_ Sim, eu sei.
_ Os pobres, condenam-no pela maldade, os nobres, pela incompetência...
_ Não agradei a ninguém, não é mesmo?
_ Não, a ninguém...
_ Nem a mim mesmo, que, se os pobres me fazem uma crítica e os nobres, outra, faço-me as duas...
_ As duas?
_ Sim - mau e incompetente...
_ Mau, porque matou crianças, e incompetente, porque não matou a que queria ter matado...
_ Sim...
_ Dizem que você teve medo de ele tomar seu reinado...
_ Li a respeito. Cada um escreve o que lhe vem à telha...
_ Não é verdade que tenha matado as crianças por medo de perder o reino?
_ Nem de longe.
_ O que foi, então?
_ Foi um sonho que tive.
_ Um sonho?
_ Sim. Achei que fora um pesadelo, um delírio... Um homem nasceria, seria divinizado e em seu nome se cometeriam as maiores atrocidades da terra: mortandade sem conta, assassinatos, traições, violência, rapina. Contei para Saramago e ele escreveu o Evangelho dele...
_ Não entendo...
_ A pequena e inocente criatura que nasceria se tornaria a razão de uma desgraça civilizatória de proporções planetárias...
_ Bem, seu sonho acabou se concretizando...
_ É, mas eu achei que era delírio... Até que me aparecem no palácio aquele monte de magos com uma história do nascimento do Pantokrator... Pirei.
_ Eita...
_ Sim, fiquei tão horrorizado que concluí que minha missão era impedir que a desgraça se fizesse... E, tomado de loucura, mas com a mais das nobres intenções, matei todas as crianças. Fui mau. Mas não matei aquela que deveria ter matado. Fui incompetente...
_ Mas você não acha que, afinal, a despeito das desgraças, a coisa se saiu até razoavelmente bem?
_ Bem, se você não foi uma das queimadas vivas, um dos hereges mortos, um dos índios assassinados, um dos não-cristãos tratados como cão... É como a escravidão... Agora está tudo bem. Desde que você não tenha sido um dos negros de tronco, uma das negras estupradas, uma das mulas humanas, não é que a coisa se saiu bastante bem?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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