quinta-feira, 21 de maio de 2009

(2009/279) PARECER CNE/CES Nº 118/2009 - Reação a Zabatiero - IV


1. Zabatiero de lá, eu de cá - vamos costurando essa reflexão. Bem, pisamos chão epistemológico consideravelmente diferente (sou polar em relação a Rorty e Vattimo, por exemplo), mas penso que isso nao seja impeditivo para uma aproximação por afinidades, ainda que se trate de um problema mais sério do que a própria discussão em torno da Teologia. Mas vamos em frente. Mais ma vez, Zabatiero em vermelho.

2. "Como você já tem visto, não sou muito bom em escrever longos comentários para blogs... Bem, estou gostando do nosso papo internetal. Um ponto de discordância que não vejo como mudar tão cedo está na seguinte questão (e discordar não é ruim, nem faz perder a amizade...): 1. Eu não vejo a necessidade da teologia se subjugar à epistemologia moderna da "rejeição do transcendente", nem vejo porque ela teria de ser uma fenomenologia da religião para poder ter espaço na universidade. Eu tenho participado de três associações/GTs de professores universitários (história, filosofia e estudos clássicos), e o interesse pela teologia é muito grande, só perdendo para o preconceito contra a teologia - que muitos acham que é a mesma coisa que doutrina ... Não se esqueça, caro colega, que a universidade brasileira ainda tem um forte ranço positivista!".

2.1 De fato, Zabatiero, nesse ponto haverá de demorar bastante para que cheguemos, se chegarmos, a um consenso - resolveríamos isso no voto, nao é mesmo? Mas um consenso, penso ser difícil. Por que você diz "não ver" a necessidade - e, contudo, "eu vejo". Das duas uma: ou a necessidade está aí, e você está cego, ou a necessidade não está, e eu estou esquizofrênico. Se não houver uma base epistemológica científico-humanista para com a qual lidar com a Teologia, não vejo como se poderia fazer Teologia com seriedade: e não há diferentes epistemologias para diferentes ciências... Você certamente não há de pensar que o que chamamos de Teologia, mesmo na pós-graduação - salvo História da Teologia - tenha sustentação epistemológica. A Teologia Sistemática, qualquer que seja a corrente, é meramente racionalização sobre fé/mito/dogma - dê-se-lhe o nome que se quiser (só vale para a província dos crentes, e olhe lá!). Como algo assim se sustenta? Só por meio, ou de uma epistemologia de encomenda, de província, ou se a Teologia se transforma em "estética". Mas aí não se trata mais de ciência.

3. "Inter- Multi- ou Trans-disciplinaridades, à parte, se uma disciplina não se auto-constitui, ela não dialoga, nem se pluraliza. Para o debate não ficar chato demais, permita-me uma séria brincadeira: você ficou muito tempo no meio batista (eu já fui batista da CBB)e sua descrição da teologia me parece válida só para a turma do jeitão batista e assemelhados. Mas, como disse, é uma séria brincadeira, para aliviar a mente e alegrar o coração".

3.1 São dois assuntos num só. Quando à auto-constituição: Zabatiero, mas é isso que quero. Mas não posso concordar que a auto-constituição da Teologia se dê sobre as bases medievais em que ela se sustenta, mesmo, hoje, na academia. Quanto a um eventual viés batista, não acho que seja possível. Estou pensando Teologia em sentido amplo (cf. Teologia no Divã, por exemplo), que abranja umbanda, kardecismo e cristianismo, ao mesmo tempo, as três reresentações que hoje, teho certeza, estão no MEC. Assim, quero uma Teologia que possa ser posta em prática tanto por mim, quanto por um umbandista, quanto por um kardecista, posto que ela seria ciência, e não confissão. Logo, não acho que esteja "contaminado" por um viés. Salvo - aí sim, o científico-humanista de recorte kantiano/diltheyano/peirceiano.

