sábado, 23 de março de 2013

(2013/319) Coisas que sei que acho que sei e coisas que sei que não sei


1. Há coisas que eu sei que considero saber alguma coisa sobre elas - e o que eu acho que sei, por isso lutaria num debate, até ser convencido de estar errado. Não vem ao caso aqui que coisas seriam essas.

2. Há, todavia, coisas que eu sei que não sei. Tenho alguma ideia vaga, algumas hipóteses, mas não arriscaria um braço com elas.

3. Direi algumas.

4. Não sei por que o texto que inaugura a Bíblia Hebraica não usa o nome sagrado - Yahweh. Por que o escritor ou os escritores usaram 'elohim e não Yahweh? No texto seguinte, Gn 2,4b em diante, pasasse a usar Yahweh, ainda que em relação ao nome anterior: Yahweh-'elohim. 

5. A maior parte dos pesquisadores aposta que Gn 2,4b-3,24 tenha sido composto antes de Gn 1,1-2,4a, mas eu aposto que não: Gn 1 é anterior a Gn 2-3, ainda que, arrisco dizer, menos de um século de distância. Assim, a presença de Yahweh em Gn 2,4b-3,24 constitui um "acréscimo" de costume em relação a Gn 1,1-2,4a. Não estou postulando a hipótese de que Gn 2,4b-3,24 tenha sido escrito sem Yahweh e que alguém acrescentou Yahweh - não. Estou dizendo que escreveu-se o primeiro texto, Gn 1,1-2,4a, sem Yahweh e, quando se foi escrever, 50 ou 70 anos depois, Gn 2,4b-3,24, já se incluiu Yahweh na redação. Pois bem, não sei por que um texto tão relevante foi escrito sem Yahweh. Houve algum projeto de não tomar Yahweh como Deus nacional?

6. Outra coisa que não sei: como os judeus se tornaram monoteístas. Ainda não entendi o processo. Entendo que houve um processo mais ou menos assim: a) os "judeus" mais antigos eram politeístas e não eram adoradores de Yahweh, b) em determinado momento, certamente antes do século X, Yahweh foi introduzido no culto politeísta judeu; c) em algum momento, na virada do século VI para o V ou no início do V, eu apostaria, Judá se torna henoteísta - não monoteísta. No henoteísmo, crê-se que há vários deuses, mas se adora apenas um, o Deus nacional. Esse momento henoteísta, para mim, coincide com Gn 2.4b-3,24. Todavia, não sei dizer o que levou Judá a tornar-se henoteísta. Teria sido o fato de os sacerdotes javistas terem ganhado de bandeja o poder, garantido pela Pérsia?

7. Mais uma coisa que não sei é: se há tanto texto crítico na Bíblia Hebraica - os dois mais severos que conheço, contra o Templo, são Ex 33,18-23 e Is,4,2-6 -, e se o poder final é sacerdotal, como os textos críticos foram incorporados ao bloco final das Escrituras? Naturalmente que eu tenho hipóteses, e apostaria na leitura já midráshica e neutralizadora da crítica que se aplicou a esses textos. Mas é um palpite. Não posso dizer que saiba que foi assim...

8. Há quem me ache arrogante. Mas não sou. Reflito muito sobre essas questões e repasso constantemente cada item de meu invetário. As coisas que julgo saber, por elas lutarei até estar convencido de ter laborado em erro - por que deveria a priori pensar que eu estou errado e alguém certo, se eu já me critiquei nesse ponto mais do que alguém poderia fazer? Se, todavia, alguém me mostra uma falha em minhas informações e/ou em meu raciocínio, tenho todo interesse de corrigir meu erro...

9. Quanto a essas coisas que não sei, que sei que não sei, ora, eu sei que não sei e sei porque eu não sei: são coisas difíceis. Para alguém ter as resposta, não precisa ser mais inteligente do que eu: tem de ter mais informações. E, quando converso com alguém que julga saber as respostas para essas coisas que eu sei que eu não sei, ela não tem mais informações. Só usa as mesmas informações que eu tenho e que são insuficientes para uma determinação mais contundente de hipótese. Logo, não adianta dizer que sabe. Não me impressiono com discursos de ninguém. Impressiono-me com informações - invejo quem as detém... 

10. Assim, vamos continuar a estudar, a ler, a pesquisar. Quem sabe não tropecemos em alguma informação perdida? Ou quem sabe alguém não acabe nos mostrando que elas já estavam aqui - nós é que não as tínhamos percebido?




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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