1. Desde - pelo menos - Weber, "sacerdotes" são "maus" e "profetas" são "bons". As raízes dessa dicotomia já estavam presentes em Julius Welhausen, patrono da teoria dos documentos - JEDP - do Pentateuco, que, no final do século XIX, afirmava que a religião judaica caminhou de um período áureo - profético - para a deterioração completa - período sacerdotal.
2. Eu não gosto de sacerdotes. Isso deve estar claro para todos que me conhecem. Não quero dizer com isso que não gosto de padres ou de pais de santo. Não se trata de apontar para figuras concretas. Até porque pastores são tão sacerdotais - senão mais! - do que padres e pais de santo. Não gosto é da idéia sacerdotal, da atitude sacerdotal, do princípio sacerdotal. Faz-me mal, somaticamente, estar diante de discursos que pretendem, em pleno século XXI, servirem de intermediação entre homens e mulheres, de um lado, e o sagrado, de outro. Não é por outra razão que estudo mais detidamente os séculos VI e V de Jerusalém, ovo sacerdotal por excelência, chocadeira da alma sacerdotal ocidental.
3. O Protestantismo, meus amigos, sejamos honestos, não acabou com o sacerdócio. Dizer que cada um é sacerdote de si, no nível do discurso, sim, implode com qualquer possibilidade sacerdotal. Mas, no Protestantismo, tudo são meras palavras, quase nada é, de fato, levado ao nível das realizações concretas, de modo que, se com a boca proferimos o fim do sacerdócio de uns sobre outros, na prática, vestimos as roupas sacerdotais dos sacerdotes de Jerusalém. A alma pastoral nunca abandonou o delírio sacerdotal. Hoje, agrava-se a patologia...
4. Mas igualmente, e cada vez mais, desgosto dos profetas. Indispõe-me a mania dos "profetas" de plantão pronunciarem-se em nome de Deus. Para mim, isso configura uma fraude, um acinte, um deboche. Talvez por isso tanta gente, aparentemente boa e, a seus próprios olhos, nobre, deteste a crítica bíblica, a fenomenologia, a pesquisa conseqüente, porque, nesses ambientes, ninguém, absolutamente ninguém pode, honestamente, trazer Deus para sua fala. Deus é uma indisponibilidade inexorável onde se reconhece a condição humana. Onde ela é burlada, onde se "brinca" de dizer "Deus", aí só pode funcionar uma agência político-retórica. Ironia: demonizada, a serpente do Éden vinga-se, "baixando" nos cavalos-profetas, a dizer coisas como que ditas por Deus... Deus é facinho... O Deus de 1,99...
5. É muito curioso observar a disputa religiosa no mundo evangélico contemporâneo. É, para todos os fins, uma briga de deuses. Deus fala pela boca dos "maus" e dos "bons". Dedo na cara de um, é Deus falando. Dedo na cara de outro, é Deus falando. Deus - sempre do lado de quem fala, não importa quem. Deus berra desde esse púlpito, desde essa "carta aberta", esse brado profético. Deus berra desde aqueles outros lá - indiferentemente de um e outro berro estarem mutuamente se estapeando. Deus dá na cara de Deus. Deus ficou louco...
6. Por que será que as coisas são assim? Eu arrisco uma análise: a vida evangélica sobrevive no coração da manipulação do discurso de Deus. O povo evangélico não é levado a constituir-se autonomamente. Não se lhe ensina a crítica - é do diabo! -, a autonomia - é rebeldia! -, a livre-consciência - é liberalismo! Ensina-lhe a repetir as mesmíssimas ladainhas de mil anos, disfarçadas de belos nomes europeus... Gado da era de Aquarius, é bom um povo bem crente, bem crédulo. Num mundo assim, essa gente só ouve a Deus, de modo que profetas e sacerdotes enchem, sob o risco de engasgarem de tão cheia, a boca do nome de Deus. Até quando espirram, é e nome de Deus que espirram.
7. E, todavia, Deus não faz nada... Das uma uma: não há o que fazer, ou não há quem faça...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Eu não gosto de sacerdotes. Isso deve estar claro para todos que me conhecem. Não quero dizer com isso que não gosto de padres ou de pais de santo. Não se trata de apontar para figuras concretas. Até porque pastores são tão sacerdotais - senão mais! - do que padres e pais de santo. Não gosto é da idéia sacerdotal, da atitude sacerdotal, do princípio sacerdotal. Faz-me mal, somaticamente, estar diante de discursos que pretendem, em pleno século XXI, servirem de intermediação entre homens e mulheres, de um lado, e o sagrado, de outro. Não é por outra razão que estudo mais detidamente os séculos VI e V de Jerusalém, ovo sacerdotal por excelência, chocadeira da alma sacerdotal ocidental.
3. O Protestantismo, meus amigos, sejamos honestos, não acabou com o sacerdócio. Dizer que cada um é sacerdote de si, no nível do discurso, sim, implode com qualquer possibilidade sacerdotal. Mas, no Protestantismo, tudo são meras palavras, quase nada é, de fato, levado ao nível das realizações concretas, de modo que, se com a boca proferimos o fim do sacerdócio de uns sobre outros, na prática, vestimos as roupas sacerdotais dos sacerdotes de Jerusalém. A alma pastoral nunca abandonou o delírio sacerdotal. Hoje, agrava-se a patologia...
4. Mas igualmente, e cada vez mais, desgosto dos profetas. Indispõe-me a mania dos "profetas" de plantão pronunciarem-se em nome de Deus. Para mim, isso configura uma fraude, um acinte, um deboche. Talvez por isso tanta gente, aparentemente boa e, a seus próprios olhos, nobre, deteste a crítica bíblica, a fenomenologia, a pesquisa conseqüente, porque, nesses ambientes, ninguém, absolutamente ninguém pode, honestamente, trazer Deus para sua fala. Deus é uma indisponibilidade inexorável onde se reconhece a condição humana. Onde ela é burlada, onde se "brinca" de dizer "Deus", aí só pode funcionar uma agência político-retórica. Ironia: demonizada, a serpente do Éden vinga-se, "baixando" nos cavalos-profetas, a dizer coisas como que ditas por Deus... Deus é facinho... O Deus de 1,99...
5. É muito curioso observar a disputa religiosa no mundo evangélico contemporâneo. É, para todos os fins, uma briga de deuses. Deus fala pela boca dos "maus" e dos "bons". Dedo na cara de um, é Deus falando. Dedo na cara de outro, é Deus falando. Deus - sempre do lado de quem fala, não importa quem. Deus berra desde esse púlpito, desde essa "carta aberta", esse brado profético. Deus berra desde aqueles outros lá - indiferentemente de um e outro berro estarem mutuamente se estapeando. Deus dá na cara de Deus. Deus ficou louco...
6. Por que será que as coisas são assim? Eu arrisco uma análise: a vida evangélica sobrevive no coração da manipulação do discurso de Deus. O povo evangélico não é levado a constituir-se autonomamente. Não se lhe ensina a crítica - é do diabo! -, a autonomia - é rebeldia! -, a livre-consciência - é liberalismo! Ensina-lhe a repetir as mesmíssimas ladainhas de mil anos, disfarçadas de belos nomes europeus... Gado da era de Aquarius, é bom um povo bem crente, bem crédulo. Num mundo assim, essa gente só ouve a Deus, de modo que profetas e sacerdotes enchem, sob o risco de engasgarem de tão cheia, a boca do nome de Deus. Até quando espirram, é e nome de Deus que espirram.
7. E, todavia, Deus não faz nada... Das uma uma: não há o que fazer, ou não há quem faça...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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