quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

(2011/556) Reflexões sobre "evangelização"


1. Há diversos tipos de evangelizadores, cada qual movido por uma "racionalização" própria.

2. Há aquele que se torna um evangelizador circunstancial por "missão". Não, ele não reflete sobre o que faz - apenas faz, porque disseram a ele que deve fazer, porque, se não fizer, perderá pontos no céu. É uma "tarefa". Eventualmente, ele nem gosta do que faz. As pessoas em si não contam - o que conta é a coisa que ele, o evangelizador está fazendo. E ele conta as "almas": uma, duas, três, quatro, e vê quantos pontos tem na coroa...

3. Há o evangelizador vidrado em culpa. No fundo, ele não prega a salvação, prega o pecado. É descrever, na cara delas, o pecado das pessoas que o ouvem, deliciar-se com essa sensação de pôr o dedo na ferida delas, ah, essa é sua delícia! Não é tanto a cruz, é a "serpente". Não é tanto o cordeiro, é o dilúvio. É o pecado. Esse evangelizador tem uma neurose, uma patologia grave - ele adora olhar a alma pecadora, de frente, e assistir à sua vergonha...

4. Há o evangelizador que, tomado pela percepção agostiniana da danação comum, floresce em amor, nele, uma compaixão também comum, e, assim, por todos os seus poros, sai a pregação do perdão, da liberdade. Não se vá confundir esse evangelizador com um teologista barato: sim, é por meio da teologia (eventualmente barata) que ele age, porque é a teologia (eventualmente barata) quem lhe assevera que as pessoas, todas, estão danadas. Mas é seu coração que a isso reage, sacando, também de dentro dessa teologia (eventualmente barata), a solução de amor: o perdão. É alguém que sente sentimentos bons pelas pessoas.

5. Há, ainda, o neoevangelizador. Ele sabe as doutrinas. Estudou. Sabe a EBD de cor e salteador. Talvez tenha lido livros. Mas é um neo, um novo/diferente tipo de evangelizador. Ele quer assistência social, comida, trabalho, casa, família, direitos - para seus evangelizandos. Um evangelista quase (ou já) marxista ou, pelo menos, assistencialista. Mas, de um jeito ou de outro, um evangelizador a quem a alma conta menos do que o corpo.

6. O último tipo não deixa de ser uma forma de secularização dos tipos anteriores. Se você tira a neurose da "missão", resta, ainda, a caridade. Se você tira a patologia da culpabilização, resta, ainda, a situação degradada dos homens. Se você tira a compaixão sentimental, resta, ainda, a compaixão concreta.

7. Talvez se possa ler a caridade, sem justificativas teológicas, como o resíduo concreto dessa história de dois mil anos.

8. Todavia, qualquer um que ainda precise de qualquer razão que não o próprio próximo para amparar o próximo, seja Deus, seja a missão, seja a danação, seja a teologia, seja o diabo que for, no fundo, não age em razão do próximo - mas de si mesmo. Há, na evangelização, um risco enorme de megalomania, de projeção de si no outro, de não-gratuidade, de "mercado".



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

_________

Reação do Rodrigo, nos comentários, que transcrevo, considerando, previamente, que Rodrigo talvez devesse atentar mais um pouco para os parágrafos 4 e 5, onde, eventualmente, pode estar, não saberia dizer ao certo:

Caro Osvaldo, concordo em parte com seu texto sobre evangelização, até porque agora estou vivendo no Peru como missionário independente e trabalho, junto com a igreja, em alguns projetos sociais, tais como: centro de reabilitação para dependentes químicos, creche, Novas Forças (inclusão social de deficientes físicos), além de pessoas que recebo diariamente (nesse ano quase 400) para aconselhamento e que estão perdidas (no sentido não terem qualquer direção na vida) pelo sofrimento que lhes afligiu. Seja pela droga, pelo espancamento de um pai ou de um marido, um câncer, um filho morto...
E por que estou eu aqui com minha família? Bem, antes de qualquer realização é ne-cessário que haja convicções profundas do que se deve fazer. É claro que nem sempre isso acontece, como foi bem observado em seu texto. No meu caso, eu trabalhei no mercado imobiliário e recebi um bom dinheiro por isso, mas não me satisfazia, sentia-me como Sisifo. Preferi alugar uma casa que tenho em Macaé, que é responsável por mais de 50% do meu sustento e vir para outro país. Não há dúvida então de que a evangelização é um ato em favor de si mesmo, por isso Paulo tinha razão em dizer “Ai de mim se não o prego” e, por isso mesmo, corre o risco da megalomania. Mas a minha pergunta é: o que podemos fazer nós que não contenha esse risco?E é nesse ponto que vou discordar de seu texto, no sentido de que ele reduz esse problema à evangelização, enquanto, esse não é um problema da evangelização, mas do ho-mem que pode envolver-se com qualquer coisa, sejam essas coisas referentes à evangeliza-ção, a qualquer obra humanitária, à academia (Hegel, por exemplo, nos deixaria mentir?), à política e, nesse sentido, eu tenho que concordar com Henri Nouwen quando ele escreve que “Por trás de todas as grandes realizações do nosso tempo, há uma profunda correnteza de desespero. Enquanto a eficiência e o controle são as grandes aspirações da nossa sociedade, a solidão, o isolamento, a carência de amizade e intimidade, os relacionamentos arruinados, o tédio, a sensação de vazio e depressão e uma profunda sensação de inutilidade enchem os corações de milhões de pessoas neste mundo”.O desafio de não projetar-nos nos outros não é o desafio SOMENTE de evangelizado-res, mas de toda humanidade. Realizar-se no que se faz percebendo o outro sempre como agente ativo de sua própria existência, diante de seus próprios dramas, de suas próprias aspi-rações, diante de Deus e de seus próximos.Por isso gosto tanto de Morin, porque ele assume uma ética sempre contraditória ou, nas palavras dele, uma dialógica. Por isso mesmo sinto-me a vontade de criticar seu texto sem querer reduzir seu pensamento a ele, porque se trata de um texto curto, que certamente não pretende exaurir o tema, mas acho que seria importante que essas contradições humanas, e não somente da evangelização, estivessem presentes nele, porque em minha experiência aqui, onde pessoas têm se encontrado no evangelho, vale à pena assumir esse risco. Ou como eu gosto de dizer: o evangelho é o evangelho, apesar de mim. Mas, certamente, se algum dia eu não tenha mais essa convicção profunda, ou as pessoas aqui sejam esmagadas por minha atuação eu reverei meus conceitos, porque as minhas convicções são sempre as minhas diante dos outros.
Um abraço,
Rodrigo.

