terça-feira, 3 de janeiro de 2012

(2012/009) Galileu, a experiência de Pisa e os relatos antigos

1. Estou a ler Alexandre Koyré, Estudos de História do Pensamento Científico. Meu filho ganhou de seu professor. Daí, ganhei dele. Lá pelas tantas, um artigo para afirmar, categoricamente, que a famosa experiência que Galileu teria feito em Pisa, com as bolas de metal, é mito - nunca ocorreu: a despeito de estar mencionada na Wiki! Aliás, a despeito de estar mencionada em quase todos os livros sobre Galileu! De historiadores! Nunca ocorreu.

2. Estamos, aí, nos salões da ciência - e deparamo-nos com narrativas repetidas e repetidas e, todavia, falsas: algo assim, como a maçã de Newton. Não pude deixar de pensar nos textos bíblicos: quanta gente mata e morre pela "historicidade" de passagens, quanta ira contra a crítica... Todavia, eu penso que: a) dos textos que eles mesmos nada dizem sobre o que narram, apenas narram, mais de 90% é pura narrativa, sem qualquer historicidade no campo das personagens, e b) das narrativas que dizem que o que narram de fato ocorreu, a esmagadora maioria nunca ocorreu. Algo assim como a maçã de Eva...

3. Muita gente há de se irar - quanto a isso, não me cabe fazer coisa alguma. Inventaram para nós, os falsos conservadores de hoje, que, para terem "valor", essas narrativas têm que ter "historicidade". É um argumento moderno, que os detratores da modernidade usam, porque lidam com ovelhas que pensam muito pouco. No fundo, o critério de historicidade sequer era levantado naqueles tempos, nem em Jerusalém, nem na Grécia!

4. Para a ciência, faz lá alguma diferença. Para a Bíblia, quase nenhuma. Claro que, para quem leva a sério mitos, como se fossem "História", e uma vez que toda a sua racionalização passa, literalmente, pela literalidade e historicidade dos eventos descritos, a conclusão é obrigatória: se Cristo não ressuscitou, é fã a nossa fé... Todavia, vejam o caso de Bultmann, por exemplo: ciente de que estava diante de mitos, tratou de acessá-los de modo sacramental-existencialista e, voilà, todo o castelo ficou de pé... Não para Cullmann, naturalmente: mas é justamente disso que estou falando!

5. No meu caso, não é como teólogo que leio tais textos, mas como exegeta. O teólogo deveria, antes, ler, e, depois, fazer teologia. Como lê-fazendo-teologia, da mesma forma como aqueles que fazem-poesia/metáfora-lendo, não podem entender jamais o que estão lendo - se é que querem. O que desejam e querem é, apenas, tornar seu, apropriar-se, "contextualizar" os escritos. Desse grupo não se ouvirá reclamações quanto a falta de historicidade das narrativas: para eles, o que têm na mão é massa de vidraceiro, com a qual fazem seus bonecos de metáfora e teologia...

6. Ficamos assim, então: de um lado, teólogos a tratarem como a experiência de Pisa muita narrativa bíblica; de outro, muito teólogo pouco interessado no que de fato eram e queriam dizer os textos antigos, fazendo-os, todos, novos, novíssimos...



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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