1. A poesia encanta. As artes, em geral, também. Pois são expressão daquilo que nós, os seres humanos, talvez até por instinto predatório, temos de mais comum: a simbolização. Há até quem diga que os animais também simbolizam, que árvores têm código de linguagem e se comunicam. Mas é aos humanos, claro por conta de sua posição de manejadores do discurso, que cabe par excellence a função simbolizadora. Isso o ressalta muito bem Abner Cohen em seu livro O Homem Bidimensional.
2. Vou tentando encontrar as palavras para reatar o diálogo neste blog. Andei ausente. Eu sei. Até de como se faz para postar eu esqueci. O Osvaldo continuou. Trabalhou arduamente, voluptuosamente, compulsivamente. Jimmy, em seu igual silêncio, me pergunta por que eu não respondo.
3. Mitos encantam. Narrativas bíblicas também encantam. Construções de sistemas teológicos também encantam. Encantam porque são construções simbólicas que podem outorgar sentido. Vestem a nudez da realidade experimentada. Dão cor quando a vida é experimentada como cinza. Há que se viver com a longa duração desses simbolismos!
4. Teologia e mitologia. Melhor dizer: teologia é mitologia. Porque classicamente o é, o foi e ainda continua a ser. É mitologia na dupla acepção do termo: enquanto conjunto de narrativas encantadoras e enquanto esforço reflexivo sobre esse patrimônio narrativo, cultural e simbólico. Aquilo que os etnólogos ou antropólogos detectam nos povos longínquos ou primitivos nós também fazemos, em casa, perto, em nossas igrejas e nas casas de formação chamadas academias. Fazemo-lo, contudo, sob o nome de teologia. Sob esse nome comungamos também da desqualificação, da marginalização no espaço acadêmico.
5. As narrativas teológicas encantam. Encantam como as poesias e as artes em geral. Encantam como os mitos. Nisso não são diferentes. Há proximidade como que de irmãs de uma mesma nascença. A diferença talvez esteja em que a teologia goza de um estatuto de poder mais elaborado. Enquanto somente ‘teologia cristã’, esteve aninhada nas tessituras do poder ocidental. A mitologia dos povos não. Essa foi marginalizada junto com a palavra do outro, do diferente, do que foi é considerado primitivo ou inferior.
6. As narrativas teológicas assim como os mitos têm seus construtores. Mitos têm mitólogos. Teologia tem teólogos. Ambos simbolizam. Trabalham com material simbólico. Elaboram idéias, criam representações, organizam imaginários. E, na medida do alcance de seu poder de intervenção, criam as ligações entre as gerações e para além delas. Orientam a condução e as trocas. As idéias se tornam expressões de poder, que movimentam corpos e mentes. Assim é em sociedades em que os mitos são realidades vivas. Assim é em sociedade, nas quais a teologia é realidade viva, compartilhada na fé, na religiosidade, nas gestualidades rituais.
7. Os mitólogos sabem que seus mitos são representações. A comunidade nem sempre o sabe, porque não é interessante que o saiba. A força da tradição cria o pleno comungar do mesmo imaginário. Os teólogos também o deveriam saber que são fabricantes de representações. A tradição crítico-reflexiva impõe um desafio a mais: refletir sobre seu próprio fazer. Isso é a demanda para a teologia na academia enquanto ciência cidadã: caminhar ombro a ombro com as demais. Mas também sem ilusões: cada uma das ciências têm seus jogos de poder, têm seu magos que encantam sem mostrar os ingredientes e o modo de preparo, ainda que isso seja exigência da ciência experimental.
8. Teologia deve dar-se conta de ser também uma forma de mitologia. Isso é sua tarefa própria no mundo acadêmico. Deve refletir sobre o patrimônio cultural, religioso, poético, artístico fabricado e arquitetado. Deve desvendar os meandros. Expor os estratagemas. Revelar a nudez e a impotência na origem das palavras. Como bem o afirma, reiteradamente, meu amigo Osvaldo: teologia deve se fazer heurística. Ela precisa se dar conta das novas demandas no universo acadêmico. Mas deve fazê-lo enquanto ela mesma. Claro, com a ajuda das outras ciências. Afinal, bem já o dizia Martin Buber, que o ‘tu’ é o revelador e o formador do ‘eu’. Mas não precisa evoluir para ser outra coisa. No processo de consciência de si mesma, a teologia será outra, continuando a ser ela. Do contrário teriam razão os antropólogos do século XIX que diziam que mito é pré-lógico, que é pré-hermenêutico. Que as pessoas que dele comungam, para ser, teriam ser outra coisa.
9. Mesmo pós-metafísica, a teologia será atividade simbolizadora. Continuará a construir a rede de palavras que projetam sentidos, a lançá-la e a enredar os que se deixam enredar. Porque o material humano, ainda que pós-moderno, essencialmente continua o mesmo. Talvez o poder do que lança a rede não será mais o mesmo. Não terá a mesma pujança. Mas poder se metamorfoseia. Ramifica-se microfisicamente. Cria nova teia. Talvez disso não se consiga escapar. Ainda que desviantes, permanece a ligação. E estaremos, mesmo nos câmbios profundos da ciência teológica, enredados na teia de novas palavras.
