quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

(2012/052) Gosto, moral e padrão em democracia - BBB e o risco de elitismo nas análises da cultura de massa



1. Se, por um lado, os blog "progressivos" (vulgo, "sujos") defenestram e desancam o BBB; se, por um lado, o recorte "evangélico" e "universitário" (mais à esquerda), aquele, por razões moralistas, este, por razões ideológicas, criticam a "porcaria" do BBB; por outro, a audiência do programa é monstruosa, e tanto, que a arrecadação, o faturamento da Globo, no horário, é astronômico. Doze edições depois, os patrocinadores pagam fortunas - depois ainda de tanta "porcaria", grandes marcas estão lá, firmes e fortes, inabaláveis, a contar cifrões, frutos de vendas alavancadas. Ora, senhores, ora, senhoras, parece que o mundo não está muito interessado em nossa "opinião" sobre os BBB e suas banalidades venais, conquanto achemos nossas observações sobre isso sensacionais...

2. Estou errado? Meu medo consiste no seguinte: estamos brincando de "elite" disfarçadamente? Será que estamos, dissimuladamente, considerando, pessoas diferentes e por razões diferentes, nossos valores "melhores" do que o da população média - que, nesse caso, é a esmagadora maioria? Os adjetivos que podem ser lidos em matérias que criticam o BBB chegam a ser violentos, baixos, carregados de sentimentos que sobem à tona quando estamos para além de nosso estado psicológico de normalidade. Li "feridas" e "pus", agora há pouco, no facebook! Deixamo-nos "afetar", somos passionais, ao falar do BBB, e, sempre, desancando o programa, as meninas, os rapazes, os corpos, as lambeções, a bebedeira...

3. Todavia, a audiência é absurda. Tem sido nos últimos doze anos. Vejamos: o povo dá audiência, porque está se lixando pra nossas análises morais/filosóficas (por favor, não me falem em não ter opção!)? Ou talvez, o povo até concorde com nossas análises, mas trata a coisa toda como uma grande palhaçada, um circo (por exemplo, essa mesma audiência absurda, na TV de direita, não impediu a eleição de um presidente de esquerda por duas vezes e a sua sucessora, ano passado)? Quero dizer: que fenômeno é esse? Que sentido tem essa grande audiência do BBB? Que objeto temos diante de nós, a pedir pesquisa e decifração?

4. Não, não estou interessado no que evangélicos têm a dizer: é moral, seu raciocínio, e não dou um centavo pela moralidade cristã - ela é retórica e de superfície. É um direito de cada um o pensamento moral, mas não quero saber desses arrazoados, nos termos dos quais muitas das páginas da Bíblia deveriam ser arrancadas, por exemplo, de Ezequiel, mulheres de pernas abertas, membros de jumentos, coisas como estupro, assassinato, incesto, tem de tudo lá. Também não me interessa o que filósofos pensem sobre cultura, aqui, nesse momento. Minha pergunta é: que fenômeno é esse que se esconde por trás de um programa que expõe despudoradamente o corpo de homens e mulheres e alcança uma audiência de dar inveja a qualquer empresário do ramo?

5. Na esteira dessa primeira pergunta: se o povo gosta de ver muita bunda, muita mama, muita beijação, muita esfregação, muita boca entreaberta, muito suor em pele arrepiada (a alta definição será um capítulo novo do entretenimento erótico, apostem!), se esse mesmo povo não se incomoda com o modelo "jaula de Eros", pelo contrário, responde, paga, compra, o que significa, nesse caso, nossa antipatia quer pelo modelo quer pelo gosto  popular?

6. Percebem onde chego? Talvez eu esteja laborando em erro de análise - admito, caminho sobre ovos -, todavia, deixem-me dizê-lo de uma vez: não nos pegamos vítima de racionalizações elitistas? Eu, "educador", tenho o direito de indignar-me com o gosto de uma população inteira (vejam, "eu" contra milhões, ou, vá lá, um, dois milhões contra 100 milhões)? Eu tenho direito de querer modelar a nação segundo "meus" valores, minha moral, meus padrões de "certo e errado"?

