Teologia é, na "ponta", progressista, as "ovelhas", o rebanho, a comunidade, chame-se-lhe pelo nome que se quiser, a "fé" comunitária, aí, é medieval, ontológica. Mesmo na "vanguarda" da Teologia como metáfora, basta ouvir um sermão do teólogo e verá como a comunidade ainda pensa tratar-se da velha Teologia). Os novos teólogos são tão parecidos com os velhos teólogos, têm sempre "Deus" na boca... Não me assusta que o MEC tenha se asustado com a gente: eles acharam que estávamos levando a sério a academia, e quando foram ver de perto, Deus me livre! Nas comunidades eclesiásticas, ainda estamos em Justino, Nicéia, Agostinho, Lutero, Barth e que tais: nada mudou. E, como os teólogos da academia são, com raríssmas exceções, os mesmos das igrejas, levaram-nas para seus curículos - um verdadeiro sentido de missio Dei.

3.2 Não é necessário fazer distinções aí - não há diferença substancial entre Barth (ontologia dogmática) e a TdL (engajamento crítico) quanto a quesito ontologia. É o meso Deus do AT, do NT, da História da Igreja, que, sensibilizado com o sofrimento dos pobres, anima-o. Logo, todas essas teologias são ontológicas, ainda que recoram a Marx. E com is apenas as classifico, não as rotulo, nem as "condeno". Conquanto não as pratique mais. Seja como for, na "Igreja", vá lá. Acho anacrônico e ultrapassado, mas "de direito".

3.3 Todavia, na Universidade: NÃO! Impossível uma Epistemologia com olho mágico, para ver atrás da portana Natureza, com olho de Super-homem, para ver atrás do "céu de chumbo" romântico-kantiano. Todo e qualquer conteúdo de toda e qualquer Teologia, no MEC, tem de, ogrigatoriamente, ser considerada cultura humana, com o valor relativo de todas as outras - logo, monoteísmo, panteísmo, politeísmo, deísmo, ateísmo, tudo se equivale. Jesus, Buda, Maomé, Confúcio, Blavatsky, todos se equivalem. Sacramento, meditação, sexo tântrico, "fé", tudo se equivale. Na academia, nada disso tem valor extra-humano, consistência "metafísica" - tudo é mito e ciação humana, salvo a vida concreta dos fundadores de culto. É preciso, pois, uma rigorosa e metodologicamente cética Epistemologia científico-humanista para lidar com isso.

3.4 Müeller, por exemplo, quer uma perspectiva distinta entre filosofia/ciênca de um lado, e teologia, de outro (uma teologia-ciência que não seja filosofia-ciência!). Aquelas vêem o mundo in re ("o mundo tal qual ele é" - ele diz), e esta, ainda é ele quem o diz, in spe ("o mundo sob a perspectiva da esperança"). Ora, in spe, para Müeller, é à moda do "depósito da fé", da "telogia tradicional" que não pode, ele diz, ser abandonada, sendo "desde fora" que ela vê e vem, vindo revelada desde "o coração de Deus". Ora, no mínimo, para dizer pouco (e, agora, sou eu a dizê-lo), ver o mundo in re é ver-se a si mesmo in re, e ver-se a si mesmo in re é saber que tudo isso que Müeller cita é ciação humana, sejam os conceitos de revelação, de depósito da fé, de coração de Deus. Uma Epistemologia comprometida com a fé é, apenas, apologia - e política. Essa Epistemologia não pode, não mesmo, estar no MEC - pergunte ao Hans Küng de Teologia a Caminho e ele concordará - aliás, ele o disse antes de mim.

4. "(3) Não me parece que as nossas opções epistemológicas sejam tão antípodas como você dá a entender. E.g.: Apel e Habermas trafegam em trilhos paralelos de uma mesma estrada de ferro ... Vattimo é um grande leitor de Heidegger e Nietzsche, etc. Fico imaginando, cá com meus zíperes e botões, se a sua adoção do paradigma da complexidade é coerente com sua fala sobre epistemologia. De novo, fica a sensação de que há algum curto-circuito - não sei se na minha leitura, ou no seu texto ...(4) PERMITA-ME A ÊNFASE EM LETRAS CAPITAIS. Você me rotula de pós-moderno e se auto-rotula de crítico, como se essas palavras mágicas fizessem algum sentido. Rórulo por rótulo, seria tão inútil como a sua descriçaõ se eu dissesse, em resposta: eu (júlio) sou crítico (escola de Frankfurt em sua quarta geração, pós-metafísica), você (osvaldo) é epistemologista metafísico. Você acusa os não-fundacionistas de negarem a realidade, mas só uma pessoa que deseja fechar a discussão e ganhar a parada é que apela para tal tipo de argumentação...".