HAROLDO REIMER
2. Vou tentando encontrar as palavras para reatar o diálogo neste blog. Andei ausente. Eu sei. Até de como se faz para postar eu esqueci. O Osvaldo continuou. Trabalhou arduamente, voluptuosamente, compulsivamente. Jimmy, em seu igual silêncio, me pergunta por que eu não respondo.
3. Mitos encantam. Narrativas bíblicas também encantam. Construções de sistemas teológicos também encantam. Encantam porque são construções simbólicas que podem outorgar sentido. Vestem a nudez da realidade experimentada. Dão cor quando a vida é experimentada como cinza. Há que se viver com a longa duração desses simbolismos!
4. Teologia e mitologia. Melhor dizer: teologia é mitologia. Porque classicamente o é, o foi e ainda continua a ser. É mitologia na dupla acepção do termo: enquanto conjunto de narrativas encantadoras e enquanto esforço reflexivo sobre esse patrimônio narrativo, cultural e simbólico. Aquilo que os etnólogos ou antropólogos detectam nos povos longínquos ou primitivos nós também fazemos, em casa, perto, em nossas igrejas e nas casas de formação chamadas academias. Fazemo-lo, contudo, sob o nome de teologia. Sob esse nome comungamos também da desqualificação, da marginalização no espaço acadêmico.
5. As narrativas teológicas encantam. Encantam como as poesias e as artes em geral. Encantam como os mitos. Nisso não são diferentes. Há proximidade como que de irmãs de uma mesma nascença. A diferença talvez esteja em que a teologia goza de um estatuto de poder mais elaborado. Enquanto somente ‘teologia cristã’, esteve aninhada nas tessituras do poder ocidental. A mitologia dos povos não. Essa foi marginalizada junto com a palavra do outro, do diferente, do que foi é considerado primitivo ou inferior.
6. As narrativas teológicas assim como os mitos têm seus construtores. Mitos têm mitólogos. Teologia tem teólogos. Ambos simbolizam. Trabalham com material simbólico. Elaboram idéias, criam representações, organizam imaginários. E, na medida do alcance de seu poder de intervenção, criam as ligações entre as gerações e para além delas. Orientam a condução e as trocas. As idéias se tornam expressões de poder, que movimentam corpos e mentes. Assim é em sociedades em que os mitos são realidades vivas. Assim é em sociedade, nas quais a teologia é realidade viva, compartilhada na fé, na religiosidade, nas gestualidades rituais.
7. Os mitólogos sabem que seus mitos são representações. A comunidade nem sempre o sabe, porque não é interessante que o saiba. A força da tradição cria o pleno comungar do mesmo imaginário. Os teólogos também o deveriam saber que são fabricantes de representações. A tradição crítico-reflexiva impõe um desafio a mais: refletir sobre seu próprio fazer. Isso é a demanda para a teologia na academia enquanto ciência cidadã: caminhar ombro a ombro com as demais. Mas também sem ilusões: cada uma das ciências têm seus jogos de poder, têm seu magos que encantam sem mostrar os ingredientes e o modo de preparo, ainda que isso seja exigência da ciência experimental.
8. Teologia deve dar-se conta de ser também uma forma de mitologia. Isso é sua tarefa própria no mundo acadêmico. Deve refletir sobre o patrimônio cultural, religioso, poético, artístico fabricado e arquitetado. Deve desvendar os meandros. Expor os estratagemas. Revelar a nudez e a impotência na origem das palavras. Como bem o afirma, reiteradamente, meu amigo Osvaldo: teologia deve se fazer heurística. Ela precisa se dar conta das novas demandas no universo acadêmico. Mas deve fazê-lo enquanto ela mesma. Claro, com a ajuda das outras ciências. Afinal, bem já o dizia Martin Buber, que o ‘tu’ é o revelador e o formador do ‘eu’. Mas não precisa evoluir para ser outra coisa. No processo de consciência de si mesma, a teologia será outra, continuando a ser ela. Do contrário teriam razão os antropólogos do século XIX que diziam que mito é pré-lógico, que é pré-hermenêutico. Que as pessoas que dele comungam, para ser, teriam ser outra coisa.
9. Mesmo pós-metafísica, a teologia será atividade simbolizadora. Continuará a construir a rede de palavras que projetam sentidos, a lançá-la e a enredar os que se deixam enredar. Porque o material humano, ainda que pós-moderno, essencialmente continua o mesmo. Talvez o poder do que lança a rede não será mais o mesmo. Não terá a mesma pujança. Mas poder se metamorfoseia. Ramifica-se microfisicamente. Cria nova teia. Talvez disso não se consiga escapar. Ainda que desviantes, permanece a ligação. E estaremos, mesmo nos câmbios profundos da ciência teológica, enredados na teia de novas palavras.
HAROLDO REIMER
Um comentário:
Haroldo...texto bacana
vc escreve leve....escreve fácil.....me lembra a leveza e a profundidade do toque do Tom Jobim ao piano.
Abçs
Joe
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