1. Ontem ainda, Zabatiero "avacalhava" comigo, sugerindo que minhas reflexões a respeito da "Teologia" estivessem contaminadas por um "ranço batista" - já que minha tradição cristã é essa. Quem sabe? Bem, uma coisa é certa - só há a possibilidade de a tradição batista marcar minhas reflexões sobre "Teologia" por meio do espectro do seu contrário, isto é, eu ter adotado uma espécie de aversão prostática ao literalismo quase-fundamentalista da "Teologia" que grassa em nossos manuais... Está bem, tiro o "quase", se vocês quiserem.
2. Mas alto lá. Não dá pra generalizar. Concordo que o grosso, hum, está bem, capitulo outra vez, que a esmagadora e inquestionavelmente hegemônica maioria da totalidade do que grassa em todos os nossos arraias "teológicos" tem essa tradição doutrinário-literal-dogmático-fundamentalista, herança de uma certa região sul não muito agradável - em termos políticos, claro - de uma certa nação do Norte, terra de Gog e Magog (ironia!)...
3. Não dá pra generalizar, não, porque há algumas coisas escondidas aqui e ali que, vou lhes dizer, é chumbo grosso nas fuças do sujeito literalista, sacerdotalista, ortodoxo, "crentão". Coisa boa, mesmo, de fazer a gente pensar.
4. Um desvio, e volto para esse ponto. Bonhoeffer morreu em 1945 e, em 1944, rascunhara as bases para a reflexão teológica mais ousada do século XX - "um cristianismo a-religioso para um mundo tornado adulto". Ninguém, nenhuma Teologia, nem do Norte, nem do Sul, nem do Leste, nem do Oeste - que eu saiba - chegou perto, continuou o trabalho, levou-a a sério. Enterrado o corpo assassinado de Bonhoeffer, ufa!, também a Teologia medieval, metida em trajes moderninhos, sim, mas de alma medievalíssima, respirou aliviada.
5. Pois bem: eis um princípio batista que se poderia empregar perfeitamnete bem numa Teologia que tentasse dar seguimento às reflexões ambiciosas de Bonhoeffer: "nem a maioria, nem a inoria, nem a unanimidade refletem necessariamente a vontade de Deus". Ah, meus amigos, olhem lá os sacerdotes, os pastores-sacerdotes, os teólogos-sacerdotes, de cara feira! Ah, com um princípio desses, como vou tocar o gado? Se eu não posso ter o cajado de Deus na mão, como posso pôr a pastarem as ovelhas?
6. Vamos raciocinar. Se nada reflete, necessariamente, a vontade de Deus, nem a maioria, sessenta em cem, nem a minoria, quarenta em cem, nem a unanimidade, todos os cem - como alguém, sozinho ou em grupo, vai poder dizer o que "Deus quer", o que "Deus decidiu"? Se esse princípio batista for levado a sério, o que acontece com esses pregadores indecentes e imorais de hoje? O que acontece com as manipulações político-pornográficas, travestidas em espitirualidade, que grassam em nossas assembléias?
7. Ninguém me contou - eu estava lá: sessão ordinária da igreja. Novo pastor. Primeira fala à congregação. "Irmãos, Deus me deu uma visão para a Igreja". Minhas tripas torceram-se. Quase vomito. O nome da visão era "Igreja com Propósitos"... Visão: fosse aquela congregação verdadeiramente batista, um lhe pegava pelos fundilhos, outro, pelos cabelos, e o jogavam lá no olho da rua. Mas não era, não, uma congregação batista, só tinha o letreiro na porta, de modo que ouviram-se aleluias e mãos farfalhantes ao ar. Alguns juram até que Deus esteve por ali, abençoando a patifaria, e registrou-se em ata e tudo... virou História!
8. Mas se aquela fosse uma congregação batista, de verdade, quer dizer, se levasse a sério esse princípio batista, esse de dizer que ninguém sabe de Deus nada não, nem os que dizem ter visões - ah, principalmente esses! -, nenhuma visão seria levada a sério, nenhum dedo mágico, nenhuma boca revelatória, apenas a reflexão, o diálogo, a crítica - alguma coisa parecida com o que Bonhoeffer começava a pensar.
9. Mas ele está morto. E os batistas também vão morrendo, todos. Vai-se substituindo (quer dizer, algum dia ele se materializou, saiu do papel?) essa tradição pelos modelos neo-pentecostais ou próximo-neo-pentecostais. O futuro, qual é? O pior possível - antevejo. Mas se é o que se quer, que se lambuzem. Talvez cheguemos ao fundo do poço, e ponhamos a mão na consciência - se não for tarde...
10. Depois que Bonhoeffer morreu, não se deu muita atenção às suas reflexões críticas, principalmente aquelas que são fruto de um pensamento que leva a sério o século XIX. Ora, o princípio batista é exatamente alguma coisa que, na religião, tenta levar a sério o século XIX. De Bonhoeffer, desvia-se, porque ele está morto. Do princípio batista, justamente porque ele está vivo, e é um antídoto para essa pantomima da fé que se ensaia nos salões da manipulação... E é disso que aprendeu a viver a nossa sã doutrina...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
Um comentário:
Oi Osvaldo...
Você disse: "Talvez cheguemos ao fundo do poço, e ponhamos a mão na consciência - se não for tarde..."
Concordo. Mas, do jeito que a coisa anda é possível que no fundo do poço tenha um alçapão...
A coisa tá feia!
Robson Guerra.
Abraço!
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