sábado, 26 de fevereiro de 2011

(2011/112) Liturgia protestante de ultíssima safra


1. É um pressuposto da Fenomenologia da Religião - e, como todo pressuposto, é correto na medida em que reflete ordinariamente a "realidade", as coisas como elas são. E as coisas são exatamente assim - o sagrado é a outra face, necessária, do profano, conceito-dependência um do outro: se aponto o sagrado, em seu redor assenta-se o profano, e, por outro lado, se aponto o profano, lá dentro, em torno, em cima, embaixo, emerge o sagrado. Porque a relação sagrado/profano é uma emergência própria da consciência humana, esse par dança a dança dos magos nas retinas da gente.

2. O Protestantismo, essa sede enorme de tudo e de todos, essa neurose de Deus, esse transbordamento subjetivo da catarse da conquista da fé, disse, num arroubo histérico de loucura, que tudo era "Deus" - que todos os dias são Dele, que todos são Dele, que nada há onde ele não esteja... Quais gotas inexoráveis de força, o gotejar, década a década, dessa mensagem sublimiar, floriu uma florescência de fundição entre sagrado e profano. Onde tudo tornou-se sagrado, a fonteira entre o par necessário fraquejou, derreteu, tornou-se imperceptível, e a noção de sagrado e profano desmanchou-se dentro do discurso religioso.

3. ... para reemergir de outro modo, lá na frente. A própria Instituição foi apreendida como profana, dela tendo-se afastado o sagrado, segundo a percepção de muitos olhares, dentre os quais, os meus. Meus olhos não contemplam mais o sagrado na Instituição igreja, espaço profano por excelência, espaço de violência simbólica, pedagógica, epistemológica. O sagrado moveu-se...
4. ... pelas frestas das pedras da catedral, escorreu pelas ruas, e instalou-se aqui e ali, em materializações especiais. Olho, e ei-lo, descansando de vida, pulsando de força. Afago-o como a um cão amigo, e caminho meu caminho, cheio, agora, dessa sacralidade difusa e concentrada...

5. Eis aqui uma materialização dessas, uma concentração de sagrado protestante de ultíssima geração...

Relicário
Relicário
Cássia Eller e Nando Reis
É uma índia com colar
A tarde linda que não quer se pôr
Dançam as ilhas sobre o mar
Sua cartilha tem o "A" de que cor?
O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou
E são dois cílios em pleno ar
Atrás do filho vem o pai e o avô
Como um gatilho sem disparar
Você invade mais um lugar onde eu não vou
O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso desse amor
Corre a lua, porque longe vai?
Sobe o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por essa noite
Porque está amanhecendo?
Peço o contrário, ver o sol se por
Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for
Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente, dura o futuro amor
Eu sou a chuva prá você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou
O que você está dizendo?
Milhões de frases sem nenhuma cor
O que você está dizendo?
Um relicário imenso desse amor
O que você está dizendo?
O que você está fazendo?
Porque que está fazendo assim?
Está fazendo assim!



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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