7. Parágrafo. Não estou tratando do "caso BBB 12 - o suposto estupro". Se ocorreu - mas, se não ocorreu, porque o rapaz foi expulso? - é caso de polícia, porque caso de Lei, e, nesse caso, não há nada mais aí que diga respeito a gosto ou padrão de moral. É crime. Ponto. Trate-se no nível da coisa e punam-se todos os responsáveis (o que não ocorrerá, aposto). Refiro-me ao modelo, dentro de seus limites, exposição acintosa e comercial de corpos ardentes, a subir pelas paredes, a pedir e a sugerir sexo a cada pulso da aorta, bum, bum, bum...

8. Não sei direito como resolver essa questão. Se dou de ombros, penso em Pompéia. Mas, cá entre nós, se é o que Pompéia quer... Se me ponho na condição de Educador dos Homens, sinto-me tomado de fúria pedagógica, paixão reformadora, fogo moralista, a pedir que se desliguem as TV, fechem as emissoras, volte Jesus! Faço-me entender?

9. Somos, mesmo, até o fundo da alma, democráticos:? Ou nossa democracia é assim: imaginamos como a coisa tem de ser, politica, econômica, moral e filosoficamente. Se acontece assim, mundo maravilhoso, gente boa; se não, povo de dura cerviz, fim do mundo.

10. Deus do céu! Uma sociedade livre é o que, afinal?

11. Confesso, não sei.



OSVALDO LUIZ RIEIRO

3 comentários:

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

Será que esse estranho fenômeno tem alguma relação com o outro estranho fenômeno onde milhares e milhares de pessoas lotam os templos de Valdemiros, Macedos e R. R. Soares?

Alguns dizem que é porque são um monte de pobres e ignorantes. Mas não é o caso. Tem gente de classe média alta ali e bem estudada. Como no caso do fenômeno BBB. Não é só um monte de gente pobre e sem estudo que dá audiência a tal programa.

E outra coisa, senão me engano, esse formato, o BBB, veio da Europa, berço cultural do mundo ocidental.

Concordo com você. É caso a ser estudado.

Um abraço.

Robson Guerra

Cleinton disse...

olá, grande osvaldo.
como sabemos, o ser humano é cheio de taras. ao entrarmos em contato com garotos e garotas de programa, descobrimos, por exemplo, que a tara principal de homens casados, pais de família, é ser possuído por uma mulher. os travestis faturam alto com isso. tem uma passagem paulina, em romanos, que diz que, deixados às suas paixões, os humanos são capazes de tudo e um pouco mais. o bbb é o que nós queremos fazer, mas temos medo ou não temos apoio. é a tara institucionalizada e muito bem paga. mas é, também, segundo um amigo meu, "algo que se vê para puro entretenimento, voyeurismo, e sem qualquer necessidade de pensar, depois de um dia duro de trabalho desgastante". quanto ao modelo do episódio do estupro, a menina disse que consentiu e, segundo o que é justo, ele está sendo acusado de algo e pagando pelo que não fez. assim, o injusto é deixá-lo fora do programa, pois, se ela voltou, ele tem também de voltar! nunca assisti a um episódio sequer do bbb nestes 12 anos, mas sempre acompanho pelos jornais, pois é algo que realmente se tornou um fenômeno a ser estudado. eu, como sociólogo, não posso me deixar vencer nem pela moral, nem pela ideologia.
há braços, meu bom amigo.

liberdade, beleza e Graça...
cleintongael.blogspot.com

Peroratio disse...

Cleinton, as ciências sociais estão na sua veia - elas exudam de sua fala! Bel tem essa mesma visão. Tenho dito para ela escrever, mas ela se esconde. Todavia, para ela, faz-se uma celeuma hipócrita em torno do BBB. Acho que foi de tanto ouvir as reclamações dela das reclamações das pessoas que eu acabei escrevendo esse post, que está muito aquém de ser ao menos razoável...

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