sexta-feira, 1 de maio de 2009

(2009/241) Crítica mesmo, Gondim?


1. "Quando tivermos coragem de fazer teologia crítica seremos como a alvorada de uma bela manhã". Fosse eu outra pessoa que não eu, trancreveria em negrito essas palavras, pintá-las-ia de vermelho-sangue e as completaria com uma interjeitiva coonestação: ah-ha! Gondin está do "meu" lado. Mas esse não seria o eu que eu sou. Não estou nem um pouco seguro de a expressão "teologia crítica", em Gondim, significar o mesmo que significa em minha ideologia.

2. Aquelas palavras transcritas constam da página da Ultimato (Fernanda B. Lobato, Mesa-redonda 3: Oportunidade de ser “cura de almas”, UltimatonaPrateleira, 02 de agosto de 2008). Com elas, ter-se-ia encerrado a participação de Gondim na Mesa Redonda patrocinada pela Ultimato. Eu não estava lá. Trato-as nos termos do informe.

3. "Quando tivermos coragem de fazer teologia crítica seremos como a alvorada de uma bela manhã". O que é que isso quer dizer, Gondim? O que você quer dizer com "teologia crítica", Gondim? Uma teologia que tenha feito a crítica de si mesma (e, para todos os fins, isso só é possível por meio do enfrentamento não-negociável, não-escamoteável, não-iludível, não-eludível, com a epistemologia científico-humanista, crítica, emancipada, e não por meio dos próprios axiomas e "valores" da Teologia)? Ou, ao conrário, Gondim, uma teologia auto-considerada "pura", jesuânica e cristológica, próximo-divina, revelada ou cripto-revelada, axiologicamente sã e soberana, a qual, por pura que se considera, pode fazer a crítica do mundo, a crítica dos valores, a crítica da relações, ser, então, o que a teologia tem pretendido ser desde que nasceu na cabeça do primeiro teólogo, alguma coisa entre alucinação e neurose do tempo, que, com o tempo, transforma-se em racionalização?

4. É muito curioso que cada geração, manejando ela mesma aquela mesma teologia manejada pelas gerações anteriores, considere que ela, sim, seja capaz de produzir aquilo que as anteriores, por culpa sua, não produziram, exceto aquela geração mítica das origens, isto é, aquilo que eventualmente seria uma teologia crítica. Para cada geração, a História da Igreja e a História da Teologia revelariam como as gerações passadas não foram capazes de fazer a teologia crítica, a encarnação pura do olhar de Deus sobre o mundo, o juízo inequívoco de uma consciência imediata da verdade e do bem, ao passo que ela, a geração contemporânea da teologia, a geração "atual", a geração do teólogo que se deslumbra, essa, sim, pode, ela, sim, é capaz. É curioso como essas gerações de teólogos sempre contemporâneos não consiga ver que o problema não é conjuntural, é estrutural - a teologia jamais será outra coisa que não uma patologia epistemológica, uma impressão intuitiva da consciência humana de que não apenas haveria um Deus, mas de que se pode ouvi-lo, impressão intuitiva essa transformada, por gesto político, patologicamente epistemolóigico, em "convicção", uma disfunção cognitiva de ouvir-se a si mesma como se fora um Deus a falar - porque, se há Deus, não se pode, decerto, saber, quanto menos ouvi-lo. Uma teologia-neurose dessas, ingênua ou de má-fé, não importa, como há de ser crítica, como há de ser lúcida, como há de salvar alguém? Ao contrário de ser potencialmente terapêutica, a teologia é concretamente um estado de patologia epistemológica, e seu mais alto grau patológico é considerar-se sã. E não se trata apenas de o problema residir no discurso teológico - essa mesma patologia epistemológico-teológica encarnou na forma de um "estado teológico", que até a União Soviética igualmente experimentou.

5. É como se os antepassados não tivessem sabido amar. O que eles fizeram de errado, os pecados cometidos, perpetraram-nos porque não haviam aprendido a fazer teologia crítica: eles não foram suficientemente bons e eficientes! Ah, meu Deus! E, quanto a eles, eis que diziam o mesmo de seus predecessores. E, contudo, a cada geração, a teologia só faz fazer mais e mais vítimas. No atacado (a política de Estado) e no varejo (a política do mini-Estado eclesiástico, seja católico, seja protestante-evangélico), a teologia jamais foi e jamais será crítica, enquanto tiver pruridos divinos em cima e embaixo, enquanto achar que a cura da alma se dá por meios de enganar-se a si mesma e enganar a todo mundo.

6. Resta a esperança, minha, de que a teologia deixe-se passar pela crítica. Ah, Gondim, perderá ela tudo quanto ela, falsamente, considera imorredouro. Ela, a teologia, se se fizer crítica, antes de fazer crítica a outras plataformas, perderá Deus, perderá a revelação, perderá a norma, perderá a força, perderá o poder - perderá até o Cristo, Gondim. Quando ela olhar nas mãos, verá, apenas, mitos - aqueles mesmos que Bultmann disse que tinha que jogar fora, disse ter jogado fora, e, quando você olha para as mãos dele, lá estão todos os mitos alegadamente jogados fora - é que ele fez que jogou... A teologia é assim, ela finge o tempo todo, ela faz-de-conta... ela depende de que a gente acredite nela, quer dizer, neles...

7. Que seja. Cura d'almas a prescrever self deception... Eu compreendo. Não é fácil prescrever o bom remédio na situação de de ser cura d'almas. É mais ou menos como a condição das grandes indústrias farmacêuticas. Depois de tantos bilhões investidos, há que se fazer muita propaganda, e, a despeito de advertências legais, desenvolver no povo o bom hábito de tomar remédios. Só assim os investimentos hão de ter compensado.

8. Quanto a mim, espero pelo dia não em que uma teologia "pura" faça a crítica "pura" ao mundo. Tolice. Espero é o dia em que a teologia reconheça que é mundo, que é humana, demasiado humana. Aí, então, veremos se acharás mesmo bela essa alvorada.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

PS1. texto ligeiramente corrigido em 02/05/2009.

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