domingo, 15 de janeiro de 2012

(2012/040) Os vídeos para o "direito de resposta" à TV Record por difamação das religiões afrobrasileiras


1. Seguem, abaixo, os quatro vídeos disponíveis no Youtube que, juntos, compõem o "direito de resposta" à TV Record, ainda em juízo, em face de alegada difamação e discriminação daquela concessionária pública às religiões afrobrasileiras. Coloquei-os em ordem de seqüência, ainda que os títulos não ajudem.

2. O direito de resposta diz respeito ao fato de que a TV Record, como todas as TV, são concessões públicas, e entidades representativas das religiões afrobrasileiras alegam que a TV Record tem difamado e descriminado as religiões de origem africana. E tem? Se a IURD pode ser considerada alter ego da Record, indiscutivelmente, sim.

3. No conjunto, pedem respeito, uso legal das concessões públicas de TV, isto é, que não sejam usadas para nenhum fim não-constitucional, como seria o caso do uso da concessão para difamação de religiões afrobrasileiras.

4. Reunidos na PUC-SP, representantes de diversas tradições afrobrasileiras, bem como cristãs e islâmicas , além de representantes da Universidade, pronunciaram-se pela tolerância, pela fraternidade, pelo direito de manifestação das inúmeras tradições africanas no Brasil - e pelo direito que têm de serem respeitadas e não difamadas. 

5. Um belo exercício. No que diz respeito à manifestação de indignação, excelente. No que diz respeito à manifestação dessas religiões contra o que entendem ser sua difamação em rede nacional, perfeito. Quanto à ênfase no papel da mídia na construção de uma sociedade de paz e tolerância, papel esse que passa pela democratização do acesso das religiões também nas TV, coerente, já que as TV estão inundadas de "cristãos", alguns dos quais - a maioria, é verdade - "culpados" pelo que, agora, a TV Record é acionada judicialmente.

6. O Ministério Público deu direito de resposta às entidades representativas, mas, segundo consta do texto de divulgação (cf. aqui), parece que a Record recorreu, e o caso está sub judice.

7. Como "didática" das religiões, não achei bom o vídeo. Há uma narrativa uniformizante (superficial, até), construída por várias narrativas menores que, sob sua perspectiva, não correspondem necessariamente umas às outras. Não é possível transformar em uma única narrativa as tradições Ketu, Umbanda, Angola, Tambor de Mina - por exemplo. Não se trata "da mesma coisa" - são narrativas, ritos, mitos, diferentes. E não se trata de diferenças como seriam as de Armínio e Calvino - acessórias. São diferenças fundamentais. Os vídeos, todavia, trataram as religiões presentes - as afrodescendentes, naturalmente - como uma grande "narrativa".

8. Talvez seja o efeito do ambiente e da intenção de reunir representações nesse desagravo. Todavia, a despeito de apoiar inteiramente a iniciativa, e isso também a despeito de ela ser levada a termo ou não pela Justiça, do que independe minha "opção", porque a Justiça não vive das opções individuais, mas da determinação dos juízes -, eu diria que vídeos posteriores (e seria bom que houvesse outros!) deveriam ser mais didáticos na manutenção das distinções, ainda que en ambiente de confraternização e de cidadania. Disfarçar a realidade, como retórica política, nunca é uma boa estratégia a médio e longo prazo.

9. Por exemplo, eis o que me parece um equívoco grosseiro do vídeo: uma tentativa de "defesa" de Exu, apresentando-o como um orixá que, e é verdade, nada tem a ver com o "diabo". É verdade: Exu não tem nada a ver com o diabo. Mas é muita ingenuidade retórica do vídeo pretender que a difamação das religiões  - todas elas, não apenas as afrodescendentes - se baseie no fato de que Exu, aqui, outro deus isolado, ali, sejam identificados com o diabo: os cristãos identificam todos os outros deuses, todos, de Exu a Oxalá, Olurum, Ogum, todos, com o diabo. É muito ingênua a estratégia de desdemonizar as religiões afrobrasileiras pela desdemonização de Exu. Será que os responsáveis pelo vídeo não sabem disso?

10. Não é preciso que nos tornemos todos mais ou menos uma massa indistinta, com macro-narrativas englobantes, engalfinhantes, para que ganhemos direito à ágora. É também nas nossas muitas diferenças - de crença, de rito, de mito, de esperança, que nos constituímos povo brasileiro.

11. Nesse sentido, a única coisa que não podemos ter diferentes é a Constituição - que é e deve ser a mesma para todos nós, seja Exu, seja Jesus, seja Alá.

12. Quanto a mim, pronuncio-me estritamente pelo viés constitucional. Todas as religiões - todas, absolutamente todas, sem exceção -, desde que submetidas à Constituição do país, têm os mesmos direitos e deveres, sem discriminações. Como cidadão, causa-me indignação profunda, muito profunda, as difamações semanais que todas as demais religiões sofrem nos púlpitos nacionais - púlpitos cristãos! Envergonha-me ser cristão, nesse sentido.

13. Todavia, olho para a minha própria tradição religiosa como cultura, nada mais do que cultura. E será com esse mesmo olhar, sempre crítico, sempre humano, que olharei também para todas as demais. No conjunto, de A a Z são, todas, jogos humanos, jogos de se vestir, comer, beber, sonhar, rezar/orar, cantar, ter esperança. E, quantas vezes, sangrar e matar - pelo que há que se ter cuidado - e muito...






OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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