1. De quando em quando, o termo "positivista" (ou neopositivista) é sacado "contra" mim. Trata-se, no caso, de uma "censura", de um juízo apresentando em contexto "pós-moderno", a denunciar, em mim, uma crença sobrevivente - e anacrônica - na "objetividade". Deseja-se que o passado e as coisas fiquem lá, e nós, cá. Deseja-se que o passado seja uma quimera inalcançável, mas, ao mesmo tempo, plasmável - porque todos os que me censuram o suposto positivismo enrolam seus corpos no passado, e o trazem para cá, cheios de citações: mas o positivista sou eu, porque eu quero fazer esse passado voltar a ser o que ele foi...
2. Aí, deparo-me com um trecho de A História em Migalhas, de um historiador de quem gosto muito, François Dosse. Falando da terceira autocrítica que a "escola" dos Annales aplicou a si mesma em 1989, isto é, de um período "neopositivista", em que a revista teria se dedicado a números, a mensurações, a sopesagens, em detrimento "do humano", Dosse comenta:
Esse neopositivismo deixou um pouco de lado a dimensão humana da história, a capacidade de autonomia do indivíduo em relação a tudo o que o condiciona e que lhe permite formular e inscrever-se no real a partir de práticas singulares (François Dosse, A História em Migalhas, p. 11 [Prefácio à edição brasileira]).
3. Ora, ora, ora... Se eu adotar essa diferenciação que faz Dosse, meus amigos, todos, que me classificam de "positivista" ou "neopositivista" fazem papel de bobos. Nesse trecho, "neopositivismo" assume um caráter estruturalista - o sujeito humano some sob as medidas, a longa duração, os números. Ora, meus amigos, todo meu trabalho - todo! - não é outra coisa que não a busca pelo humano, pelo acontecimento singular, de tal sorte que minha página de trabalho bíblico chama-se "ouviroevento". Que evento? Aquele acontecimento em que alguém escreve, dentro do qual e apenas dentro do qual o sentido histórico disso que foi escrito pode ser recuperado - sem as criações imaginativas e alegóricas das recepções futuras (que pouco me interessam).
4. Não há outro modo de recuperar esse "humano" - salvo acreditar na pesquisa, na objetividade metodológica publicamente controlada, logo, num resíduo "positivista"/"marxista". Não - as correntes pós-modernas de narratologia histórica e as abordagens (apologias) da imobilidade pós-moderna não darão conta, pelo contrário!, de recuperar o passado... Mas como me divirto ao ouvir meus "críticos" a citarem autores do passado...
5. Talvez eu possa ser melhor definido pelos autores que admiro. No final da página de Peroratio, lá está um cubo de fotografias - ali vão seis autores que admiro e tento acompanhar: Edgar Morin, Mircea Eliade, Carlo Ginzburg, Domenico Losurdo, Marcel Detienne e François Dosse. Meu Deus! São - todos! - historiadores em sentido forte, em sentido quase (se não já!) marxista, materialista, crítico. Isso sou eu, isso é o que tento ser. Porque, para mim, os seres humanos não são apenas reais e relativamente autônomos - são recuperáveis, através do som que deles nos chega desde o passado...
6. Eu, ainda, o ogro de Bloch...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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