4.1 Não são rótulos, Zabatiero, são, apenas, chaves heurísticas. A chave para abrir as suas palavras, os conceitos que você usa, são rortyanas, habermasianas. A chave para abrir meus conceitos, são "dezenovianas", são peirceanas, são morinianas. Não sou não-fundacionista - e a única palavra para isso é "crítica moderna". A superação da crítica moderna, a posição não-fundacionista, é pós-metafísica. Mas não são rótulos, amigo. São aproximações heurísticas.

4.2 Não vou contra-polemizar. Mas o Vattimo de "A Idade da Interpretação" reconhece que, se tentar defender "criticamente" a postura de que "so há interpretação, nunca, fatos - exceto o fato da interpretação"-, ele acaba capitulando à Epistemologia fundacionista, de modo que a sua Hermenêutica propõe-se como "axioma" não-fundacional (incrível, a Hermenêutica de Vattimo tem conteúdo! - ela fala e tudo... E eu que a julgava um "estado do ser-aí"). É a isso que me refiro. Vattimo cita uma única linha de Nietzsche: "não há fatos, apenas interopretações", e, com ela, faz suas mágicas. No mesmo livro em que Nietzsche escreveu isso, há mais de vinte citações valorativas da história, até aquela que diz que a Igreja deturpou a verdade histórica... Domenico Losurdo reviu "ontem" toda a recepção anti-historicista e não-fundacional de Nietzsche, demonstrando-a histórico-hermeneuticamente equivocada à luz da obra e das correspondências de Nietzsche. Essa é minha difereça com o povo que você citou - eu sou peirceano: acredito na materialiade do mundo, logo, também na materialidade do conhecimento, e acredito que a Hermenêutica ou é diálogo com essa materialidade, ou é alucinação. Uma Teologia-MEC, para mim, ou dialoga com a realidade, o é mito puro - como o é toda a Teologia eclesiástica. Friso: toda.

4.3 Você tem razão: alguns dos seus heróis aproximam-se de alguns dos meus heróis. A tentativa de Apel de superar a aporia da "Hermenêtica" de um Rorty, por exemplo (Transformação da Filosofia - material estupendo, se bem que não chega aos pés de O Método), faz com que Apel tente uma conta de chegada entre Wittgenstein, Rorty, Gadamer, de um lado, e Peirce e Popper, de outro. Dependendo de como você "acesse" o conceito de "comunidade de comunicação", de Apel, você até pode dizê-lo não-fundacionalista - mas é erro, dado que um dos "ingredientes" da "síntese" apeliana é Peirce e Popper, conquanto, também, Heidegger (o primiro) e Gadamer. Assim, Schopenhauer seria alguém que poderia, se desenvolvido, simblizar o esforço de Apel - o mundo como representação - matéria e hermenêutica. Para mim, Morin já reslveu isso. Numa palavra: eu sou fundacionalista. Meu pensamento hermenêutico e epitemolópgico é ecossistêmico, telúrico, siturado, pragmático. Nenhum tipo de hermenêutica platônica - e o pós-modernismo é puramente platônico - me encanta. Hermenêutica, e o disse uma vez, é como a gosma do caramujo: você a segrega, você se segrega, por meio dela, para viver sobre a terra, de modo que não ivemo nm interamente na terra, nem interamente na gosma, mas nas duas, ao mesmo tempo, e uma sem a outra não há - não para nós (nem idealismo, nem materialismo, mas os dois, um dentro do outro, representação e realiade - cf. O Complexo Hermenêutica e Consciência).

(5) "Meu fecho pós-metafísico: não existe teologia "boa" e "pronta", como não existe epistemologia "boa" e "pronta". Estas coisas são atividades humanas inevitavelmente históricas, corpóreas, contextuais, perspectivais, mutantes ... Você mencionou Nietzsche entre seus parceiros de diálogo - e ele é um bom parceiro. Mas você se lembra da descrição que ele oferece da pessoa "crente"?"

5.1 Não apenas lembro, mas cito-a, de vez e quando: na formatura de Teologia, outro dia, citei. Minha fala paraninfal foi baseada no aforismo 129 de A Gaia Ciênca, sobre o "bom Lutero" e o que ele não disse sobre Deus e os homens... O Anticristo é um de meus livros de cabeceira, e sei que, para Nietzsche, o bom cristão é uma besta de carga... Por isso o odiaram tanto, fazendo-se, assim, ainda mais muares. A recepção de Nietzsche o século XX está toda eqivocada (Domenico Losurdo - Nietzsche, il Rebelle Aristocratico), entre neo-nazismo e não-fundacionismo, quando Nietzsche não é nem uma coisa nem outra. Conquanto me irrite sua aristocracia contra-democrática...

