segunda-feira, 10 de novembro de 2008

(2008/34) Da Metalurgia Iniciática, da Alquimia e da Química


1. Meu amigo voltou! Haroldo voltou! O prazer de ler seu post (2008/33) quase - apenas quase - supera o desagrado de sua ausência tão longa. Mas que importa o passado, agora? O que vale é que saiu de seu letargo - certamente um letargo de duros trabalhos em outras frentes. Mas, convenhamos, se o silêncio já me oprime as caixas toráxica e craniana, de modo que vomito noologias como quem transpira, quanto mais a fala, de modo que já cá me sobem, desde o inconsciente (que Rubem Alves quer-me fazer crer não ser "eu", já que afirma, em Filosofia da Ciência, que, sendo as intuições dos cientistas, intuições inconscientes, já não são, portanto, científicas, posto que não dos cientistas - a que não se recorre na defesa de uma "tese"!), uma convulsão de reações. Ao amigo Haroldo, por e-mail, disse-as "de bicho", quero dizer, as reações, porque automáticas, reações "impensadas". Nada de "etiquetas" aqui, como aquelas do capítulo em que Simian-Yofre discute Habermas (cf. "Anacronia", em Metodologia do Antigo Testamento), o que resulta em não se poder seguir nem um nem outro - melhor fora Yofre dizer o que devia ter dito, e pronto. Melhor ser bicho - e "reagir". Deixemos a etiqueta aos sociáveis por imposição de etiquetas.

2. Uma resposta a um aspecto de seu belo texto, Haroldo, me vem à mente (mora um bando de ogros dentro de minha cabeça, eu acho). Ela pode, de algum modo, ser verificada no excelente livrinho do Mircea Eliade, Ferreiros e Alquimistas, e, de resto, em qualquer boa "História da Química". Há milênios, o que virá a ser, muito, muito tempo depois, a Química, era, então, apenas "Metalurgia Iniciática" - mais rito e mitologia do que qualquer outra coisa. E, contudo, o que se queria, e conseguia, era "manipular" a terra, queimá-la no fogo sagrado, purificá-la, e dela fazer metal, para o bem e para o mal. Mitos e ritos estão relacionados àquela metalurgia, que você e eu conhecemos de perto, dada Nehushtan, a serpente, que nos uniu para sempre, naquele Mestrado. Quem diria que os serafins eram hipóstases de Nehushtan, a serpente de bronze? Eu disse, tu aceitou ser plausível, e lá fomos nós a desencavar a história dos harashim - falei-te que tornei-me amigo íntimo deles?

3. Séculos e séculos dessa metalurgia, e, lentamente, como o fogo das manhãs amenas, ela abstrai seus próprios mitos de útero e de obstetrícia. Por caminhos insuspeitáveis antes de se estenderem futuro adentro, mas facilmente perceptíveis depois do fato, aquela metalurgia iniciática converte-se em Alquimia. Num sentido, é a mesma coisa. Noutro, alguma coisa totalmente diferente. O que muda? O mito de fundo, a meta-narrativa mítica que dá corpo ao conjunto de práticas. Mas há, já aí, uma dimensão diferente entre metalurgia antiga e alquimia - a auto-compreensão, e, desde aí, as rotinas epistemológicas, por assim dizer, que (por isso Vattimo, Rorty, Habermas [e a fileira que os segue] detestam epistemologia?) são definidoras de práticas internamente coerentes, subsistemicamente compatíveis.

4. Não demorou tanto tempo quanto aquele transcorrido entre a metalurgia e sua "filha", a alquimia, e esta pariu: surgiu a Química. Como antes, a mesma coisa, mas que coisa tão diferente! Primeiro, porque, no nível do mito, pretende acelerar o processo pressuposto nas duas fases anteriores, ao ponto de não precisar mais apenas ajudar a Mãe a gerar mais rápido os filhos, que digo?, os metais, no útero, que digo de novo?, na terra, mas, já agora, de os fabricar em "úteros" (cadinhos!) mais eficientes, mais rápidos, "melhores". Depois - e esse é o ponto mais importante, porque a Química torna-se uma heurística, independente do próprio mito que, há milênios, começou o lento processo de geração da ciência. A imagem da adolescente rebelde me vem à mente. Aceita-la?

