1. Os espíritos ficaram embrutecidos demais. Milênios de Teologia "espiritual", de crença em anjos, demônios, mensageiros dos céus, deuses, deusas, toda a família mitológica, bateu de frente contra a parede da crítica severíssima dos séculos protestantes - dois brutos, cada um caído para um lado.
2. Explico o que quero dizer com bruto. Refiro-me à rudeza do pensamento - por mais que se ache, ao espelho, sutil.
3. Um, é clássico-teológico-positivo. O outro, é clássico-teológico-negativo. Os dois são imprestáveis para a Teologia que precisamos fazer, se queremos fazer justiça à histórica de nossa evolução e à recente história de nossas reflexões e descobertas.
4. Não se pode querer fazer Teologia ao modo antigo. Não é justo. Todavia, não se pode simplesmente deixar de lado a Teologia.
5. Não inventamos os deuses por capricho. Nasceram de necessidades profundas humanas. Que hoje compreendemos, é fato - mas que não somem por serem compreendidas.
6. Assim, enquanto um "novo" teólogo, ou ao menos um postulante a sê-lo, me vejo premido por duas circunstâncias:
7. Primeiro, a história de minha espécie impõe que a questão dos deuses seja tratada como mais do que fantasmas - tratar a questão como mera quimera, fruto (apenas) de equívocos cognitivos, é, em termos freudianos, recalcar a origem de sua emergência em nossas consciências. Assim, enquanto espécie, é preciso que retornemos àqueles dias e noites em que parimos os deuses, e compreender-nos lá, naqueles dias, para nos compreendermos hoje, em nossos dias.
8. Segundo, a minha história pessoal, de homem brasileiro e fluminense da segunda metade do século vinte, pôs em meu sangue e carne não apenas a questão dos deuses, mas a sua "experiência", e de tal modo que a compreensão profunda da condição antropológica dessa condição não a expurga - ela está aqui, agora, nesse momento, marcada a ferro e fogo em minha consciência.
9. É absolutamente insuficiente a Teologia clássica, em todas as suas vertentes ensaiadas no século XX, tentativas desde a origem marcada pelo fracasso, posto ensaiarem o novo no velho, repetição autômata dos chavões, das doutrinas, das confissões, com ar de intelectualidade. Racionalização política, nada mais do que isso.
10. É igualmente insuficiente a atitude teológica ateia, porque, pelo menos a meus olhos, é a mesma parede teista/deista, mas vista do outro lado. Não há nenhum "conhecimento" nem no teísmo/deísmo nem no ateísmo - só há desejos de crença.
11. E é esse desejo a patologia a que Freud se referiu - princípio do prazer versus princípio da realidade. Os teólogos clássicos - teístas/deístas e ateístas - desejam estar certos, e substituem seu desejo pelo que podem, de fato saber. Com isso, mentem para si e para todos ao seu redor.
12. Penso que a Teologia que deve ser feita, no lugar dessas duas - que são a mesma coisa - deve começar assumindo seu desejo como patologia e sua impossibilidade de saber como condição irremediável.
13. O passo seguinte é, então, converter a Teologia em estudo da relação entre vida humana - em sentido amplo, da espécie ao eu - e das ideias metafísicas (em sentido mitológico).
14. Será uma viagem histórico-antropológica para dentro de nós, cujo pano de fundo, cuja presença Inominável, repousará protegida de nossa instrumentalização.
15. É possível alguma coisa assim? Ou a minha patologia se manifesta justamente na ingenuidade de achar que é possível ter matado Deus sem destruir tudo a que a ele se refere?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
4 comentários:
NOSSA!....LEMBREI-ME DE SALMOS 42....E A CORSA ESTÁ ATÉ HJ PROCURANDO AS CORRENTES ÁGUAS....RSRSRS.
TEOLOGIA É LINGUAGEM? SE SIM. ELA SEMPRE VAI MUDAR DE ACORDO COM NOSSAS MUDANÇAS.
SE TEOLOGIA FOR UMA FORMA DE PRODUZIR CONHECIMENTO PARA SER INTRODUZIDO NAS IGREJAS, PELOS PÚLPITOS OU PELA ACADEMIA, VOLTAREMOS À ALIENAÇÃO TÃO FAMIGERADA.
PREFIRO (UMA OPÇÃO CONSCIENTE) VER A TEOLOGIA COMO UMA FORMA DE REFLEXÃO, CRÍTICA DAS NOSSAS PRÁTICAS PASTORAIS, LITURGICAS, ÉTICAS, DOGMÁTICAS. ETC. NÃO É ELA QUE DETERMINA A MINHA FÉ, ELA PODE NO MÁXIMO ME AJUDAR A PENSAR, CRITICAR E ENTENDER A RAZÃO DA ESPERANÇA QUE HÁ EM MIM.
TÁ BOM! ENTRAMOS EM SUBJETIVISMO SEM PRECEDENTES....COM CERTEZA, MAS QUAL O PROBLEMA? CADA UM PUXANDO PRO SEU LADO... É O QUE EU ACHO E PRONTO....VIVEREMOS DETERMINISMOS INDIVIDUALISTAS? PODE ATÉ SER....
QUANDO ESSE "SEGUNDO SOL CHEGAR" VEREMOS O FIM....RSRSRS PROFÉTICO....TALVEZ VEREMOS UM RETORNO A SOCIEDADE CORPORATIVA, A MORTE DO INDIVÍDUO. MINHA CRITICA É QUE A IDENTIDADE CONSTRUÍDA PELO PENSAMENTO MODERNO LEVA AO INDIVIDUALISMO E A UMA IDENTIFICAÇÃO SIMBÓLICA ARTIFICIAL SEM PROFUNDIDADE, JÁ A RELIGIÃO NÃO.
CEZAR UCHÔA JÚNIOR
Amigo Osvaldo,
não me parece possível alguma coisa assim.
Morto Deus, destruído está tudo o que a ele se refere.
Vá lá, é possível uma teologia assim, como é possível o estudo dos deuses gregos, egípcios e romanos. Mas... é ainda teologia? Faz sentido continuar chamando assim ou seria só por força do hábito?
Aprofunda-se nos ocupantes do Olimpo, e também em Osíris e em Rá, e ainda em Ceres e em Baco, mas... e daí? Ora, são mitos, não são? Vou acordar pela manhã e não terei sequer uma dor de cabeça por causa de Baco.
Colocado o Deus cristão no mesmo andor, vamos estudar "teologia"?
A Bíblia. Bom, sacerdotes criando textos ou alterando outros para colocar na boca de profetas, conhecidos e desconhecidos, aquilo que eles querem que se faça para benefício dos primeiros. Ou, comunidades deste ou daquele apóstolo tentando fazer seu herói parecer mais herói que o herói alheio. O Príncipe já me cai bem... mais contemporâneo, menos metáforas e simbologias.
Teologia assim? Realmente não me parece possível.
Luciano, não acho que seria a mesma coisa que o atual estudo dos deuses gregos. Teria de ser algo mais, algo mais antropológico, biológico e psicológico - uma câmara de pesquisa que envolvesse uma série de disciplinas.
Mas, Osvaldo, por que tem de ser algo mais?
Entre deuses gregos, egípcios e romanos e o cristão, mitos aqueles, mito este, por que a abordagem tem de ser diferente?
Entendo que o papel que o mito do deus cristão exerceu/exerce sobre a civilização ocidental nos é mais palpável que aquele exercido pelos outros, mas, de certa forma, isso não se aproxima da valoração que o apologeta cristão dá a sua fé-enquanto-ensino em detrimento daquela atribuída à fé-enquanto-ensino dos outros?
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