4. "Outro ponto que discordo de sua argumentação é o relativo ao papel do MEC. O MEC não define cientificidade nem estabelece como funciona um saber acadêmico. A teologia no MEC não precisa se submeter ao positivismo racionalista de certos pareceristas. Veja, e.g., música, músicoterapia, dança, artes plásticas não são ciências e têm cursos reconhecidos pelo MEC. O MEC, ao reconhecer um curso, não lhe credencia como ciência, mas o credencia como uma formação útil para a sociedade e reconhecida por essa mesma sociedade, nas suas diversas dimensões, instituições, etc. A teologia no MEC pode e deve continuar sendo teologia (no bom sentido, não no doutrinário). Assim, quando eu discuto que a teologia não é ciência (e reafirmo minha visão a esse respeito), não vejo que isso a tire do MEC, CAPES ou universidades. Ao contrário! ela tem todo espaço do mundo na universidade sem ser ciência, só vai perder se a gente começar a bancar cientista. Nesse caso, esquecemos a função de teólogos e partimos para a de cientistas da religião - e isso não é demérito pra ninguém".

4.1 Penso que com isso não se resolve a questão. Farei força para não discutir a teoria das racionalidades. Pensemos a questão das pragmáticas: estética, heurística, política. Você pensa uma Telogia que seja o quê? - arte? Tudo bem - não é ciência. Mas, nesse caso, a Telogia é o quê?Uma escola - como o surrealismo, por exemplo? O que afinal é a Telogia? Não dá para compará-la com música, nem com dança, nem com artes plásticas... Teologia é reflexão, é pensamento. Mas que pensamento ela pensa? Não pode mais ser "Deus" - para o conhecimento, Deus está morto. Para a arte, tudo bem. Para a política, o dólar que o diga!, mas para o conhecimento, não. Logo, cada uma vez que a Teologia fala de Deus e não o faz na forma de uma Fenomenologia ou Antropologia, o que é que o teólogo está fazendo?, do que é que ele está falando?

5. "Por fim, para não me estender demais, como voccê tem percebido e mencionado - eu trabalho dentro da visão pós-metafísica do pensar filosófico, dialogando com Habermas, Rorty, Derrida, Caputo, Davidson e cia. ltda. Essa turma toda está revisando a sua velha visão moderna anti-religião. O próprio Rorty, por exemplo, em diálogo com Vattimo, reconheceu que dizer-se "ateu" era uma recaída metafísica. Corrigiu-se, diz ele, sou "anti-clerical" - melhorou, ficou coerente com a sua visão anti-fundacionista. Agora, o Rorty não teve espaço na filosofia, foi para a literatura na universidade norte-americana.- Em que concordamos: que teologia não é dogma, não é conversa marketeira de igreja, não é papo de como conquistar mais crentes para a igreja. Mas teologia sem vínculo com a transcendência também não é teologia... Só pra terminar mesmo (rs): que a teologia discuta seu estatuto teórico não é confissão de ignorância sobre o que nós teólogos fazemos. É reconhecimento de que o paradigma metafísico, ontoteológico, se esgotou. Assim, como qualquer ciência, ao fim de um paradigma, há um tempo de discussão epistêmica intensa.Espero não encher o saco de vcs com estes papos pró-transcendentais mas pós-anti-kantianos-hegelianos-americanos e batistanos ...abs. Julio".

5.1 É, eu sei. Nisso estamos ainda mais distantes, epistemologicamente: eu vou na direção de um Istvan Mészáros, um Carlo Ginzburg, um Edgar Morin, um Marcel Detienne, um François Dosse, um Ilya Prigogine, um Karl-Otto Apel, um Charles Sanders Peirce, um primeiro Heidegger, um Nietzsche de Domenico Losurdo, mas não, certamente, um de Vattimo... Pós-moderidade?, na-na-ni-na-não. Mas lutarei pelo seu direito de abraçá-la. Isso explica porque a epistemologia, para você, é uma questõ menor. Seus campeões sequer a levam a sério - alguns deles, mais radicais, nem acreditam na realidade! Contudo, quando mijo na tampa do vaso, aqui em casa, a Dona Realidade grita à beça, se me entende... Mas confesso: estou viciado em epistemologia, em fundamento, e sua corrente é não-fundacionista. Sou crítico, você, pós-moderno, nossos eixos de argumentação não hão de encaixar. Vamos ter que criar duas Teologias, então... Ou, na boa solução, encontrar um eixo comum de acesso ao discurso sobre a Telogia - mas quem é ela meso?

