terça-feira, 14 de dezembro de 2010

(2010/635) Palestra de Richard Dawkins no TED - por um ateísmo militante


1. Divulgo a palestra de Richard Dawkins, antiga, já, de fevereiro de 2002, e que veio à tona num post do site do Nassif sobre ateísmo. A palestra foi no TED. Acho que vale a pena assistir ao que Dawkins tem a dizer. Todavia, eu considero que algum tipo de militância ateísta, nos termos em que Dawkins propõe, pode incorrer no equívoco a que Marx incorreu, quando considerou que a religião - e, se não me equivoco, ele a tratou genérica e essencialmente - seja o "ópio do povo", quando, a rigor, a religião, apesar de, sim, concordo, ter essa faculdade de entorpecer as massas - é o caso clássico do Cristianismo majoritário - tem, também, o poder de despertá-las, como ocorreu eventualmente dentro do Cristianismo, e, nos últimos 50 anos, na América Latina, no caso específico da Teologia da Libertação.

2. Não é curioso que, ao mesmo tempo em que Marx declarava que a religião era ópio do povo, Nietzsche declarava o ressentimento religioso cristão como culpado pela moral e revolta dos escravos? A religião, enquanto sistema social, tem lá suas mazelas, e dentre elas se pode contar a inimizade visceral que ela tem em relação à ciência, que Dawkins menciona - mas, nesse caso, não seria a religião cristã, apenas?, ou, se desejarmos ampliar o espectro, as religiões doutrinais e catequistas? Não vejo como o candomblé, por exemplo, seria inimigo visceral da religião, ao passo que estou informado sobre a batalha campal criacionista no país de Bush e Obama. Pessoas religiosas não são necessariamente más nem necessariamente não-inteligentes (tanto quanto pessoas não-religiosas!), conquanto as religiões possam fazer delas, sim, pessoas más e não-inteligentes, tanto quanto podem fazer delas pessoas boas e inteligentes: não acho que seja a questão da religião em si, mas de que religião, de que tipo.

3. Todavia, posso estar errado. Seria necessária uma pesquisa para levantar os dados. Trabalho com a história da religião e da Filosofia, mas nossos dados aqui são muito pouco empíricos. Por outro lado, eu compreendo o sentido de desvantagem absurda que Dawkins sente ter em relação aos teístas. Penso que sua conferência esteja marcada por essa sensação de "gueto" a que ateus são submetidos por força de uma cultura religiosamente aguerrida. Entendo que Dawkins queira voz para seu grupo, e eu respeito seu direito de voz.

4. É todavia sintomático que Dawkins termine sua fala com uma reflexão a respeito do 11/09 - ele falava em fevereiro de 2002, e, por isso, é compreensível que o evento das Torres Gêmeas estivesse fresco em sua prédica. Você perceberá, se percebi corretamente, que Dawkins atribui o atentado à religião (islâmica). Ele termina sua conferência tocando no tema da respeitabilidade com que a religião é tratada, o tabu de não se tocar nas suas feridas, em não se ter a coragem de declará-la perigosa, e, então, à luz de sua interpretação de que o 11/09 seja fruto da religião, ele conclui que chegou a hora de se ser menos respeitável com a religião. E eu acho que aí vai um grande equívoco...

5. Se a fé islâmica animou o 11/09, isso não quer dizer nem que o Islã o anime, nem que a religião, enquanto cultura, o faça. Trata-se de um uso conscîente de valores religiosos, porque há um potencial de morte nas religiões, quando elas estabelecem como sumo valor a divindade, de modo que qualquer homem, mulher, cultura, que seja interpretado como inimigo da divindade, perde a essência própria, o valor intrínseco, e torna-se passível de morte por força de movimentos de fé fundamentalistas. Todavia, a mesma religião que manda matar em nome de Deus, o Cristianismo, por exemplo, nos termos de várias passagens de seu Livro sagrado, é também a mesma religião que afirma, em passagens de seu mesmo Livro sagrado, que qualquer que diz amar a Deus, mas aborrece seu irmão, é mentiroso. Ora, isso deixa claro, não deixa?, que o problema não é nem o Livro nem a religião em si, mas o que se faz com eles, como, por meio deles, se educam os homens e as mulheres religiosos.

6. É como a Física. Os homens inteligentes, porque, segundo Dawkins, 93% deles seriam não-religiosos, construíram a bomba atômica, e suas mãos estão manchadas com o sangue de Hiroshima e Nagazaki. Vamos pregar a extinção da Física e dos físicos? É a Física má? Não, ela tem potencial liberador e potencial assassino - tudo depende de como será usada, e por quem. A guerra química, por exemplo: quem há de produzir as substâncias que matarão milhões? Não será um religioso enquanto tal, mas um químico, um biólogo, um colega de Dawkins - e, por isso, vamos acabar com a Química e a Biologia? Penso que vale o mesmo para a religião - valor cultural milenar. Até onde sabemos, nunca houve povo, tempo e lugar em que ela não estivesse, porque faz parte da estrutura de pensamento humana - sim, ela pode ser transformada, e deve!, mas não será extinta. Seu potencial de maldade equivale ao potencial de maldade da alma humana, que ela pode acentuar, assim como seu potencial de bondade deve-se ao potecial de bondade da alma humana, que ela igualmente pode fortalecer. Disse-o Edgar Morin, e eu com isso concordo: "a barbárie humana engendra deuses cruéis que, por sua vez, incitam os humanos à barbárie" - e, na seqüência: "porém, essa possessão pelas idéias religiosas não se deixa reduzir a um único aspecto, a barbárie. Os deuses que possuem os crentes podem obter deles não só os atos mais horríveis, mas também os mais sublimes" (Egar Morin, Breve História de la Barbarie en Occidente, p. 14-15). E Morin é ateu, meus amigos...

7. O que me parece conveniente é educação - e educação crítica, cidadã, responsável. Principalmente para religiosos. E, todavia, ai!, estão os religiosos - evangélicos e católicos - torcendo para que o ensino religioso invada as escolas... E para quê? Para "se" educarem? Não, para fazerem de crianças indefesas um projeto de futuro redil ideológico... Nesse sentido, eu penso que a religião deveria ser ensinada, sim, nas escolas, como sistema cultural, e todas, todos os seus fatos e a sua história universal, mas, jamais, como catequese, fé, confissão.

8. Bem, mas que você quer é Dawkins. Ei-lo - para seu juízo.







OSVALDO LUIZ RIBEIRO

2 comentários:

Cristianismo Livre disse...

Caro Osvaldo, espero que tudo esteja bem contigo e com seus familiares.

Aqui me pergunto qual seria o discurso de Dawkins ao deparar-se, seriamente, com o mundo noologico de Morin? Esse pensamento sectarista e "positivista" mudaria, ou é fundamentalismo científico em contraposição ao fundamentalismo religioso?

Eis a questão, se lhe aprouver digite...se não o silêncio...

Abraço.

Peroratio disse...

Penso que Morin trate o tema "científico-humanistamente". Dawkins, politicamente. Daí minha discordância com o programa de Dawkins, não por considerar que ele não tenha direito, tem, mas or esperar que um cientista tivesse, por isso mesmo, mais lucidez. Dawkins acha que o enfrentamente resolverá a questão. Por outro lado, admito que o que se faz com a idéia de ateísmo tem mesmo a dimensão denunciada por Dawkins.

Agora, se você leva a sério Morin, não dá pra continuar pensando teologia como antes de Morin de modo que a crítica de Morin é mais eficiente...

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