sábado, 10 de abril de 2010

(2010/307) Quiasmo da Modernidade - ou a síntese da reação à crítica como fundamento do humanismo moderno


1. Seja o defeito de minha percepção, seja a sua maior virtude: o fato é que minha mente precisa pôr a tudo e a todos num "esquema" compreensivo, dentro e a partir do qual tudo e todos, de modo geral, são "compreendidos" e "analisados". Aprendi que não há como julgar nada nem coisa alguma, senão à luz de uma "situação" pré-estabelecida. As coisas não são. As coisas emergem como aquilo conforme aparecem nesse ou naquele contexto, nessa ou naquela situação. Quando observadas fora desse contexto, fora dessa situação, as coisas desaparecem - isso quer dizer que as "coisas", isto é, os objetos/resultados de nossa percepção hermenêutica, são fruto de nossa percepção situada - tenhamos ou não consciência disso. Como aprendemos desde Scheleiermacher, e como cosntatamos definitivamente em Heidegger (I), somos animais hermenêuticos.

2. Gostaria, pois, de aprensentar o modelo de minha percepção a respeito da Modernidade. É um ensaio gráfico - eventualmente, didático. Eis a imagem:

3. Meu gráfico - "Quiasmo da Modernidade" - assume a forma de um quiasmo, modelo retórico da tradição poética e profética da Bíblia Hebraica. Usei o modelo não como quem "usaria um modelo" (qualquer). Usei-o, porque percebo que houve uma inflexão a partir de Heidegger (I), e que essa inflexão - político-epiastemológica - tem, sob certo sentido, sob certa perspectiva, a estrutura de quiasmo: A - B - X - B' - A', estrutura essa em que ao A inicial corresponde o A' final, a que ao B inicial corresponde o B' final, e cujo centro "compreensivo" é o X central. Essa estrutura pode ser observada, por exemplo, em Ct 1,12-2,6 e em Jo 1,1-18.

4. Se o gráfico que criei for suficientemente analisado, dele se pode depreender as seguintes observações:

a) (A) A Pré-modernidade (Idade Média) caracterizava-se por uma Epistemologia da Norma, supostamente baseada em "Deus", mas, a rigor, de caráter platônico, acrítico, alicerçada numa estrutura gnóstica de Revelação e Tradição hierocráticas - cujo resultado político é a dissolvição do sujeito humano, transformado em "engrenagem" passiva. Lá, é "Deus" - o "não-humano" - o fundamento político, retórico, filosófico. O "homem" não existe aí - não enqanto "sujeito" de si, enquanto consciência de si. É o Império da Norma e do Não-humano.

b) (B) Após a Revolução Francesa (marco didatico) e Kant, a pré-modernidade desmorona. "Sapere aude", afirma Kant - a ousadia do saber, a petulância do saber, a autonomia do saber. Bem sabido: ousadia, petulância e autonomia do saber em face da Norma pregressa, em face de "Deus" - a rigor, em face da Igreja e da Coroa. Esse "momento" epistemológico é como que a puberdade do Homem - a explosão dos hormônios sexuais de uma "Humanidade" em processo de emancipação. Emancipado, o homem precisa buscar, descobrir, criar novos fundamentos. O primeiro - b(um) -: Schleiermacher - a compreensão humana é intersubjetividade, o saber humano é intersubjetivo, a verdade é psicológica, sobretudo, porque, a rigor, o fundamento, se não é "Deus" - nem, sobretudo, o "aparelho" hierocrático -, então só pode ser "outro" - ele, o pascalino caniço quebrado que pensa...

c) O sujeito intersubjetivo de Schleiermacher, contudo, era por demais flutuante, não-situado. Faltava-lhe pé, de excessiva cabeça ele padecia. Não que fosse errada a sua contigência intersubjetiva. Era, contudo, insuficiente: faltava-lhe o lastro material da intersubjetividade: - b(dois) - a História. Não, não é coincidencia que esses dois passos, Schleiermacher (Psicologia) e Dilthey (História) sejam marcas fundamentais do Romantismo: o Romantismo epistemológico é pai da solidão moderna, do grito definitivo da emancipaão dos filhos em face do Pai... Dilthey, pois, estabelece a hermenêutica da historicidade, acrescentando à hermenêutica da intersubjetividade de Scheleiermacher a informação de que a psicologia humana cresce no solo histórico do planeta.

d) E, com isso, chegamos ao centro do quiasmo. O Ser de Parmênides é triturado, moído, derretido - dissolve-se. No lugar dele, o ser-aí, o ser-aqui-e-agora, o ser-no-mundo. No lugar de Parmênides e Platão, Heráclito. É o fim de 2.500 anos do poder de uma "teologia" política (ocidental). Não há fundamento algum fora do próprio homem, fora da própria contingência, fora da história, fora do tempo - ao menos não algum a que ele pudesse recorrer. O homem é um animal, um acidente animal, temporal - mais do que temporário, e ele o é - ele é, sobretudo, cravado pela marca do tempo, preso no tempo, filho do tempo. O Primero Heidegger chegou ao fundo - ou ao cume - da inflexão. Não se pode ir mais longe do que foi o Hidegger de Ser e Tempo. O Sartre de O Ser e o Nada ainda mora aí, em Ser e Tempo - não lhe é estranho, abolsutamente... Ou se vive aí, doravante, ou se retorna...

