segunda-feira, 10 de maio de 2010

(2010/376) Símbolo - entre política e estética: sobre crises apocalípticas e cosmogônicas


1. São 7:57, quando começo a escrever, nesta segunda chuvosa do Rio de Janeiro. As plantas que Bel tem plantado gostam. Elas me sorriem pela janela, que Bel enfeitou a visão do fundo da casa com um pequeno jardim verde nos fundos, meu jardim de inverno particular.

2. Saio da cama apenas para entrar em contato com o chefe e com um subordinado. A gripe se vai indo, mas me manterá em descanso mais esse dia, o quarto - oxalá, o último! E eis que me deparo com a reação de Haroldo à conversa que Jimmy e eu desenvolvemos. Que alegria! Meu amigo Haroldo me diz perspicaz, mas sua pena não fica a dever...

3. Primeiro, desde a aprazível Goiânia, me acaricia a face amiga, e me depõe à mesa dois bons-bocados, para agradar o bico. Na seqüência, transcreve, rubra, uma declaração minha.

4. Adverte-me que o mito não é apenas político. É político, também, mas, ao modo de Haroldo, "é mais que isso". Ser mais que isso, isto é, ser mais do que "meramente" político, é ser (também) [ - e a isso se resumiria a questão - ] "estético": "Quando a certeza da verdade do mito se vai não perdemos somente uma 'ilusão política'; perdemos uma determinada construção simbólica, existencial. Com sua perda pendemos sobre o vazio ou ficamos, talvez saudosos, ainda a observar o 'eclipse de Deus'". "Uma determinada construção simbólica", uma roupa, com a qual nos vestíamos a nós mesmos, roupa essa que, malgrado ter sido confeccionada na alfaiataria da cultura, eram nossas as linhas e os tecidos que, de uns tempos pra cá, a coseram e cerziram.

5. A Estética dá conta da relação do sujeito consigo mesmo, por meio do objeto estético. Tudo e qualquer coisa pode tornar-se veículo da expriência estética - até a morte, e mesmo as idéias. Nas minhas últimas conversas com Alessandro Rocha, insistiu-se na necessidade e função sine qua non do objeto estético, diminuindo a relevância teórica da relação eu-eu nesse tipo de experiência, fazendo com que a estética se aproximasse da experiência heurística, privilegiada esta pela relação eu-objeto. Essa não me parece uma boa tentativa de tornar Heurística e Estética na "mesma coisa". A Heurística tenta tomar o objeto "tal qual ele é", conquanto os tentáculos da operação sejam, além de sensoriais, também hermenêuticos - mas isso é ser humano! Já a Estética, ah, ela recria, compõe, reveste, recobre, plasma, metamorfoseia, transveste, inventa, engrendra, tece - seu objeto à sua própria imagem. Não fosse ela uma operação sadia da Loucura, seria a Própria! E por isso é a mais humana - se não a única Humana, dentre as três irmãs, porque conhecimento e política ha na Natureza. Mas Estética?...

6. Haroldo é preciso: "Não fundamentais em si, como nada é, tornam-se fundamentais pela intenção da consciência". Sim, sim, meu amigo, sim! É a nossa consciência que as faz fundamentais! Perfeito! Mas - ah, meu adorável amigo, percebes que a nossa consciência só pode fazê-las fundamentais... para nós mesmos? Minha consciência não pode - não dispõe desse poder! - estabelecer questões fndamentais para os "outros". Só para si. Ao menos as questões de que você sasbe que fala - as existenciais. As questões fundamentais políticas, culturais, civilizatórias, bem, essas são coisas da ágora, são coisas que as ondas do mar trazem para a praia, e levam, em sem eterno folguedo, ora por meio da espada, ora por meio da TV - e, por que deixá-los de fora, também por meio de livros e blogs...

7. Em minhas últimas duas reações ao Jimmy, era justamente desse véu, dessa "rede da alma" - a política - que eu falava. Ora, ainda que seja possível, e é, naturalmente, a apropriação estética da verdade cristã, caros amigos meus, três doses de Heurística revelarão que são, antes que estéticas, verdades políticas todas essas verdades cristãs. No scriptorium, encontram-se a Heurística, a Política e a Estética. A Heurística revela para a Estética que a sua verdade era Política - e somente se mantinha viva mediante certas condições não-heurísticas. O que fará Dona Estética? Se entregará, pastoralmente, à metáfora, "por causa do rebanho"? Agonizará em retóricas de negação do óbvio, no argumento de que niilismo e Vazio são deuses tão fortes e míticos qanto Yahweh, de modo que... Ou sairá para um amanhecer renovado, para, como denuncia Haroldo, construir outro mito para si? Sim, outro mito, porque não há terra nua para o homem, também nisso Haroldo está certo.

8. Mas há uma diferença, Haroldo: não haver terra nua não significa a eleição de um mito, mito tão forte e "verdadeiro" que nos leve a choramingações, como se o fim do mito fosse o fm da narrativa que ele inventara... Não haver terra nua significa, apenas, a presença do mito - narrativas para com elas operarmos o real: novos mitos, mitos leves, mitos fracos, para não nos enganarmos mais, ou, quem sabe, para nos enganarem de novo.

9. Mas repara bem, Haroldo. Por mais que tenhamos medo de dizê-lo, por mais que estejamos cercados de ouvidos-alarme, prontos a denunciarem que o dissemos, por mais que nós mesmos tenhamos o receio da presunção, da arrogância, da prepotência - as manhãs não são as mesmas, meu amigo, não mesmo. Uma vez que se pôs a mão dentro das entranhas do mito, nunca mais se poderá olhar para eles como tais. O único risco seria não considerar que há certa - mas apenas "certa" - dose de mito também nessa metáfora de enfiar as mãos nas entranhas do mito. É, sim, um modo de falar, mas que revela, a seu tempo e modo, a condição ocidental da racionalidade. Que nao é fria, não. Que não é chata, não. Que é, tão-somente, filha da austeridade protestante...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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