5. Você já vê onde quero chegar, Haroldo? Já vê o ponto em que me enfio em seu texto, para, desde lá, voltar com minha - primeira - reação? Pois então. Não há, ainda, uma Teologia que esteja no estado da Química. A Teologia ainda está no estado da Alquimia - algumas, sequer chegaram aí, e ainda estão a meter a mão na terra, a soprar o fogo, enquanto invocam os deuses. O que postulo, o que desejo, pelo que trabalho, é uma Teologia que, em sua caminhada, seja o equivalente da Química em sua própria jornada. Há isso? Não. Aliás, se depender dos teólogos, talvez nunca haja. Mas, contudo, creio na ecologia das ações, como a define Morin - não controlamos o resultado de nossas ações, de modo que, ainda que a multidão dos teólogos tenha status quo a manter, ainda assim a Teologia pode chegar a sair do controle confessional. Talvez um demônio qualquer cometa a travessura... Mais que isso - talvez já a tenha cometido!

6. Nisso, quero dizer, na necessidade que vejo de a Teologia sair da Idade Média, sair do Templo de Jerualém, sair de Roma e de Wittenberg, um excelente paralelo, ainda que em outro nível, encontro no instigante título que Karl-Otto Apel deu para sua obra-prima: Transformação da Filosofia. Ora, eu postulo uma Transformação da Teologia, e, para usar um termo tão caro a nós, teólogos, uma "conversão", uma conversão da Teologia à regra das Ciências Humanas. Eis aí uma boa idéia: uma classe de catecúmenos para a Teologia - vamos ver se ela gosta disso que inflige aos seus.

7. Você concorda comigo - ou eu com você - em que a Teologia é mito. Mas eu gostaria de insistir que essa classificação é circunstancial. Ela é mito enquanto é o que é, e, enquanto o for, o será. Mas a Teologia que postulo pretende deixar de ser - pretende tornar-se discurso heurístico sobre determinado aspecto do "real" e, nesse sentido, tão mítico quanto a Física, a História e a Fonoaudiologia. Habermas, eventualmente, dirá que tudo isso é a mesma coisa que uma canção ou uma lei do Congresso. Para Habermas, tudo é racionalidade - logo, nada é racionalidade: logo, tudo é a mesma coisa. Não dou um passo nessa direção. Para mim, heurística não é estética nem é política - é investigação da realidade, com todas as questões de fundo, de caráter epistemológico, que você sabe que sei e considero.

8. Nesse sentido, é salutar alertar-nos para a Microfísica do Poder, sim. Sempre é bom. Mas não é pelo fato de que tudo quanto em que o Homem ponha a mão corre o risco de ver-se contaminado pela guerra fraticida da política predatória que todos os objetos em que pomos a mão são a mesma coisa. A Nova Teologia, se surgir - tenho dúvidas se verei o messias ainda em vida -, estará sujeita à política humana (que nada tem de heurística, mas a heurística sabe bem explicá-la: basta ler A Humanidade da Humanidade, de Morin, ou Para Sair do Século XX, do mesmo gênio, e Ética, se ainda quiser seguir o bruxo francês), mas ela não será, mais "política", como o é a atual. O que o demonstra a força que se fez, faz e fará, ainda, para evitar transformar-se, converter-se. Porque, para a Teologia, ao contrário do que ela prega - e diz ser evangélica a regra (para os outros!) -, não convém que ela padeça do "bem" que inflige aos outros: conversão.

9. Sim, tu dizes: Teologia é mito. Bem dito. Pois arremato: chegou então a hora de deixar de sê-lo.

PS. não tardes a responder, amigo - para ouvir-te te instigo!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Joe Black (Joevan Caitano) disse...

Osvaldo! muito bom texto sobre Metalurgia, alquimia, química. Bacana.
Tu citou 4 autores muito feras: MIRCEIA ELIADE, FOUCAULT, KARL OTTO APEL und Foucault (Sind sehr Wunderbar).
Danke

abçs
Joe

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