3 comentários:

Blogue Cast disse...

Caro Osvaldo, concordo em parte com seu texto sobre evangelização, até porque agora estou vivendo no Peru como missionário independente e trabalho, junto com a igreja, em alguns projetos sociais, tais como: centro de reabilitação para dependentes químicos, creche, Novas Forças (inclusão social de deficientes físicos), além de pessoas que recebo diariamente (nesse ano quase 400) para aconselhamento e que estão perdidas (no sentido não terem qualquer direção na vida) pelo sofrimento que lhes afligiu. Seja pela droga, pelo espancamento de um pai ou de um marido, um câncer, um filho morto...

E por que estou eu aqui com minha família? Bem, antes de qualquer realização é ne-cessário que haja convicções profundas do que se deve fazer. É claro que nem sempre isso acontece, como foi bem observado em seu texto. No meu caso, eu trabalhei no mercado imobiliário e recebi um bom dinheiro por isso, mas não me satisfazia, sentia-me como Sisifo. Preferi alugar uma casa que tenho em Macaé, que é responsável por mais de 50% do meu sustento e vir para outro país. Não há dúvida então de que a evangelização é um ato em favor de si mesmo, por isso Paulo tinha razão em dizer “Ai de mim se não o prego” e, por isso mesmo, corre o risco da megalomania. Mas a minha pergunta é: o que podemos fazer nós que não contenha esse risco?
E é nesse ponto que vou discordar de seu texto, no sentido de que ele reduz esse problema à evangelização, enquanto, esse não é um problema da evangelização, mas do ho-mem que pode envolver-se com qualquer coisa, sejam essas coisas referentes à evangeliza-ção, a qualquer obra humanitária, à academia (Hegel, por exemplo, nos deixaria mentir?), à política e, nesse sentido, eu tenho que concordar com Henri Nouwen quando ele escreve que “Por trás de todas as grandes realizações do nosso tempo, há uma profunda correnteza de desespero. Enquanto a eficiência e o controle são as grandes aspirações da nossa sociedade, a solidão, o isolamento, a carência de amizade e intimidade, os relacionamentos arruinados, o tédio, a sensação de vazio e depressão e uma profunda sensação de inutilidade enchem os corações de milhões de pessoas neste mundo”.
O desafio de não projetar-nos nos outros não é o desafio SOMENTE de evangelizado-res, mas de toda humanidade. Realizar-se no que se faz percebendo o outro sempre como agente ativo de sua própria existência, diante de seus próprios dramas, de suas próprias aspi-rações, diante de Deus e de seus próximos.
Por isso gosto tanto de Morin, porque ele assume uma ética sempre contraditória ou, nas palavras dele, uma dialógica. Por isso mesmo sinto-me a vontade de criticar seu texto sem querer reduzir seu pensamento a ele, porque se trata de um texto curto, que certamente não pretende exaurir o tema, mas acho que seria importante que essas contradições humanas, e não somente da evangelização, estivessem presentes nele, porque em minha experiência aqui, onde pessoas têm se encontrado no evangelho, vale à pena assumir esse risco. Ou como eu gosto de dizer: o evangelho é o evangelho, apesar de mim. Mas, certamente, se algum dia eu não tenha mais essa convicção profunda, ou as pessoas aqui sejam esmagadas por minha atuação eu reverei meus conceitos, porque as minhas convicções são sempre as minhas diante dos outros.

Um abraço,

Rodrigo.

Robson Guerra disse...

Oi, Osvaldo

Eu, particularmente não acredito em evangelização, não mais. Pois penso que todo evangelismo é movido, lá no fundo, mesmo que inconscientemente, por um sentimento de intolerância religiosa. Não se suporta que o outro siga uma outra religião, um outro Deus, um outro sentido pra vida. O outro tem que ser igual a mim, seguir o mesmo Deus que eu sigo, senão é o inferno. O outro quando segue outro(s) é o inferno. Não há na evangelização qualquer consideração pela cultura e religião alheias. Por conta disso, não acredito mais em evangelização.

Acredito, isso sim, em missão humanitária. Em missão cujo objetivo seja levar dignidade àqueles que a perderam por conta de tantas opressões - inclusive as religiosas - que vivem em miséria em todos os sentidos. Levantar o caído e ajudá-lo a caminhar por si mesmo. Isso eu defendo e acredito.

Missões religiosas: out
Missões humanitárias: in

Um abraço

Robson Guerra

Blogue Cast disse...

Olá Osvaldo, para explicar melhor meu posicionamente sobre seu texto eu escrevi outro texto aqui: http://rgpinheiro.blogspot.com/2012/01/ainda-sobre-missoes-e-imperialismos.html.

Um abraço,

Rodrigo.

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