Não há mais como eu pensar com a cabeça de uma pessoa religiosa. O tempo para isso se foi, e dificilmente voltará. Mas ainda posso refletir sobre como um religioso pensa. No caso do Budismo, sempre pensei que se tratasse de uma fuga, e minha própria fuga da proposta Budista era fugir dela, dizendo para mim mesmo que é verdade que desapegar-se ou não se apegar a nada e coisa nenhuma é a melhor saída para o sofrimento, mas ao preço de não ter, ao mesmo tempo, qualquer alegria. O preço da dor é o sorriso. Logo, como eu queria sorrir, assumia a dor, e entre as muitas dores, a dor da perda...
Todavia, acho que ainda ouvia o Budismo com ouvidos muito religiosos. Hoje, submetemos nosso cão mais novo, sete anos, Minduim, tomado pela desgraçada cinomose, à eutanásia. É uma dor imensa fazê-lo. E, no meio da dor, acho que tive uma intuição: a vida é um experimento desgraçadamente maquiavélico, que opera com substâncias químicas que nos fazem apegar a coisas e a seres, de tal forma que, quando os perdemos, sofremos desgraçadamente... Não há alternativa, porque não é uma decisão nossa: substâncias químicas ativam o apego, o desejo, a libido, e nos vemos arrastados por elas...
O Budismo, pois, me aparece agora como uma ação de enfrentamento da vida: negação de seu poder. O desapego à vida é, sobretudo, a sua máxima afirmação: Vida, maldita!, digo não a seu imperativo, digo não ao seu apego compulsório... Vida, recuso-me apegar-me a tudo e a qualquer coisa, e viverei como que morto...
Não sei se o budista sabe que está agindo assim. Talvez ele pense que se trata apenas de um remédio: contra a dor do apego, o desapego. Mas assumir, contra a vida, o desapego, é sobretudo assumir-se como ser de vontade, e decidir-se pelo desapego. É vencer a vida...
Há um caminho mais rápido: o suicídio. Mas talvez falte coragem ao budista...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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