A árvore da serra
— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
2. O que quer dizer Augusto dos Anjos? Esse soneto constitui um bastante antigo - cem anos! - libelo ecológico (trataria do que parece ser o mais "óbvio", a derrubada de árvores), ou, não é nada disso, trata-se, antes, de uma referência cifrada (anafórica) a um caso histórico, envolvendo a vida do poeta e um seu amor de juventude?
3. Conta-se que sua mãe teria mandado matar a filha de um vaqueiro, filha essa por quem (e porque) dos Anjos se apaixonara, e que esse teria sido o verdadeiro enredo, secreto, de A Árvore da Serra. Faz sentido? O quê? A história em si? Bem, a história em si, faz - se ela "bate" com a letra da poesia, aí já é outra história. Diz-se, por exemplo, que a mãe não aparece no poema, mas sim o pai, porque este teria sido um pau-mandado da própria mulher, e que, apesar de ter ficado "do lado" de Augusto, teria, contudo, apoiado a ação da mandante assassina. Essa seria, inclusive, a razão de o pai sempre aparecer na poesia de Augusto dos Anjos, mas não a mãe. É uma explicação, não é? É verdadeira? Depende...
4. Diz-se, ainda, que essa história é difícil de ser levantada, porque a família do poeta era, além de "paraibana", de posses, e, nos termos da política e da sociedade da época, com essas coisas não se "bulia". Assim, fica o dito pelo não dito.
5. Desse imbróglio, extraio duas conclusões. Primeiro, se você está interessado em saber exatamente o que um autor quis dizer com o que escreveu, só lhe resta a reconstrução histórica da "mente" desse escritor (Schleiermacher já o dissera há duzentos anos). É difícil. Exige muita arte, além de técnica. Carl Sagan disse que o cérebro tem dois hemisférios, um "intuitivo", e outro "crítico-analítico", justamente porque o regime de "compreensão/entendimento" humano desdobra-se por meio da antecipação/hipotetização e subseqüente "testagem" - criatividade e crítica. Nesse caso, a "hipótese" do assassinato de uma filha de vaqueiro até pode ser "real", mas há que se fazer alguma força para que a narrativa a sustente - a substituição da mãe pelo pai me parece um ponto importante para a crítica, bem como o fato de que seria justamente um pé de tamarindo, uma árvore!, um personagem eventualmente recorrente das poesias de Augusto dos Anjos, e que tal árvore ainda se encontraria de pé no Engenho Pau d'Arco, no Município de Sapé, na Paraíba, onde nasceu o poeta, à sombra do que está instalado justamente o Memorial Augusto dos Anjos. Logo, não se pode descartar, por alegar-se extemporânea ou anacrônica, uma percepção ecológica por parte de dos Anjos:
6. "Como é que ele, tendo nascido no bucólico Engenho de Pau D’Arco, no sertão paraibano, se afeiçoou a uma árvore, um reles pé de tamarindo de 200 anos, e a um lago de superfície prateada? São estes os únicos resquícios de seu tempo ali, além da casa de sua ama-de-leite Guilhermina e do sino, da pia batismal e do frontispício da igrejinha local" (Jotabê Medeiros, Augusto dos Anjos usa Pau D'Arco em todas as datas, Estadao.com.br, 08/09/2007).
7. Para uma outra possibilidade metodológica (literária) de leitura de textos quaisquer, poemas ou não, nesse caso vale a chave de leitura interposta pelo próprio leitor. Alguém poderia propor que árvore e tronco, aí, transignifique uma - e invento a hipótese - homossexualidade latente no poeta, que sua família coibira or meio de violência subjetiva, se são já social e física, cuja cena máxima, o recalque, mas não a capitulação, do estado biológico-psicológico de gênero, é o poeta agarrado ao "tronco" extirpado a machado... Não faz sentido? Viva! Para esse tipo de leitura, tudo é bem-vindo, tudo se deve aplaudir, e, se não se aplaude, é porque não se sabe brincar sequer jogo que se joga. Nunca vou esquecer da professora de Língua Portuguesa da Gama Filho que me deu sete e meio na interpretação literária de um texto literário de Voltaire, O Caolho, porque minha interpretação estava errada... Fabuloso!
8. Não é o tipo de jogo de que gosto, esse, o da leitura "literária" - até porque quase ninguém que o brinca sabe brincar com ele. Gosto da exegese, e com isso, quero me referir à interpretação psicológico-histórico-social de uma narrativa, seja de dos Anjos, seja de Amós. Sabendo que é o pressupsoto de entrada que determina o regime de interpretação, os métodos, e, nesse caso, a "faixa de onda" possível para as respostas, entro nesse jogo com essa consciência, a de que, se digo do que o autor disse outra coisa que não o que ele dissera, adultero-o, avilto-o - e minto. Nesse caso, sou aquele cirurgião dentista que, tendo podre o paciente o dente siso, extraio-lhe o canino...
9. Pois bem, o tom sempre "belicoso" de Peroratio - quando sou eu a escrever - deve-se ao fato de que a exegese é heurística (ou não é exegese), indiciária (ou não é exegese), venatória (ou não é exegese), e a ela cabe, por dever de ofício, a pá e a picareta, o cinzel e o buril, a lupa e o pincel, porque é trabalho de arqueologia, é luta, em busca da verdade. Já a literatura, não, é espetáculo de gozo estético - e aí, se aí há "conflito" entre orgasmos líricos, é patologia mesmo... Porque cada qual tem o direito de gostar de seu próprio gemido lúdico, mas não - é inconcebíbel - desprezar o do outro.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
PS. aqui, Eu, livro - único - de poesias de Augusto dos Anjos, em .pdf, e de Domínio Público.
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