1. Oba! Pleno domingo, e Haroldo dando o ar da graça... Eu até interrompo minha caça pelos nudibranchia (Deus, como o Google vai transformar o mundo!), para interagir com meu amigo.
2. Haroldo diz "corrigir" posição anteriormente sustentada ((2009/303) Parecer Mec) a partir de minhas reações a ela ((2009/304) Haroldo e PARECER CNE/CES Nº 118/2009 - I e (2009/308) Haroldo e o PARECER CNE/CES Nº 118/2009 - II). Trata-se de uma "correção", porque avança do conceito de "momentos e lugares de interdisciplinaridade" e postula, então, um "estado e um lugar perenes de interdisciplinaridade". Isso vai ali pelos parágrafos 1 e 2.
3. No parágrafo 3, Haroldo tece comentários sobre "conteúdos mínimos", e, quanto a isso, afirma duas cosias: a) a incompetência político-republicana do MEC para intrometer-se aí, e b) a necessidade de os atores da teologia universitária reunirem-se em torno da tentativa de estabelecer, por diálogo e consenso, uma padrão curricular comum para seus respectivos Cursos de Graduação em Teologia. No parágrafo 4, Haroldo avança para estabelecer uma distinção topológica entre uma Teologia que se fizesse em Universidades privadas e outra que se fizesse em Unviersidades públicas. Quanto aos cursos que já praticariam uma Teologia inclinada a esse parâmetro, Haroldo há de saber mais do que eu, posto ser um dos avaliadores oficiais do MEC para Cursos de Graduação - e e, não. Todavia, com base apenas nos artigos-manifestos publicados no Brasil nos últimos dois anos, a(s) proposta(s) que aí se defendem - sem exceção - operam, ainda, todas, sob o regime de "conteúdo", e o resultado é, inescapavelmente, um "acordo" com a "tradição" e a "doutrina" (ainda que, aqui e ali, o que me parece ainda mais grave, sob o disfarce da "metáfora").
4. À luz desse quadro, cabe-me, por momento, argumentar. 1) A "correção" que Haroldo faz é pertinente e, talvez, constitua apenas uma adequação do modo como se pronunciara antes. Seja como for, é impensável uma Teologia que abra janelas pseudo-dialogais, a que chamaríamos "tempos e momentos burocráticos de interdisciplinaridade", para, depois, re-encenar velhas tradições não-criticadas e "cripto-eternas" - de portas fechadas e preparando o programa missiológico...
5. 2) Quanto à distinção entre públicas e privadas, tenho minhas sérias preocupações. Não vejo essa distinção - exceto pela qualidade, mas isso é outra questão - aplicar-se aos cursos das demais ciências. Antropologia no Museu Nacional é diferente de Antropologia na PUC? Economia, na FGV, é diferente de Economia, na UNICAMP? Sociologia, no IUPERJ, é diferente de Sociologia, na UFF? Não falo de "correntes" - falo de paradigma epistemológico, falo de Ciências Humanas. Quero com isso apenas dizer que o MEC não pode - salvo engano - permitir "reserva" de mercado para "Instituições" privadas, porque não são elas, as Instituições - sejam as mantenedoras, sejam as IES - as detentoras do "pátrio poder" sobre a "disciplina" Teologia. Quem pensa a disciplina, quem a limita, configura, postula, organiza, sistematiza, constrói - somos nós, "profissionais" da Telogia, ainda que o espaço em que nos manifestamos formalmente seja ali.
6. Assim, não posso conceber - mas talvez seja limitação ou super-exigência de minha parte, vai ver peco ou por excesso, ou por limitação - uma Teologia pensada e praticada em Universidade particular e outra Teologia, diferente, pensada e praticada em Universidade pública. E com isso ainda quero pensar nas Instituições confessionais - que sentido faz estarem no MEC para ensaiarem catequeses proselitistas ou, na melhor das hipóteses, para racioalizarem sobre velhos mitos e dogmas, que, nesse sentido enesses teros, só dizem respeito a essas mesmas tradições, se isso não se constitui, deveras, "verdadeira ciência"?
