1. Chega uma hora em que você tem que parar, sentar e refletir a respeito de suas crenças e das crenças que estão à sua volta. A crença, qualquer que seja ela, no campo das religiões, depende, em ultima análise, ou de você entregar-se voluntariamente ao conteúdo do que esse "vidente" acaba de lhe dizer, ou de você se entregar às suas próprias "intuições" e "elucubrações" a respeito do divino - seja a respeito de "deus", dos "deuses", do(s) "não-deus(es)". "Crer" é - sobretudo - "crer no que alguém lhe disse" - até o Novo Testamento o sabe, quando afirma que "a fé é pelo ouvir"... Mas, ai, logo você esquece que crê no que alguém lhe disse, no que você imaginou (também "imaginou ter ouvido") e se deixa hipnotizar pela própria retórica fonte da crença - n que, então, a crença lhe captura como um orixá, e você dança a delirante dança.
2. Se você projeta para trás a série das crenças a que você se entregou, de você para seu vidente, de seu vidente para o dele, deste, para o que lhe serviu de visionário, e assim até a infinidade da correição dos crentes, haverá de chegar a um problema: e quem lhe contou, em primeiro lugar? Como Platão o soube, antes de todos? Nesse ponto, a "saída" vertical é instaurar aí a "revelação", se a cadeia é linear, ou tolerarem-se "chuvas de meteoros" a cair na cabeça dos iluminados na longa noite da civilização humana.
3. Hoje, contudo, é-se indesculpável. Apenas negociações neurótico-pessoais, do sujeito com ele mesmo, para falar da consciência pessoal, ou político-contábeis, do sujeito com o "sistema", para falar da política, podem levar a sério a cadeia da "revelação". Isso - hoje. Feuerbach, impiedoso, implacável, insensível - já disse tudo quanto a alguém sério o bastante para olhar-se frontalmente no espelho da emancipação é necessário: todo discurso religioso é hipóstase humana. Ponto. Próxima linha.
4. Assim, por que, eu pergunto, essa insistência da manutenão de uma "Teologia" cujo referencial retórico, seja ontologia, seja metáfora, seja "hermeneutica" - dá tudo na mesma -, é, ainda, um conteúdo supostamente extra-físico? Qui prodest?
5. Para uma mística metafísica, o limite da tolerância é Mestre Eckhart - a Teologia Negativa, em tudo semelhante à fórmula budista "se encontrares Buda, mata-o", e que a fórmula de Tillich - "Deus é simbolo para Deus" - apenas tenta, debalde, mimetizar. Mas, se você olha de perto, mesmo essa Teologia de recorte eckhartiano "sabe/acredita": ela "sabe" que Deus é de tal modo transcendente, diferente, que a palavra humana sobre ele pretensamente referida é pecado, de modo que o teólogo arranca a língua, cega os olhos, e vive em silêncio. Uma atitude ultra-reverente, mas uma ultra-reverência baseada num ultra-conhecimento. Porque não se sabe, absolutamente nada, a começar sobre se há alguma coisa do outro lado...
6. Todavia, isso é o que Eckhart diz de Deus, uma idéia que é ele a criar, ou é ele a daptar de outrem. Mas nada se acrescenta quanto a uma questão crítica acerca da real possibilidade de se falar do outro lado, porque ninguém pode chegar do outro lado, senão imaginá-lo, inventá-lo. Ora, e se o homem sabe que imagina, que inventa, por que cargas d'água não leva isso a sério? Alguém está a meter-lhe a faca à garganta? Mas quem, senão ele mesmo? Aí não está, desnuda e libidinosa, a "neurose" de que falava Freud?
7. O teólogo clássico engana-se a si mesmo, porque sabe do que se trata? Bem, se é um fundamentalista "ignorante", vá lá... Mas, e quanto a "nós", bacharéis, mestres, doutores? É-nos permitido o escudo de dizer-nos "ortodoxos" ou neo-qualquer-coisa? Mas a ortodoxia é nosso pecado!, aos neos, nossa vergonha...
8. O teólogo clássico engana a qualquer um que se aproxime dele, porque leva tal desaviasado a crer que se trata de conhecimento e informação isso que não passa de imaginação e arte - quando não é mentira político-econômia mesmo, do que o palco evangélico-pastoral está cheio. A política a que mete o teólogo clássico - a pregação - é um ato de lesa-humanidade, porque ele, ou mente para si (mas nós?) ou mente para os outros.
9. Uma teologia para hoje, seja para a Igreja, seja para o MEC, só pode ser honesta e nua: não sabemos nada, nem podemos saber, sobre aquilo que está a um milímetro do lado de lá do limite humano e histórico-cultural da raça. Se a Igreja persiste na pulsão de dizer saber o que é crença - que seja. Mas nós, no MEC, a primeira coisa que somos obrigados a fazer - e, se não fizermos de boa-vontade, que se nos seja imposto por alguém mais lúcido do que nós - é depositar no portal das ciências a vontade de crer. Não, aqui, impere a vontade de saber...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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