sábado, 11 de dezembro de 2010

(2010/626) Eu (quase?) tenho ouvidos para esse sermão


1. Isso independe do pregador em questão, a coisa tem a ver (mais) diretamente com o que é um sermão em si, mas a verdade é que há muito, muito tempo, não empresto meus ouvidos a sermões, mesmo quando os ouço. Estar presente em um culto em que haja pregação não é a mesma coisa que dar ouvidos a ela. Poucos sermões se salvam, se algum se salva, quando você já ultrapassou a linha da adesão, da rendição - e eu já a ultrapassei faz tempo. Penso que as almas independentes são imprestáveis para o modelo litúrgico-homilético, porque ali se pressupõe um trilho que sempre dá na mesma estação... Não importa o malabarismo retórico - você já sabe onde vai dar a trilha... O dogma, a meu ver, é o coveiro do púlpito.

2. Quando alunos me perguntam sobre Deus, eu pergunto se eles querem saber o que eu sei sobre Deus ou o que eu acho que creio, e, então, eles dizem sobre o que eu sei, e eu digo que não sei nada. Ninguém sabe nada sobre Deus (seja o Papa, seja Rick Warren) - e se diz que sabe, mente para si e para nós. Eu confesso: não sei absolutamente nada sobre Deus, sequer se existe. Mas, se querem saber se eu acredito, aí a história muda, porque, sim, acredito. Não, não acredito mais do modo clássico, mas eu mesmo vou lutando com minhas crenças, numa luta diária, uma luta de vida, como a luta que esse "vigário da Igreja da Inglaterra", Tom Honey, revelou ter, após o tsunami, só que eu a travo há bem mais tempo...

3. Trata-se, literalmente, de um sermão, mas de um sermão que eu (quase?) posso ouvir, porque apela à minha consciência livre, como pensador, e expõe e deixa a nu todas as incoerências da fé. Eu (quase?) posso ouvir esse sermão, porque o pregador não está me forçando a crer no incrível, a disfarçar a implausibilidade de doutrinas anacrônicas. Eu (quase?) posso ouvir esse sermão, porque ele é atual, é contemporâneo, é lúcido. Eu (quase?) o posso ouvir, porque ele não me atinge como um band-aid medíocre, conquanto ele se aproxime da dor com reverência e cuidado.

4. É curioso como as aulas de aconselhamento pastoral poderiam ouvir esse sermão, mas não as de Teologia Sistemática - o que revela como a própria "Teologia" confessional está rachada dentro de si. E a grande culpada é a síndrome de conquista do mundo, que faz com que, no recôndito da dor, revelemos nossa incapacidade de dar qualquer resposta satisfatória, mas, diante dos holofotes da conquista, palremos qualquer baboseira doutrinária e evangélística, em nome da missão.

5. Quando Tom Honey se afasta do púlpito, ao final, eu fico sozinho, com meus pensamentos. Quando ele declara "eu não sei", eu me vejo a mim mesmo, afirmando a mesma coisa - "eu não sei". Curiosamente, essa foi a maior lição que a Teologia me deu - "eu não sei". E essa lição eu já a tenho desde minha formatura, quando afirmei que eu saía do curso de Graduação sem saber, afinal, quem era aquele que eu julgava conhecer intimamente quando ingressara no curso. Até aqui, a Teologia e a vida me serviram justamente para isso - para revelar-me a mim mesmo que "eu não sei".

6. Mas eu ainda guardo esse encantamento no peito e nos olhos. Eu ainda reconheço que esse "eu não sei" vale para os dois lados: eu não sei se sim, mas eu também não sei se não, de modo que é um "eu não sei" intransitivo, digamos assim, que pára diante da porta da catedral... Alguma coisa entre fé-enquanto-encontro e ceticismo controlado.

7. Mas os deixo com Tom Honey, eu os deixo com o tsunami...



(para ler as legendas, clique em view subtitles, e escolha "Portuguese")



OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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