6. De qualquer modo, agrada-me o Voto. Reconheço que ele está mais para o meu lado do que para o seu. Mas quem vai perder mesmo é esse enorme grupo corporativista da velha Teologia que andou aí pondo pra dentro da cátedra rotinas de catequese com diploma. Tomara isso seja tudo varrido para fora, e fique apenas a boa Teologia. Quer dizer, depois que a gente descobrir o que é que é isso mesmo...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

julio zabatiero disse...

Caro Osvaldo,

O papo está ótimo, mas temo que a gente vá encher o saco das pessoas que lêem este blog...
Um balanço?
(1) Alguns pontos de nossa discordância ficaram elucidados, mas ainda tenho a sensação de que há pontos em que não conseguimos entender direito o que cada um está dizendo, enfim...
(2) Do jeito que está a conversa, parece que só há dois jeitos de pensar e fazer teologia, epistemologia, etc. Acho bom que a gente lembre - a nós e a quem nos lê (pobres...) - que há várias possibilidades e que possivelmente nós tenhamos parceiros de diálogo não tão bons quanto imaginamos ...
(3) Não me parece que as nossas opções epistemológicas sejam tão antípodas como você dá a entender. E.g.: Apel e Habermas trafegam em trilhos paralelos de uma mesma estrada de ferro ... Vattimo é um grande leitor de Heidegger e Nietzsche, etc. Fico imaginando, cá com meus zíperes e botões, se a sua adoção do paradigma da complexidade é coerente com sua fala sobre epistemologia. De novo, fica a sensação de que há algum curto-circuito - não sei se na minha leitura, ou no seu texto ...
(4) PERMITA-ME A ÊNFASE EM LETRAS CAPITAIS. Você me rotula de pós-moderno e se auto-rotula de crítico, como se essas palavras mágicas fizessem algum sentido. Rórulo por rótulo, seria tão inútil como a sua descriçaõ se eu dissesse, em resposta: eu (júlio) sou crítico (escola de Frankfurt em sua quarta geração, pós-metafísica), você (osvaldo) é epistemologista metafísico. Você acusa os não-fundacionistas de negarem a realidade, mas só uma pessoa que deseja fechar a discussão e ganhar a parada é que apela para tal tipo de argumentação ...
(5) Meu fecho pós-metafísico: não existe teologia "boa" e "pronta", como não existe epistemologia "boa" e "pronta". Estas coisas são atividades humanas inevitavelmente históricas, corpóreas, contextuais, perspectivais, mutantes ... Você mencionou Nietzsche entre seus parceiros de diálogo - e ele é um bom parceiro. Mas você se lembra da descrição que ele oferece da pessoa "crente"?
(5) Para encerrar mesmo (ainda bem que não sou pregador ...): o crente de Nietzsche assume religiosamente (de forma dependente, sem elã vital) a transcendência - e os defensores da exclusividade epistemológica da "ciência" se alinham na fila dos crentes.
abs :)

PS.: Penso, porém, que há um ponto mais sério para discutirmos: o caráter paternalista e autoritário da decisão do CNE em estabelecer diretrizes curriculares para a teologia sem consulta a especialistas da área (mesmo que o MEC ficasse só com os PPGs credenciados pela CAPES). No mínimo, uma discussão como a que fazemos aqui ajudaria os membros do conselho a olhar para a teologia com menos preconceito e mais compreensão de suas possibilidades acadêmicas, crítico-reflexivas e éticas ...

Peroratio disse...

Opa! Essa reação está mais "quente". Corremos o risco de dizer coisas demais para um parágrafo, e, aí, caímos em risco de desintendimento quanto ao que estamos dizendo de fato. Talvez por isso tão poucos escrevam e menos ainda discutam. Mas vale a pena, porque acertamos o discurso à luz do que o outro diz ter entendido - então, corrigimos.

Quando eu responder a esse comentário, estarei mais explicando-me, do que avançando. Mas será preciso.

Até já.

Osvaldo.

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