terça-feira, 26 de maio de 2009

(2009/295) Alunos de Harnack


1. É instrutivo - alunos de Harnack estiveram ligados às principais correntes teológicas do século XX. Cito três.

2. O "maior" de todos, lamentavelmente, eu diria, Karl Barth. O fato prova que não há "ensino", apenas, aprendizado - aprende-se o que se quer, e Barth não quis aprender muita coisa de Harnack, antes, utilizou-se de sua formação para contrapor-se à tendência "liberal" da Teologia. Pegou uma boa carona na corrente "fenomenológica", apenas para sustentar aí sua vertente hegeliana...

3. Com todo respeito aos neo-ortodoxos e aos ortodoxos - uns e outros têm, de qualquer forma, ligações com o "movimento" do qual a Teologia dialética é uma expressão, a saber, a reação conservadora que se inicia desde aproximadamente 1850 e se completa com Barth -, o pai da Teologia dialética causou um tremento estrago na História da Teologia. É, naturalmente, compreensível uma reação tão marcada contra os regimes de emancipação da cultura que se esboçaram no século XVIII, se delinearam no XIX e se materializaram (definitivamente?) no XX - o XXI é uma incógnita. No entanto, pobre Teologia, experimentou um retorno à Idade Média, opinião e juízo que compartilho com Bonhoeffer.

4. Outro aluno de Harnack foi Dietrich Bonhoeffer. Esse, deixou-se marcar indelevelmente pelo "pai" - por exemplo, não podia mais desprezar, como negativo, o século XIX (que Barth simplesmente demonizava, como o fazem seus herdeiros, desnudos ou trajados de transparência presumivelmente opaca). É tão duro o golpe do XIX, mas tão profundo, que até a sua morte, em 1945 (a julgar pelo que escreveu até 1944), Bonhoeffer tinha, apenas, estabelecido a plataforma operacional da Teologia que se deveria praticar. Mas não teve tempo de aprofundar a intuição. Morre, prestando um tributo aos maiores críticos do Cristianismo - os cavaleiros do século XIX -, bem como tentando tornar pertinente uma tradição inteiramente elaborada sob e para o regime da heteronomia em um contexto, agora, de autonomia e maturidade intelectuais.

5. O terceiro filho que quero citar é Friedrich Gogarten - este, a meio caminho entre Barth e Harnack, evidentemente um pouco mais Barth do que Harnack, mas, ainda assim, alguém mais próximo da materialidade da "emancipação" - que ele chamava "secularização" - do que Barth. Não chegou a ser um Bonhoeffer, mas teve muito mais tempo para escrever e publicar "Teologia pesada". Para Gogarten, há uma seculariação boa e uma ruim, como o colesterol. A boa, naturalmente, é aquela que vê lugar para o Cristianismo como parceiro. A má, aquela que considera que, das duas uma, ou o Cristianismo se torna contemporâneo em seus regimes político-religiosos, ou caduca.

6. Bonhoeffer tem os olhos postos no XIX. Sua pergunta é: como adaptar o Cristianismo a isso? Que tipo de fé essa situação permite - se permite? Ou seja, Bonhoeffer "viu", amplamente, a situação do homem moderno. Gogarten lida com os mesmos fios, mas os quer amarrar sob o movimento contrário - como adaptar a "secularização" ao Cristianismo? Que tipo de emancipação o Cristianismo "tolera". É sempre a velha história de "onde está o seu tesouro"...

7. Teria sido interessante estudar com Harnack, um homem sem meias-palavras. E, contudo, nosso destino não estaria, por isso traçado, porque cada um de nós constrói-se a partir de seus próprios compromissos. Os interlocutores são, apenas, catalisadores de nossos instintos.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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