sexta-feira, 22 de março de 2013

(2013/318) Não entenderam nada, mas anotaram tudo direitinho - sobre a "memória" dos ditos de Jesus nos Evangelhos


1. Esse post reflete superficialmente sobre até que ponto as declarações de Jesus, nos Evangelhos, podem ser tratadas como memória autêntica u criações hermenêuticas posteriores levadas a termo por uma série diversificada de comunidades caracterizadas por diferentes teologias.

2. Para dar minha opinião, uma digressão.

3. Vamos a Lucas.

4. Seu Evangelho começa dirigindo-se a (in)certo Teófilo. Sugere-se que, a despeito de ele não ter visto nada sobre as coisas relacionadas a Jesus, não ter sido testemunha - anote isso -, alguém pode fazer com que ele seja "perfeitamente inteirado" das coisas... Assim se abre o "Evangelho de Lucas".

5. E como termina? Assim. No domingo, as mulheres descobrem que Jesus ressuscitou e contam aos 11. Eles, diz Lucas em 24,11, dizem que elas estão doidas, beberam, fumaram, estão fora de si. O v. 12 não é de Lucas - quem escreverá que, a despeito disso, Pedro foi até lá é, provavelmente, algum representante da comunidade petrina, para aliviar a barra de Pedro. Seja como for, manuscritos mais antigos não exibem essa passagem, conquanto ela seja indiscutivelmente muito antiga, já que manuscritos igualmente muito antigos a exibem - e eu imagino que não tenha se passado vinte anos até que a comunidade petrina tenha criado a glosa.

6. Mas Lucas 24 continua. Além de fazer os 11 dizerem que as mulheres estavam loucas, Lucas faz os discípulos de Emaús crerem que Jesus apodrecia na cova. É o próprio Jesus, depois de ressuscitado, quem tem de lhes abrir os olhos...

7. Inutilmente. Sim, Lucas não pode fazer as coisas se resolverem antes de Atos 2. Ressuscitado ou não, os que viram Jesus o viram, ouviram. Logo, é importante pôr as coisas em seu devido lugar. Atos, então, se encarrega disso. Se os 11 e os discípulos de Emaús não tiveram nenhuma experiência fundamental pelo fato de terem sido testemunhas, quando lhes contam da ressurreição, escarnecem, talvez a ressurreição em si e os dias que tenha passado com os discípulos sirvam para dar luz à comunidades das testemunhas de olho...

8. Não. Os discípulos são postas a perguntar se Jesus vai destruir Jerusalém. Depois, quando Jesus sobe ao céu, expressamente manda-os ir para Jerusalém, mas eles ficam parados, olhando, abismados para o céu, aparvalhados , até que anjos os encaminham - caso contrário, estavam lá até hoje, de pé...

9. Lucas faz questão de dizer que as testemunhas oculares não entenderam nada. O que quer que tenham escutado, escutaram como cegos, mudos, surdos, burros completos, ignorantes totais, incompetentes teológicos...

10. Até que Pentecostes trouxesse o Espírito...

11. Aí, até o covarde Pedro vira super-herói...

12. Onde Lucas quer chegar?

13. Na tese de que ter sido testemunha ocular de Jesus, de ter andado com ele, de ter ouvido os "ditos", não vale um centavo furado...

14. O que Lucas quer? O que ele ganha com isso?

15. Lucas, nada, mas Paulo, tudo. Paulo não andou com Jesus, não ouviu, não viu. Devia ser tratado pela comunidade de Jerusalém com o despeito monstruoso dos invejosos - quem é você, Saulo, que não sabe de nada, não viu nada, não ouviu nada?

16. E Lucas responde: o campeão de Deus, o campeão do Espírito!

17. Pois bem - uma vez que quem ouviu e viu não sabe é nada, como se pode alegar, em nome de que "lógica", que 10%, 20%, 30%, 50%, 100% dos ditos de Jesus nos Evangelhos sejam "de Jesus"?

18. Ora, se o Evangelho de Lucas está certo, ninguém entendeu foi coisa alguma...

19. Obviamente, o Espírito, depois, revelou muita coisa. Mas quanto a isso, sabemos do que se trata. Hoje, ainda, ele revela...

20. Eu acho que é um risco assumirmos posições muito categóricas a respeito de ditos de Jesus. A pesquisa deve se debruçar sobre o caso dos ditos, mas tentativas políticas de estabelecer, pela autoridade de um ou de cem, a autenticidade dos ditos é inútil - só tem valor político.

21. Todas as vezes que voltarmos ao Evangelho, deve-se começar tudo de novo, porque não temos nenhum critério indiscutível para decidir se são, quais são e até que ponto são ditos de Jesus.

22. Para todos os efeitos, é o que cada "evangelista" disse que Jesus disse - e isso, segundo Lucas, sem ter a mínima ideia do que ele dizia...




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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