1. Ah, sim, os ventos do 19 sopraram na minha cara. Ventos gelados da caverna escura e romântica. Ogros vorazes - como o de Bloch! - bateram-me na cabeça com antigas clavas. Comeram-me a carne. Roeram-me os ossos. Lambem os beiços, agora. Chupam os dedos. Fazem a digestão.
2. Não, não é para qualquer um gostar que lhe soprem os ventos na cara. Dói. Corta. Fere. Sem cura. Na cabeça, a clava deixa uma ferida exposta. Incurável. E o hálito desses monstros, meu Deus!
3. Foi mesmo a clava daqueles ogros que matou Deus. Metodologicamente! Acharam-no dentro de nós. É como quem vê uma coisa, coça o olho, e ela some. Mas ele, o olho, não. Não sei quanto a mais ninguém - eu, de minha parte, rio, com aquele riso de quem se ri de matar a charada, ainda que tenha sido outro o assassino. Século de coçadores de olhos, o 19 constrói-se como peças de uma engrenagem - um dizendo a partir do outro, para além do outro, com e contra o outro, escaladores de zigurate, de modo que, no fim, a velha vida não é mais possível. Não, não é. Depois de Kant, Schopenhauer, Feuerbach, Marx, Nietzsche, Freud, oftalmologistas, a velha vida não é mais possível. A velha teologia. Os velhos sonhos. Ah, e como gosto disso!
4. Uma nova? Sim! Humana, demasiado humana. Emancipada. Crudelíssima. De modo que ela há de perguntar-se, até, incoveniente que é essa insofismável Nova Senhora Teologia, que "crer" o que é? Não há de se contentar nem com a câmara escura e segura do "crer" - até aí ela vai meter a mão, como ogro a catar ratos no buraco, e há de espremer a gente, até sangrar, até ouvirem-se os craques dos ossos quebrando. Isso de "crer", o que é isso?
5. Também (em havendo) o "crer" na "nova teologia", também esse "crer" não será, não mais, como o antigo. Não será (mais) "saber". Não será, menos ainda, um "outro tipo" de saber, acima dos saberes emancipados das ciências, um quarto escuro de recalques infantis ignorados, muito menos, um gueto retórico de metáforas politicamente calculadas. Ah, e por favor, tampouco metáforas!
6. Para uma nova teologia, um novo crer - que sabe o que é, e não se ilude, não se esconde, não tem medo de confessar-se sonho e imaginação, quimera e fantasia. Uma nova fé, Morin, que nos pediste, para fazer par com teu novo ateísmo, e dançar com ele a valsa do desconhecido e desejado.
7. Não sei quanto aos meus amigos. Quanto a mim, quero uma nova teologia, cheirando a barro - mas verdadeiramente, honestamente, sinceramente, iniludivelmente, ineludivelmente, cheirando a barro. Uma teologia orgânica. Mais do que teologia como ciência humana, uma teologia como ciência cognitiva, identificado que seja seu DNA nas minhas tripas, no meu fígado, na minha próstata.
8. Ah, meu amigo Nietzsche, tu que sabias que a consciência humana era - ainda é - a última etapa do desenvolvimento orgânico do Homo. Sim, sim, meu amigo - e a pérola de dois mil anos dessa história, também ela, não, meu amigo?, é sangue e mitocôndria.
9. Mas alto lá! Que não seja como o profeta que morre exatamente agora que viu o messias, nem como os filmes que acabam no momento que a felicidade finalmente triunfa sobre hora e meia de tristes desencontros. Imploro-te, vida, permite que meus olhos vejam florescer esse jardim, que a minha boca beije ainda mais mil de mil vezes a de Bel. Dê-me cem anos. E, então, se quiseres, me leves. Antes, não.
10. Agora, vai, sopra.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Olá Jimmy, Osvaldo e Haroldo. Achei muito bacana (inclusive "prazeroso" como o velho Baco poderia sugerir)a iniciativa de vocês, um blog a muitas e boas mãos é fantástico. Certamente me tornarei um visitante frequente (um quase de casa) e sempre que possível um comentarista.
Adorei a iniciativa,
Alessandro.
Postar um comentário