e) E o próprio Heidegger retornou. Fez-se Segundo - b(um)'. Não pôde (?) conceber por muito tempo um sujeito histórico marcado pela singularidade, pela não-projetividade. Que pressões psicológicas - e políticas! - Heidegger deve ter sentido! Talvez tão fortes quanto aa do Kant da Crítica da Razão Pura, e tantas que exigiram a Crítica da Razão Prática, que, na prática, devolve "Deus" aos gestores da Norma ocidental... Heidegger, pois, não poderá reinventar "Deus" - e nem precisa, desde que devolva a alguma outra estrutura a mesma função que cabia ao mito. E ele encontra essa estrutura em Schleiermacher, mas virando-o do avesso: bastou inverter a fórmula - o homem emprega a linguagem, e estabelecer a inflexão: a Linguagem emprega o homem... É o primero movimento de reação epistemológica, de inflexão, de contra-revolução.

f) Contudo, assim como a psicologia da linguagem, de Schleiermacher, era por demais flutuante, pouco material, a Linguagem heideggeriana permanece uma "estrutura" quase-metafísica. Assim, tanto quanto Dilthey teve a função de assentar materialmente a episteologia intersubjetiva de Schleiermacher num solo histórico-material, coube a Gadamer a tarefa de fazer pousar a Linguagem estruturante de Heidegger num solo material-histórico - a Tradição. Há um paralelo perfeito, mas em sentido inflexivo e reacionário, entre Schleiermacher e Dilthey, de um lado, e entre Heidegger (II) e Gadamer - b(dois)' -, de outro. Lá, encaminhamento da reflexão para o encontro do animal hermenûtico solitário e todo-ativo, fundamento de todo conhecimento, de todo valor, de toda "norma". Aqui, uma dissolvição sub-reptícia desse fundamento humano, a sua des-ativação, a sua inutilização, a sua degradação, a sua subdeterminação a uma Linguagem quase-divina e a uma Tradição quase-estrutural (se não já) - (B').

g) (A') O resultado dessa inflexão materializa-se no esforço de expressão de uma assim aventada Pós-modernidade - esforço para a supressão retórica da crítica. Sejam quais forem as razões do engajamento pós-moderno (as suas fileiras testemunham a presença de representantes de escolas absolutamente tão diferentes quanto a Teologia "fundamentalista" e a crítica política às ciências), ele, o engajamento em si, concorre para a superação da característica fundamental da Modernidade - a crítica, a autonomia, a emencipação, a subjetividade fundante da heurística, da estética e da política.

5. Eu diria que a Pós-modernidade é a saudade incosnciente da Pré-modernidade. Talvez, a sua vingança. Talvez seja o cansaço, para falar dos honestos. Cansaço, sim, porque a Modernidade não é tolerante com a leniência. O preço que se paga pela Modernidade é a ininterrupta prática da reflexão crítica, incessante. Não há descanso possível para a mente moderna. Para a estratégia política, contudo, as razões para o esforço da superação moderna são outras: ser moderno, no sentido que aqui se sustenta, é ser autônomo, crítico, e a epistemologia crítica interpõe barreiras constrangedoras às manipulações de consciência próprias dos sistemas não-modernos. Há, pois, enormes interesses em jogo, interesses econômicos, políticos, pessoais.

6. Seja como for, eu me filio à corrente moderna, e não abro mão dela. Não posso retornar a uma Pré-modernidade - ainda que esteja enfiado dentro dela, seja como brasileiro, já que a cultura brasileira é de recorte pré-modero (medieval), seja por laborar no campo da Teologia, e, sem exceções de monta, trata-se da principal plataforma pré-moderna no campo do "saber" - mesmo a que opera no MEC há três décadas. Assim, nem enquanto brasileiro, nem enquanto teólogo, comungo com os valores epistemológicos da Pré-moderidade.

7. Por utro lado, pressinto nos esforços de defesa de uma Pós-modernidade as mesmas conjunturas finais colimadas pelos esforços de manutenção da Pré-moderidade: a dessipação de todo fundamento crítico. O resultado é o mesmo: quando o fundamento é Deus, não há como resistir, porque Deus é Deus. Quando não há fundamento algum, não há como resistir, porque qualquer argumento tem o mesmo peso, ja que não há, afinal, argumentos válidos e inválidos, há, apenas, balbúrdia e palavrórios político-interessados...

8. Tavez eu esteja errado nessa análise. Estou aberto a contestações críticas. Talvez eu esteja certo na análise, mas errado no partido que tomo. Estou do lado de Schleiermacher, de Dilthey e do Primeiro Hidegger, mas não caminho dois metros com o Segundo Heidegger, desconfio profundamente de Gadamer e não compartilho dos valores da Pós-modernidade aqui enumerados. Talvez eu esteja velho. Talvez, obsoleto. Talvez exerça apenas meu direito - juris esperniandi... Seja como for, resistirei. Resistir também é um valor moderno. Antigamente, desistia-se. Hoje, assiste-se. Mas, na modernidade, resiste-se. E eu - resisto.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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