domingo, 14 de março de 2010

(2010/223) Por que não sou músico


1. Não toco nada. Nem violão. Não, nem flauta doce... Não conheço ninguém pior do que eu, quando se trata de inteligência músico-motora... Acho que é problema de fábrica. Acho que é um defeito da planta. Lá em cima, na hora de me pôr na forma, alguma decisão superior mandou tirar, de minhas engrenagens, a habilidade musical. Mas deixaram, e talvez tenham exacerbado, a sensibilidade, a emoção, a hiper-sensibilidade, a super-emoção... Eu acho que, se eu tocasse piano, esse mesmo, como Amy Lee, eu acho mesmo que não agüentaria, acho que eu explodiria, literalmente... Assistir às perfomances desses músicos me produz um efeito evassalador na alma. Posso sentir a modificação cardíaca, da circulação, da respiração, dos hormônios... Sou, literalmente, tomado. Acho que eu enfartaria, de emoção, transportado para outro mundo, transladado para outras esferas, para nunca mais, se eu tocasse. Porque errou na dose de sensibilidade, Deus achou prudente aleijar-me as mãos. Queria-me vivo.

2. Acho que é por isso que eu chorava tanto, nos cultos, na década de 80. O que havia ali era essa música profundamente sensível, profundamente encantadora. Fui perdendo a capacidade de chorar choro litúrgico, e fui me deixando enganar pelo fato de achar que eu ia perdendo a espiritualidade... Mas não foi nada disso: foi a música litúrgica que se estragou, perdeu-se, morreu, de modo que toda a minha emoção voltou-se para a sacralidade notável das melodias de qualidade, não importa se clássicas, se populares. É a beleza, a mão suave da habilidade, que me faz chorar. Minha liturgia nada tem a ver com narrativas mitológicas ou doutrinas racionalizadas - tem a ver com a sensação de perceber as notas me tocarem a pele, a me invadirem os poros, a percorrerem minhas veias, a beijarem-me o córtex. Sim, é isso - essa é minha liturgia possível. Esse é o culto que me resta...

3. E porque só os vivos (te) louvam, ó Deus, impediste-me de tocar qualquer coisa, porque, se eu tocasse, eu morreria de morte litúrgica...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

Um comentário:

Robson Guerra disse...

Já ouviu Pat Metheny?

Eu gosto muito. É um dos maiores guitarristas de Jazz do mundo.

Suas melodias e improvisações são maravilhosas.

É só ir no youtube e verificar.

Toquei uma de suas músicas no meu casamento pra minha Cris entrar... Foi emocionante... Foi a música "Travels". Linda.

Um abraço!

Robson Guerra

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