7. Penso, Haroldo, que o MEC, e, nesse caso, o MEC enquanto hipóstase formal e oficial de nossa reflexão e debate, não pode "negociar" exceções: ou as Universidades e Faculdades privadas pensam e praticam Teologia universitária - científica, acadêmica (científico-humanista) -, ou não abram o curso. Os "colégios" confessionais que mantenham curso(s) de formação ministerial, e está muito bom, porque é a isso, afinal, que se resume o que têm chamado de "Teologia".
8. Reconheço minha "intransigência", meu amigo. Não o sou tanto em questões ético-políticas, mas, quanto à heurística, ou o que se faz é pesquisa, ou não é. Assim como há "Histórias" compradas e pagas por Estados e Instituições - as quais não passam de política e fraude. Também haverá uma Teologia que tente driblar a seriedade, as regras indiciárias da investigação histórica, o paradigma histórico-antropológico kantiano-diltheyano. As Universidades públicas não estão a salvo delas, mas, cá entre nós, seu ninho são as particulares - onde os "donos" da tradição, pastores, teólogos, bispos, padres, "apóstolos", Deus e o Diabo, hão de se aproveitar - já o fazem - do MEC - logo, de você e de mim, de nossas carreiras e seriedade - para manterem a a produção viciada de consmo político-ideológico - dito "religioso".
9. Isso não pode ser permitido. Se a Teologia científica - que não nasceu ainda, tavez, vá lá, você diz que há delas por aí, sendo ensaiadas, vou crer-lhe - não nascer incontaminada, nunca mais a descontaminaremos. Ainda que "sin perder la ternura jamás", Haroldo, essa é, sobretudo, a hora em que "hay que endurecerse". Assim, meu lema, aqui, é: por uma única Telogia científica, privada e pública, posto que a Teologia não deve existir para as Universidades, mas as Unviersidades, para a Teologia - e esta, quem a deve conceber e parir, somos nós.
10. Finalmente, considero que sua recomendação a que os atores da Teologia acadêmica - cristãos, umbandistas, kardecistas e quanto mais venham ao festival - sentem e discutam juntos essa (por minha conta) nova disciplina seja o melhor de seu já muito bom post. Aqui reside o que de melhor se pode fazer nesse momento - pôr em uma sala, reunidos, teólogos dessas tradições díspares e, até, antagônicas - monoteísmo e politeísmo juntos! -, com alguém a lhes dizer que, a despeito do que dizem de si mesmas e das outras, fazem, todas, a mesma coisa, porque não se trata de falar de deuses e de deusas como que "de verdade", mas de deuses e de deusas conforme os concebem os homens. A Teologia, Haroldo, vai se transformar em Noologia - e esse terá sido o feito mais extraordinário de um homem - Feuerbach - depois que o primeiro homem ou a primeira mulher inventaram de dar nome a um impulso hermenûtico bio-antropológico.
11. Excita-me a idéia. A você, também? Nada que se fez até hoje, meu amigo, assemelha-se a isso. Não no campo da "Teologia". Claro que a Exegese passou por isso há duzentos e cinqüenta anos, quando transformou-se em Filologia (e, contudo, quanta recaída ela sofre, por força da sobrevivência do "espírito de Teologia", essa patologia e morbidez platônicas, entre nós...). Farejo no ar uma oportunidade. Ela é de ouro. Ela foi forjada pelo confronto subterrâneo de Aristóteles, trazido sobre puros-sangues árabes, com Platão, entronizado em Roma. Pariu-se Wittenberg, mas Platão - íncubo - possuiu a alma luterana, apoderando-se de seu "corpo" - de novo. A luta foi longa - quantos mártires... Três séculos de fermentação (França/Alemanha/Inglaterra). A Revolução! As Repúblicas! Nós. Depois de milênios, Haroldo, tratando a Teologia como coisa dos deuses, chegou a hora de lidar com ela, definitivamente, como coisa humana - e não como "coisa humana" para se chegar aos deuses (ah, a retórica apologética do século!), mas "coisa humana" para lidar com e ficar na solidão humana, solidão tanto maior quanto maior é o grito pelo sagrado. Solidão fria que apenas o calor do corpo esquenta...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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