1. Para aquele que crê em inferno, e, nisso crendo, ainda lhe soma a idéia/crença de que a saída para tal lugar de tormentos é a fé na cruz vicária, bem, para um tal sujeito, se você não crê (do jeito dele) na cruz vicária, então você vai para o inferno. Não adianta você falar que se trata de uma idéia, de uma doutrina, de uma crença. Para ele, por tal idéia tomado, essa crença é a realidade - e não há outra.
2. Pois bem: esse processo de olhar o todo a partir de sua própria perspectiva pode ser flagradao em seu momento mais irônico no tema do "vazio" causado pela também idéia da "morte de Deus". Para entender a questão (da forma como a entendo), você tem de fazer de conta que pensa do seguinte modo - isso se já não é o seu caso!
3. O Universo, a Vida, o planeta, a Humanidade, tudo jaz e subjaz em Deus - o Ser, mistura de um Yahweh-sem-nome e um Theos platônico/alexandrino (helênico). Deus é o Ser, fundamento de tudo. Pronto, a vida, agora, faz sentido. Tudo há de se enfiar aí, do amor ao ódio, do carinho à punhalada, do beijo ao escarro. Tudo, agora, se deve pensar aí... política, estética, heurística...
4. Até que, belo dia, um filósofo, com seus motivos, se vê na necessidade de instrumentalizar o discurso da morte de Deus. Não vem ao caso aqui o que ele queria dizer com isso. Vale aqui se pensar sobre o que os "receptores", os herdeiros do tema da "morte de Deus" fazem com a idéia.
5. Acompanhe-me. Se você é um ateu (para ir direto ao ponto!), e, então, alguém lhe vem dizer que Deus está morto, você apenas olha para o sujeito, franze as sobrancelhas e, então, concluindo que só pode ser uma piada, retruca: sim, sim, e a água corre para baixo, o vapor, pleonasticamente, sobe para cima, e a vida caminha para a morte. E, depois, sorrindo, continua sua vida, repleta de sentido (para si).
6. Agora, entretanto, você é aquele cara do parágrafo 3 e ouve a história do parágrafo 4. Ah, meu amigo: se, para você, tudo está em Deus e, se, agora, Deus está morto, então não há nada que você possa fazer para que ainda possa pensar o sentido da vida. Sai Deus, então o Vazio.
7. Não adianta argumentarem para você que a única alteração se dá no campo da idéia - e da política, naturalmente, ela, mãe de todas as idéias... Que não é "fato" que Deus sustente coisa alguma: trata-se, para todos os fins, de uma idéia. Se, insisto, o sujeito está tomado por essa idéia, pode ser ele um crente, um filósofo, um qualquer coisa, que vai argumentar, sempre, do mesmo jeito: ah, cadê o sentido da vida que tava aqui?, o gato comeu...
8. Há, já, alguns milhares de milênios que a chuva cai sobre a terra. Não sei exatamente quem faz isso acontecer. Mas uma coisa sei: que era assim antes do século XIX e é assim, ainda, hoje; era assim em Nicéia, foi assim em Witttemberg e é assim, ainda, em Roma - em todas as milhares de pequenas Romas evangélicas, igualmente.
9. O que quer que faça chover, fazia-o antes e depois da história da morte de Deus. Aliás, fazia-o, também, até mesmo antes de Deus ter nascido! Porque se trata apenas disso: de uma idéia. E, seja quem for que faz a chuva chover, é a despeito da idéia da morte de Deus, do tema do Vazio, das lágrimas lacrimosas de filósofos, políticos e metafísicos que ainda choverá por muito, muito tempo, também para lavar as imagens de deuses e diabos que cobrem a Terra... até que tudo desaparece, e, com tudo, as idéias...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Nenhum comentário:
Postar um comentário