1. "A razão exige dos que são verdadeiramente piedosos e filósofos que, desprezando as opiniões dos antigos, se estas são más, estimem e amem apenas a verdade". Para você, caro/cara leitor(a), essas são palavras de:
a) Immanuel Kant, referindo-se às novas condições epistemológicas estabelecidas pela situação iluminista-empírica-romântica, isto é, crítico-transcendental, do ser humano, na virada do século XVIII para o XIX.
b) Edgar Morin, falando sobre a condição da verdade na era do Pensamento Complexo, que tenta a conciliação entre a filosofia e as cências, por meo de uma re-organizaão transdisciplinar do conhecimento humano.
c) Karl-Otto Apel, tratando da necessidade de articulação fecunda entre a hermenêutica do primeiro Heidegger e a semiótica de Peirce, o que significa dizer conciliar o empiriso crítico com o perspectivismo cultural.
d) Friedrich W. Nietzsche, que preconizava um retorno do pensanmento às suas condições telúricas/orgânicas de produção: mente, cultura, história, perspectiva.
e) Justino de Roma, considerado primeiro mártir do Cristianismo, falando da fé cristã ao Imperador Tito Élio Adriano Antonino Pio César Ausguto, em Apologia I.
2. "Estimem e amem apenas a verdade" (1). Mas, ai de nós, e se a verdade é como chamamos um sistema ideológico fechado, um sistema de idéias-verdades-reveladas organizadas em torno de uma epistemologia platônica e uma política sacerdotal, cujo argumento é a revelação e cuja chave hermenêutica é a alegoria monopolista a fé? Danou-se! Só a força há de conter o chá na xícara, porque qualquer um que olhar para o líquido fervente, há de percebê-lo envenenado (é por isso que nem a melhor moral do Novo Testamento, sozinha, consegue curar o mundo, porque a máxima de fazer ao outro o que se gostaria fosse feito consigo mesmo é justamente o que aí se faz - enfiar na cabeça do outro o de que se gosta até o êxtase... O Islã faz o mesmo, agora - e talvez mande no mundo em 2050).
3. Você deve fazer assim para que essa declaração caiba, certinha, na boca de quem a proferiu: estabelecer-se numa posição axiomática/axiológica como aquela que Müeller sugere para a "Teologia" - "desde fora". Lá de fora, então, você, ao lado de Deus, vê segundo a verdade - o que bem sabe Barth, herdeiro da fórmula citada. Desde aí, então, você alegoriza toda a tradição judaica, põe aí uns paramentos sobre o corpo, à moda dos sacerdotes, e sai a dizer a todos que Deus está contigo. Pronto. Meia dúzia de crédulos, e a coisa está feita...
4. Para romper essa casca, esse ovo do diabo, só alterando o modo como nos aproximamos do conceito de verdade - para Justino, pai da fórmula da perplexidade, a verdade é uma proposição revelada e de posse da Igreja - desde que a Igreja seja ele, Justino, naturalmente. Depois de Paulo, toda Teologia não-conforme é anátema, já sabemos, ele o havioa aprendido, enquanto espancava cristãos, e, agora, há de usar a seu favor...
5. A alteração necessária faz-se assim: a verdade, em lugar de ser conteúdo, é método. É tão-somente uma visada em direção ao real, sob certas condições negociadas. Substitui-se o conteúdo verdadeiro pelo processo "verdadeiro", isto é, pelo processo negociado pela comunidade de interesse pela questão da verdade. Um fundamentalismo de método, sim, mas um fundamentalismo aberto, quero dizer, uma discussão em torno dos processos epistemológicos necessários e possíveis para se obter a melhor visada possível do real. Isso - e apenas isso - é crítica. A isso - e apenas a isso - se pode, decentemente, chamar crítica.
6. É o que faz serem a mesma coisa tanto o fundamentalismo teológico-alegórico de Justino e o relativismo não-fundacional da contemporânea pós-modernidade: são defesas de conteúdos. Para a sustentação de seus conteúdos, a-críticos, o primeiro mata o que lhe aparecer à frente - eis a que se resume a História da Telogia -, e, o segundo, dá de ombros em face de quaisquer conteúdos, porque tudo é verdade (e se o negar, mente sobre ser não-fundacional). Nos dois casos, a verdade é a fé - e nega-se a quem quer que seja o diretio de criticar/analisar o conteúdo dessa fé.
7. Soa constrangedoramente despropositada, na boca de Justino, a classificação do amontoado de doutrinas como "verdade". Mas é comrpeensível que assim fosse, já que a verdade, aí, é puro platonismo solipsista. Igualmente o é a verdade pós-metafísica, para quem a água pode ter cinco ou dezoito átomos de hidrogênio... ou bismuto, tanto faz...
8. A racionalização é uma desgraça. O seu antídoto, a crítica incessante dos fundamentos e das retóricas, é nossa única esperança. Mas o que fazer quando os melhores dentre os envolvidos sequer se percebem em perigo?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
1. Justino DE ROMA, Apologia I, em: Justino DE ROMA, I e II Apologias e Diálogo com Trifão. 2 ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 2.
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