Platô tibetano como produto do movimento da placa tectônica que forma as mais altas montanhas do planeta (clique para ampliar) |
2. Em Nietzsche, o rebelde aristocrata, Losurdo mostra como a questão da "verdade", diretamente relacionada a essa pergunta de Pilatos, foi tratada por Nietzsche no mesmo contexto em que ela aparece em João. Perguntado sobre se ele era mesmo rei, Jesus diz que era o próprio Pilatos quem reconhecia Jesus como rei, e que ele, Jesus, tinha vindo para isso mesmo, para que desse testemunho da verdade. Aí, ser Jesus rei e verdade estão diretamente relacionados. Em outras palavras, uma questão filosófica, o que é a verdade?, invade o território da questão política - Jesus é rei. A fronteira não consegue, mais, segurar a distância entre Filosofia e Política.
3. Uma vez que está diante de alguém que se diz rei e toma isso como a manifestação da verdade na boca do representante de Roma, Pilatos, retoricamente, implode o "fundamento" - "que é a verdade?".
4. Não se trata de uma questão meramente filosófica. Ali, a questão filosófica está misturada à questão política. E não será por outra razão que Jesus será crucificado e, no alto da cruz, testemunho unânime dos Evangelhos, se escreverá: Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus.
5. Pois bem - à pergunta-símbolo de Pilatos: "que é a verdade?", desenvolveram-se três modos de resposta.
6. Uma delas é o modo platônico-aristotélico: a verdade é o fundamento do real, a verdade é o divino, a verdade é teológica. Todos os cristãos e todos os religiosos da história, mesmo os nirvânicos, seguem essa trilha. A diferença fundamental entre Extremo Oriente e Próximo Oriente é o criacionismo antropomórfico deste e a concepção do mundo como ilusão - maya -, daquele. Mas termina aí a diferença: o que está lá fora, o Absoluto divino ou o Absoluto Nada é o fundamento - único - da existência - essa é a resposta da Teologia, de todas elas.
7. Outra resposta é a que está talvez direta, mas, decerto, indiretamente ligada à função da pergunta de Pilatos na narrativa: relativizar o conceito de verdade, negá-lo, de modo a que o que quer que esteja sobre ele, sustentando-se sobre ele, desmorone. Eu sou rei - você reconhece a verdade. Verdade?, mas o que é a verdade, meu pobre Jesus?
8. Essa é a tática da Pós-Modernidade. Negar a verdade. Negar qualquer fundamento para ela. Os efeitos são os mesmos de Pilatos: nada que se sustente nela ficará de pé. Uma vez que não se pode viver efetivamente sem um conceito de verdade - você não dá dois passos sem ele -, a saída política desse ambiente pós-moderno é discursivizar a verdade, reduzi-la a uma pulsão, a um desejo, a um diálogo. O que não dura meia hora na vida real, conquanto funcione "bem" nos livros.
9. A terceira resposta desenhou-se na Modernidade, mais ou menos - didaticamente - entre os séculos XII (sim, alta Idade Média) e XIX (sim, j[á Idade Contemporânea). Concluiu-se, aí, que não se pode trabalhar com um conceito de uma verdade absoluta - teológica - mas com um conceito de verdades localizadas, físicas, antropológicas. Uma verdade física não vale para todos os níveis da realidade, mas no nível em que ela se expressa, vale. Do mesmo modo, as verdades antropológicas não valem para todos os níveis antropológicos - por exemplo, querer reduzir o homem ao gene humano. Todavia, no nível do gene isso é verdadeiro.
10. Porque o Ocidente está vivendo um período - que tem os dias contados? - de pluralidade filosófica e política (nesse caso, com jogos de dissimulação), resulta que as três correntes estão circulando no "mercado" da vida.
11. As religiões permanecem com seu conceito de verdade teológica absoluta. Os herdeiros da Modernidade resistem com seu conceito de verdades situadas e complexas. E a Pós-Modernidade ensaia há boas décadas o modelo de negação da verdade ou de discursivização subjetivo-discursiva da verdade (para os mais progressistas, "intersubjetiva").
12. A Teologia apóia-se em "Deus" - isto é, no seu próprio Dogma, para justificar seu conceito. A Pós-modernidade, apóia-se da refutação acrítica dos discursos críticos e na pressuposição de que a verdade seja uma atitude fundamentalista - é retórico seu argumento, é político seu argumento e seu efeito [e o verdadeiro pós-moderno sabe disso]). A resistência moderna acredita argumentar a partir da própria vida, a partir dos diversos níveis de realidade em que se constitui o real.
13. Não há diálogo possível entre os três grupos. Quando você abandona o real como critério e se isola no Dogma acrítico ou na discursividade retórico-política igualmente acrítica (em relação ao real), não há diálogo possível. No primeiro caso, autos de fé. No segundo, espetáculos estético-expressivos.
14. Confessando-me "moderno" e "crente" no conceito de verdades situadas e relacionadas ao nível de realidade em que se expressam, diria que a verdade teológica é Política pura: tudo que seu mestre mandar. Pode, todavia, tornar-se hereticamente subjetiva e expressar-se na forma de mística estética ou poética, mas, ainda assim, é a verdade teológica.
15. A verdade pós-moderna é, de um lado, estética - apenas em termos formais (porque desconfio de sua substância política de fundo). Mas, em termos da retórica: estética - cada qual com seu cada qual, cada qual inventando um discurso para si ou adaptando o seu discurso ao discurso do outro. É a estetização do real, um impressionismo filosófico - a feira das verdades subjetivas como tentativa política de paz - ou de controle bovino...
16. A verdade "moderna" é heurística. Sabe que é escrava do real, mas, ao mesmo tempo, não é imediata nem segura nem garantida, porque o real é apalpado por mãos humanas, que, conquanto reais - são compatíveis, pois, ambos -, constituem tentáculos sensoriais de uma mente. Assim, teoria e crítica, observação e experiência são fundamentais para esse conceito de verdade.
Esquema da (Teoria da) Placa Tectônica do Pacífico Norte |
Acima e abaixo, falha no encontro das Placas Tectônicas Americana e Eurasiana, na Islândia - a falha se amplia uma polegada por ano |
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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