5.2 Você diz: "Estas coisas são atividades humanas inevitavelmente históricas, corpóreas, contextuais, perspectivais, mutantes". Sim, e daí? Isso quer dizer que votar para decidir quantos quilômetros tem daqui na Lua é o mesmo que medir? Os valores humanos, sim, são mutantes - quantos átomos há na molécula de água, não. A ética humana, sim, é cultural - o que ocorre no cérebro humano, para construir os valores éticos, não. A Teologia - qualquer que ela seja: cristã, umbandista, kardecista tomara venham logo todos os demais, cadê o Daime na Universidade?, cadê o Islamismo?, cadê o Budismo? Quer saber que Faculdade vai bombar? A de Tantrismo - nunca se terão feito trabalhos acadêmicos com tanto empenho! Pois bem, a Teologia é cultura, mas os processos psico-químicos de produção noolópgica de deuses, não. Uma Teologia "boa", hoje no MEC, é uma Teologia que se preocupe, também, com o modo como o pensamento humano se produz, e, quando ela descobre isso, ela se descobre, e sabe-se fantasia estético-política. Essa é a boa Teologia paa o MEC. As demais, culto, liturgia e catequese, racionalização traditivo-normativa, xô!

(5) "Para encerrar mesmo (ainda bem que não sou pregador ...): o crente de Nietzsche assume religiosamente (de forma dependente, sem elã vital) a transcendência - e os defensores da exclusividade epistemológica da "ciência" se alinham na fila dos crentes. abs :)".

5.1 Engraçadinho... Há uma diferença. Os "crentes", as bestas de carga, de Nietzche, são, todos, platônicos - põem-lhes cargas nos ombros, mitos e dogmas que eles não criaram, não podem analisar, não podem contestar- nem entre nós! - e têm de tratar como divinos. A Epistemologia crítica, moderna, e, por essa ordem, aristotélica (indutiva e "democrática"), cartesiano-empírica, ou iluminista de segundo tipo (ou seja, teoria versus experimentação), romântica (ah, sou romântico, não creio na capacidade de a razão varar os céus!), e, agora, inter/multi/transdisciplinar - ela, não. Não há verdades divinas aí, mas há verdades, sim. Como relativismo e o pós-modernismo são o que são, biologia, fisiologia, genética são coisas com as quais não lidam: apenas a "Hermenêutica" fantasmático-ectoplasmático-platônica. A crítica moderna crê no diálogo com a matéria (e as coisas aí não se decidem pelo voto!) e, principalmente, na compreensão das rotinas de pensamento (Ciências Cognitivas). Se o conhecimento não dialogasse com a matéria, se não fosse interativo, a vida até emergiria, mas por um segundo, apenas, e no outro, já acabaria, porque ela não saberia o que comer, de quem fugir. Somos seres hermenêuticos, mas não espectros. O Carbono nos move.

6. "PS.: Penso, porém, que há um ponto mais sério para discutirmos: o caráter paternalista e autoritário da decisão do CNE em estabelecer diretrizes curriculares para a teologia sem consulta a especialistas da área (mesmo que o MEC ficasse só com os PPGs credenciados pela CAPES). No mínimo, uma discussão como a que fazemos aqui ajudaria os membros do conselho a olhar para a teologia com menos preconceito e mais compreensão de suas possibilidades acadêmicas, crítico-reflexivas e éticas...".

6.1 Sim, seria boa uma discussão. E digo mais: queria que os teólogos da faculdade umbandista, os teólogos da faculdade kardecista e os teólogos cristãos estivessem nessa reunião. De cara, as coisas iam mudar de figura. A gente ainda só pensa Teologia doméstica, cristã (ainda tem "Missões" como disciplina, Zabatiero - Missões! Deus nos valha!). Acabou. Isso nao existe mais. Teologia, agora, é outra coisa. E não somos nós, você e eu, cristãos, que vamos decidir - não, sozinhos: seremos nós, teólogos, cristãos, umbandistas e kardecistas, juntos. Monoteísmo? Esquece. Os umbandistas são politeístas e animistas. Teremos de estabelecer uma definição de Teologia tão aberta que caibam monoteístas, politeístas, ateístas, deístas, panteístas que, enquanto teólogos, reconheceçam que tudo isso é puro palpite e muita política e poder. Cada mente humana aprendeu a ver de um jeito, porque esses jeitos são, todos, culturais e situados.

6.2 Eu estou pronto. As carnes chegam a tremer. Digo que estou ponto para perder territórios conquistados. Para ver o Deus-Ser parmenidiano-agostiniano esboroar-se em fractais anímico-africanos, em antropo-teromorfismos múltiplo-indianos, em Nada, quando Buda sentar-se à mesa conosco. Imagine a cena, Jesus, Yahweh (não, não são a mesma pessoa), Lord Ganesha, que simpático, não?, Quetzalcóatl, Baal, de pênis a rasgar as areia do Mediterrâneo, Tupã, Kardec... Deus do céu - estamos prontos? Aí eu quero ver. Por enquanto, é bricnadeira de criança tudo que fizemos e dissemos. A verdadeira revolução vem vindo - e o Brasil poderia ser o seu celeiro. Quer dizer, se a gente tiver crescido o suficiente para isso... Não é a Teologia da Igreja que está em jogo, é um padrão civilizatório - nunca se deu tantas chances a um só povo...


OSVALDO LUZI RIEIRO

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