sexta-feira, 1 de maio de 2009

(2009/238) Para salvar a Teologia


1. Alto! A senha! Não, você não tem a senha. Não pode entrar. Não vai poder ler o que está escrito nas paredes no Grande Salão Teológico-Reacionário, cuja senha é dada pelo Espírito de Heteronomia.

2. Os Eleitos, contudo, podem ler. Para salvar a Teologia, matem-se os homens - a começar pelas mulheres! Porque o problema da Teologia resume-se a esse serzinho miserável, esse vermezinho infeliz. Quando e enquanto a Teologia era aquela da Norma, da Ordem, da Estrutura, do Sistema - ah, por isso é tão querida a Teologia Sistemática, porque não é humana, ela, é divina -, ah, a Teologia estava a salvo. Era seu Éden. A Escolástica era a grama sobre a qual pastavam os vermezinhos da criação, a germinalha útil.

3. Maldita seja!, aí veio a "virada antropológica". Pronto. Foi um harashim o infeliz a esculpir, em mármore, o epitáfio da Teologia. Virada antropológica! Ruína! Toque-se o shofar - Gog e Magog vêm vindo... Chegaram... Ah...

4. Para salvar a Teologia é necessário matarem-se os homens e as mulheres. A "virada antropológica", tão cedo, cedo demais para ser simplesmente "casual", ela transformou-se em "linguagem" e, logo, "tradição"... Mentir que a hermenêutica teológica é humana: golpe de mestre da Reação! Conquanto um bom cara-de-pau pudesse, ainda, pretender uma "teologia objetiva" em plena vigência da virada antropológica (já Bultmann, cruzando de meia em meia-hora com Heidegger pelos corredores de eco e madeira, foi forçado a ser mais criativo para obter o mesmo resultado), não se podia mais retornar à ontologia, aos céus, sem fingir ter arrancado os olhos da cara, varado os tímpanos, arrancado a língua, esfolado a carne, entupido as narinas - a Teologia fora, definitivamente, cravada no coração da terra.

5. Para salvar a Teologia, matem-se os homens e as mulheres. Mas como fazê-lo, sem retornar aos espaços siderais sem oxigênio, onde vivem apenas, borboleteantes espectros sub ou super-humanos? Ah, uma ontologia dentro da noção de homem! Uma estrutura espectral, não-humana, "divina" tanto quanto a permenidiana invenção do Ser: a linguagem de um segundo Heidegger, a tradição, de um bom Gadamer.

6. Para salvar a Teologia, transformar os homens em mortos-vivos, em concretizações de sistemas, de estruturas, de reflexos do Mesmo. Que coisa! O primeiro Heidegger é Nietzsche, o segundo, é Hegel... O ser-aí, heraclitiano, transforma-se, de novo, no Ser, parmenidiano. A Linguagem vive em nós, por meio de nós, sobre nós - e nós, para ela... Daí para a Tradição, um pulo num pé só...

7. Procurem, agora, uma Teologia onde haja homem e mulher... Não há. Quer dizer, talvez até haja, numa TdL. Mas ela ainda sofre do vício de alimentar o corpo com o espírito, de promover a libertação por meio da isca de Deus, mantendo latente o risco de, mais cedo ou mais tarde, Deus decidir que terminou a fase da libertação, porque é, ainda, uma Teologia não-humana quem decide os tempos e as estações, assim como é o teólogo orgânico quem decide que texto servirá, agora, de plataforma para o midraxe e a alegoria programática da libertação. O pecado da TdL é ainda curvar-se ao regime ontológico - e isto porque, a rigor, é ainda sua escrava. O que ela não vê, contudo, é que o fogo que acende há de fazê-la tornar-se humana, demasiado humana, se o carisma não o apaga antes...

8. Para salvar a Teologia, não nos esqueçamos: mulheres e homens precisam ser reduzidos à contingência, ao secundário, ao instrumental, ao epifenômeno. É preciso, pois, digâmo-lo já, que, para salvar a Teologia, apague-se da História, urgentemente, a Modernidade, a Emancipação, a Crítica. Para salvar a Teologia, comamos a colheradas o cérebro humano. Mas não sejam desligados os tubos!


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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