quarta-feira, 22 de abril de 2009

(2009/208) John A. Sanford


1. As mulheres acabaram, mas não todos que têm por vocação misturar teologia, cristianismo e psicologia junguiana: Os Parceiros Invisíveis: o masculino e o feminino dentro de cada um de nós (São Paulo: Paulus, 1987), Os Sonhos e a Cura da Alma (São Paulo: Paulus, 1988), Mal, o Lado Sombrio da Realidade (São Paulo: Paulus, 1988), A Jornada da Alma: um analista junguiano examina a reencarnação (São Paulo: Paulus, 1998), Destino, amor e êxtase: a sabedoria das deusas gregas menos conhecidas (São Paulo: Paulus, 1999) - esses, os publicados pela Paulus. John A. Sanford é um prolixo escritor, dedicado, sempre, à área de "correlação" entre psicologia junguiana, Novo Testamento e a "perspectiva cristã" (há sempre uma fronteira facilmente "administrável" entre a retórica da cura, da salvação, do tratamento, do diagnóstico, logo, da "psicologia", entre a narrativa, plástica, do Novo Testamento, a pleni-sabedoria platônica da teologia e aquela abordagem cristianamente engajada. Jesus, o professor, Jesus, o médico, Jesus, o economista, Jesus, o administrador, Jesus, o qualquer coisa que se queira - logo, por que também não psicólogo? Sim, esse Jesus da literatura neo-testamentária serve a qualquer programa. O histórico é que é mais difícil de cooptar. Mas se tenta também...

2. Serei condescendente, não por superioridade, mas por capitulação. Toda religião tem de si essa mesma noção terapêutica - e, no âmbito da eficiência da religião, há, de fato, "eficiência" terapêutica, mas, ressalvemos urgentemente, sempre dependente da capacidade de o "doente" somatizar a sua própria confiança no poder que credita ao agente operador de sua religião. Aliás, essa é a máxima artimanha dos charlatões: se a polícia põe a mão neles, alegando fraude, eles podem, tranqüilamente, alegar que a cura depende da fé do cidadão, e, se além de encostos e patologias, o condenado ainda tem pouca fé, o que o pobre tautaturgo há de fazer, não é mesmo?

3. Assim, não vou, não mesmo, negar qualquer princípio terapêutico à religião. Mas não poderia aceitar que "The Psychology of Healing - a Christian Perspective" (capítulo conclusivo de Healing Body and Soul, de John A. Sanford, constituísse um modelo propriamente refutável de teoria. Assim como há uma "interpretação" cristã (na verdade, não o há, mas interpretações cristãs, seria melhor dizê-lo) do Novo Testamento (porque, afinal, há diversas teologias distintas nessa biblioteca histórica), também recentemente se aprendeu a fazer uma "antropologia" teológica, uma "ética" teológica, e, por que não?, uma "psicologia" teológica, sempre cristãs, se há de ter lembrado. Trata-se do efeito da fragmentação disciplinar das ciências, que caracterizou o século XX, e, sobretudo, da estratégia de a teologia, onde quer que ela se encontre, exprimir-se a partir dos códigos próprios do módulo cultural sob cooptação. Também a missiologia o sabe fazer, dizendo-se "inculturação" ou "transculturação" - conquanto sabemos que se trata, sempre, de inoculação pura e simples.

4. É típico da teologia - e, com isso, quero referir-me àquela mais "prática", também a pastoral, agir com base na busca de apoio para sua plataforma práxica em outras "especialidades". Trata-se de um modo de se angariar legitimação, porque qualquer coisa que se chame de "antropologia", "ética" ou "psicologia", mesmo que teológica, há de ter a aparência e a autoridade de um "saber", universitariamente respaldado. Ainda mais quando se vai recorrer a Jung! Freud é um pouco mais refratário, havemos de compreender... Mas por que não Reich?

5. O que viria a ser alguma coisa como "A Psychological Commentary on the Gospel of John‎"? Trata-se de uma obra de John A. Sanford, publicada em 1993. Por meio dela, sabe-se que o Evangelho de João constitui um vaso, como aqueles de pergaminhos antigos, desde onde se podem extrair "aplicações" para a vida diária, recorrendo-se a um duplo registro fundamental: as verdades projundas da psicologia junguiana entranhadas nas verdades eternas da revelação. Quem haveria de recusar-se tamanho tratamento? Mais do que isso - como refutar tal tratamento? Eu, não posso. Posso recusar-me o médico, naturalmente. Mas, se me perguntam por quê?, eu apenas poderia alegar que não me inspira confiança o tratamento, e pronto. Também não iria, hoje, mas fui muito, quando criança, a rezadoras de quebranto...

6. Cai-se numa aporia: se você entra no texto bíblico por meio da pesquisa histórica, certamente não terá mais as condições psicológicas necessárias para fazer disso um discurso terapêutico da natureza de Mystical Christianity: A Psychological Commentary on the Gospel of John‎. Se você entra no texto bíblico sem pesquisa histórica, qualquer coisa que o diga estará, a rigor, saindo de sua própria cabeça. Você não encontrará pesquisas histórico-críticas, histórico-sociais, transformadas em remédios para insônia... conquanto possa perder o sono por causa delas! Logo se vê, pois, que, antes de serem terapêuticas, as ciências podem mesmo causar danos à sua saúde! Exagero - dor de cabeça, sim...

7. Insisto: há público para esse tipo de literatura, seja nos Estados Unidos da América, seja aqui no Brasil, uma vez que a Paulus não se dedicaria a publicar John A. Sanford por vinte e dois anos, se os livros encalhassem. Não se trata de interditar o discurso de John A. Sanford ou de qualquer outro que pretenda produzir um mix entre teologia cristã, metodologia histórico-gramatical e psicologia junguiana (ou qualquer outra [uma leitura reichiana de Cântico dos Cânticos seria muito interessante...]). Trata-se apenas de se ter em mente as fronteiras entre ciências, refutáveis, e exercícios terapêutico-espirituais. Tomara faça bem àqueles que, em lugar de yoga, preferem ler Sanford...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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