segunda-feira, 10 de novembro de 2008

(2008/32) Três pronunciamentos sobre Teologia no MEC


1. Na semana passada (03 a 07/11), ministrei um curso de uma semana no CETEBES de Vitória/Vila Velha (ES), para a pós-graduação em Teologia (ainda livre), que chamei "Teologia versus MEC: conseqüências da oficialização da Teologia para o Ministério Pastoral". Como roteiro, analisamos os três artigos publicados pela Estudos Teológicos, da EST, artigos de von Sinner, Zabatiero e Ênio Muller, a respeito do estatuto teórico da Teologia. Quanto aos artigos, minha posição, crítica e discordante encontra-se em minha página de trabalho, e pode ser consultada aqui.

2. Gostaria de transcrever, aqui, breves trechos da Comunicação (trabalho do final de Curso) de três alunos. Penso que, se não se deixaram influenciar por minha presença (minha barba "doutoral" causará algum encantamento psicológico?, religioso?, teológico?, como Platão recomendava ao discurso do gestor da Cidade Bela?), os três produziram peças muito interessantes, que caminham na contra-mão dos artigos-base do curso. Ei-los a seguir, citados por expressa autorização de todos os autores.

3. De Gabriel de Souza Cardoso, extraio dois parágrafos irretocáveis:

3.1. "(...) A conseqüência inevitável da teologia acadêmica é a mudança ou corte nos paradigmas epistemológicos, ou seja, sai o estudo do 'Deus' que fala aos homens e entra o estudo do 'Deus' sobre o qual falam os homens, com todas as implicações decorrentes dessa mudança, sobretudo em face da formação profissional dessa novel disciplina.

3.2. (...) A Teologia como expressão humana não-confessional e só como tal deve e precisa ocupar o seu lugar na academia, e a partir de sua releitura como ciência humana, tendo tradições religiosas apenas como cultura, emprestar sua contribuição na pacificação da vida social, sobretudo na busca sempre angustiante da compreensão da vida humana" (Teologia Acadêmica e Ministério Pastoral, 07/11/2008).

4. Obrigado, Gabriel, por essa formulação simples, objetiva e direta, sem rodeios nem tergiversações, corajosa e consciente. Ainda que você tenha se furtado a definir teologia, declarando-nos que omnis definitio periculosa est, uma claríssima definição de teologia como ciência humana permeia seus dois excelentes parágrafos. Muito obrigado.

5. De Fábio Oliveira Torres, extraio o seguinte parágrafo:

5.1 "(...) Uma vez que a teologia já se encontra inserida na academia, esta precisa se portar com maturidade. Os que fazem teologia precisam ser sensatos em seus discursos, apresentando apontamentos bem fundamentados, livres de confessionalidades religiosas e suibmetidos aos critérios de validação da ciência" (Comunicação, 07/11/2008).

6. O parágrafo de Fábio é incisivo - "livres de confessionalidades" e "submetidos aos critérios de validação da ciência" são postulados que não permitem tangenciamentos retóricos, acordos de gaveta. A Teologia, na academia, deve transformar-se em "ciência", e a condição está posta pela Comunicação. Obrigado, Fábio, tanto mais pelo fato de sua condição pessoal de "pastor evangélico" tornar significativa essa sua declaração. Foi coragem sua. Obrigado.

7. Por último, mas nem por isso menos importante, a Comunicação de Alessandra Helena Ferreira. Dela, extraio excertos, incrustados no núcleo de seu texto.

7.1 "(...) O estado atual do problema da Teologia aponta para uma convergência mínima com as disciplinas que existiam previamente ao debate. Esta convergência se daria em torno da retomada de questões de cunho teórico a respeito das medições e da interdiscursividade inerentes ao trâmite das interpretações de mundo através da cadeia de discursos que constituem as formações sociais.

7.2 Dada a informação, pensa-se que o currículo da Teologia deve ser amplo, com uma visão social, possuir uma identidade (...) comprometida com a análise crítica, retirando assim, o caráter confessional do modelo atual. Característica que compromete a cientificidade destes estudos" (Dualidade: Teologia e o Exercício Pastoral, 07/11/2008). Obrigado, Alessandra. Bom encontro esse nosso - quem sabe não frutifica?

8. Saio satisfeito do Curso. Vi, ali, uma esperança de "sanidade" - o termo é interpretativo, claro, e o que a uns parece sanidade, a outros, patologia, e vice-versa. É retórico, logo, dispensável. Os psicólogos expliquem a sua manutenção, contudo. Sanidade. A questão, à superfície, é muito, muito, muito simples. Constrangedoramente simples: teologia é mito - e pronto. É como a Química, que sabe ser herdeira da metalurgia iniciática da Idade do Cobre, do Bronze e do Ferro, que, no transcurso da História, converteu-se em Alquimia, desde a China "pagã" até a Roma "cristã", e, que, há cerca de três séculos, iniciou o processo de auto-conversão em Química - "ciência dura", duríssima. Teologia é mito, então, e, nesse caso, em que se deveria tornar? Fenomenologia? Lingüística? Psicologia? História? Sociologia? Neurociência?

9. A Transformação da Teologia (parafraseio, aqui, o título dos dois volumes de Karl-Otto Apel, Transformação da Filosofia - e no mesmo sentido, com o mesmo intento) ainda não sabe, exatamente, em que a Teologia há de se tornar quando reconhecer que o tempo mitológico e medieval se foi. Talvez, como eu penso, a Teologia converter-se-á, como quer a Alessandra, em uma multi-disciplina, e que eu chamo de "câmara transdisciplinar". Talvez a Teologia converta-se numa convergência transdisciplinar de enfoques que, dado constituirem-se, necessariamente, pelo viés do recorte aplicado ao todo, tendem a, por isso, perder a contemplação do todo. Nesse caso, a Teologia, mantendo-se rigorosamente no mesmo nível teórico-metodológico e epistemológico das disciplinas-base, empreenderia esforços no sentido de uma compreensão articulada de fenômenos (trans)disciplinariamente investigados: daí o conceito de "câmara".

10. O futuro dirá. Seja como for, retornar de Vitória com o motor de meu carro muito provavelmente "batido" é um transtorno gigantesco. Essas Comunicações, de Alessandra, Fábio e Gabriel, enchem-me de esperança. Uma teologia academicamente cidadã, sem privilégios epistemológicos, políticos ou retóricos, eis pelo que labuto hoje. Motores batidos, trocam-se ou consertam-se, a um certo preço. Futuros apenas se constroem. E cobram também o seu.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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