quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

(2011/105) "Vade retro, Modernidade!"


1. As Idades anteriores à Idade Antiga duraram centenas de milhares de milhões de anos. Uma infinidade. Mil milhões de Matusaléns caberiam dentro delas...

2. A Idade Antiga durou quanto tempo? Não sejamos exigentes - aceitemos aproximações retóricas: tome lá uns 5.000 anos. Não se pode querer po-la a ombros com as Idades anteriores - essa, mede-se em dias humanos. E, sabemos, os dias humanos são breves, parcos, mínimos. Nesse sentido, 5.000 anos é uma longa história - e tanto, que dentro deles caíram Impérios inteiros...

3. A Idade Média tem uma duração menor, mas, ainda, respeitável. Dizem que vai de 476, com a "Queda de Roma", até 1.453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos. Que seja. Mil anos - um dia de Deus, vá lá... Duas Histórias do Brasil, em outros números. Aqui há uma curiosidade - se levarmos em conta o nome do movimento cultural que caracteriza o final desse período - Renascimento -, e se ainda acrescentarmos a isso o seu lema: retorno à era greco-romana, veremos, aí, uma negação da própria Idade Média, tratada como "túmulo", e teríamos a extensão da Idade Antiga para 6.000 anos.

4. Conquanto a data seja 1453, Renascimento e Reforma marcam o início da Idade Moderna, que, convenciona-se dizer, teria acabado em 1789, onde começa a Revolução Francesa. Ora, que coisa estranha - se a marca da modernidade é a crítica e a democracia, por que terminar a contagem justamente onde ela começa? Nietzsche ainda tem convulsões terríveis com a democracia que, para ele, é o mal moderno... o diabo da vez...

5. De 1789 em diante, convencionou-se chamar de Idade Contemporânea. 200 anos. E que pressa estamos de sair desses dias. A moda é pós-modernidade, Era Pós-moderna. 200 anos e nem a metade do mundo conheceu os valores produzidos aí - nem a crítica, nem a democracia, nem a emancipação humana. E, todavia, quanta pressa de abandonarmos esse porto. Por que será?

6. O que há na modernidade que faz com que queiramos sair dela tão depressa? Usamos laptops, Internet, celulares e smarts, automóveis, cartões de crédito, aviões, televisores e rádios, usamos tomografias computadorizadas, criamos próteses, curamos doenças, emancipamos escravos, caminhamos para a emancipação feminina, diminuímos sensivelmente a pobreza - e, todavia, quanta vontade de sair desse porto... Por que será? Não será, decerto, pelos males que restam ser corrigidos, porque nunca antes o foram - de modo que saudades disfarçadas de utopias não soam muito elegantes...

7. Será, com efeito, um vestígio da Idade Média, uma síndrome de "arautos do divino", isto é, um pathos teológico? Será uma síndrome do sacerdote, um desespero pela ameaça de emancipação das massas, uma revolução das ovelhas, um esvaziamento das liturgias alienantes? Qual será, Deus nosso, a razão pela qual a Modernidade tem, contra si, tanto livro e revista?

8. Quanto a mim, sinto-me em casa. Não sei para onde vamos - não sei. Mas sei de onde vim. E, para lá, desgosta-me pensar em retornar. Gosto do nosso modo de viver, conquanto haja ainda muita injustiça, muita opressão. Há. Mas também entre os que se nomeiam pelo nome de Deus, de modo que toda a pregação teológica me soa desagradável aos ouvidos, uma desagradável sinfonia de dissimulação do próprio pecado. Cansa-me ouvir de alguém que eventualmente tudo pode as mais criativas justificativas para que nada faça - não fez ontem, não faz hoje, mas fará amanhã... Ai dele, se não crerem que amanhã ele fará, não é verdade? E talvez seja essa feição da Modernidade que assusta tanto: o fato de que, dentro dela, sabemos que não se pode dizer, com escrúpulos, que ele fará alguma coisa, porque ele somos nós, e, se fosse para fazermos alguma coisa, há muito que teríamos feito... Mas é que há tanto templo a construir, tanta pedra a quebrar, Yahweh, disse o "profeta", e esse povo querendo cuidar da própria vida...

8. Vade retro, Modernidade! Vade - e deixai-nos em paz... Amém!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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