1. Até onde sei, o Cristianismo (ao lado do Judaísmo e, talvez, o Islamismo) - nesse caso, os três, mas pela mesma razão (o "tabu" do nome) - é a única religião cujos fiéis não sabem o nome de seu "deus". Não, não sabem.
2. Historicamente, os judeus eram politeístas. Até onde se pode mapear com alguma segurança, em algum momento do primeiro milênio a.C. um "deus" extra-Palestino, entrou na Palestina, vindo do sul, de Edom, talvez. Hoje, aplica-se o nome convencional Yahweh a esse "deus", pela razão de não se saber mais como eram pronunciadas as quatro famosas consoantes de seu nome - YHWH.
3. Depois de algum tempo, Yahweh (cuidado - Yahweh não é a pronúncia histórica: trata-se de uma convenção moderna, necessária) tomou o lugar de todos os demais deuses locais, e os judeus, assim, ou inventaram ou consolidaram o monoteísmo.
4. Por razões que me parecem políticas, as autoridades judaicas proibiram a invocação do nome dessa divindade. Em mil anos, já não se sabia mais como se pronucniava, depois de tanto se falar "Adonai" em lugar de YHWH.
5. Chegou o tempo de se inventarem as representações gráficas das vogais do texto bíblico. Onde estava YHWH, colocaram-se as vogais de Adonai e, assim, inventaram, os judeus, um nome que não existe: YeHoWaH ("Jeová"), produto da soma das consoantes de um nome com as vogais de outro.
6. Almeida traduziu a Bíblia para o Português. Onde aparece YHWH, ele traduz Senhor. Onde aparece Adonai, ele também traduz Senhor. A Bíblia, é, assim, uma confusão só. Para os líderes teológicos da Igreja, coisa sem importância. Para a História, para a Teologia, uma desgraça (por exemplo, Ex 6!).
7. O fato é que aquele Yahweh estrangeiro assumiu o posto de "deus" do Judaísmo e, depois, do Cristianismo. Mas, aí, já não se chamava YHWH, mas, apenas, "Theos", e, daí, "Deus". Mas nem Theos nem Deus são nomes., assim como homem não é um nome.
8. Depois de transformar-se em Theos/Deus - um deus sem nome - o Deus cristão quer tomar o mundo todo. Primeiro, fazendo com que uma idéia de monoteísmo seja assumida como mais lógica do que uma idéia de qualquer outra coisa que não monoteísmo. Monoteísmo virou sinônimo de inteligência. Trata-se de um fenômeno cultural, de imposição de valor, só isso. Mas funciona.
9. A própria palavra deus transformou-se num referencial pretensamente unívoco, não-equívoco, de tal modo que, quando se o usa, já é à idéia do deus cristão que se remete, como se ela, essa idéia, fosse, de fato, referencial de valor. Mas não é.
10. É preciso fazer força contra o tsunami de cultura que pretende, silenciosamente aqui, ruidosamente ali, formatar nossas reflexões, fazendo com que raciocinemos dentro de trilhos pré-moldados - jamais inocentes, todos, sem exceção, interessados em poder, qualquer que seja a sua substância.
11. Assim, penso ser necessário: a) tornar cada vez mais clara a consciência de que, em deus, nessa palavra, reside uma idéia; b) que outras idéias são-lhe equiparáveis, como a idéia de deuses, orixás, kamis, nirvana, e, além disso tudo, dessa multidão de seres, a idéia de um Nada. Estamos, aí, diante de idéias, de conceitros e, para usar uma figura de Pascal, de apostas, se pretendemos, modernos, continuar pensando nelas...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Osvaldo,
Deus, apenas um nome, apenas uma imagem. Feuerbach foi certeiro:
"Uma vez que o Deus cristão não se revela nem se exprime em imagens de pedra e madeira, nem diretamente na natureza, mas somente em palavras, não sendo conseqüentemente nada sensorial, corporal, mas espiritual, sendo a palavra também uma imagem, conclui-se também o Deus cristão, mesmo o Deus racionalístico, é uma imagem da imaginação, logo, se o culto à imagem é idolatria, é o culto espiritual do Deus cristão também uma idolatria (...) porque não foi Deus que criou o homem conforme sua imagem,como está na Bíblia, mas foi o homem que criou Deus conforme sua imagem, como já mostrei em A essência do cristianismo”[1].
Que o Peroratio 2012 continue assim, provocativo e inteligente.
Abraços!
[1] FEUERBACH, Ludwig. A essência da religião. Campinas, SP: Papirus, 1989, p. 159.
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