1. As mulheres acabaram, mas não todos que têm por vocação misturar teologia, cristianismo e psicologia junguiana: Os Parceiros Invisíveis: o masculino e o feminino dentro de cada um de nós (São Paulo: Paulus, 1987), Os Sonhos e a Cura da Alma (São Paulo: Paulus, 1988), Mal, o Lado Sombrio da Realidade (São Paulo: Paulus, 1988), A Jornada da Alma: um analista junguiano examina a reencarnação (São Paulo: Paulus, 1998), Destino, amor e êxtase: a sabedoria das deusas gregas menos conhecidas (São Paulo: Paulus, 1999) - esses, os publicados pela Paulus. John A. Sanford é um prolixo escritor, dedicado, sempre, à área de "correlação" entre psicologia junguiana, Novo Testamento e a "perspectiva cristã" (há sempre uma fronteira facilmente "administrável" entre a retórica da cura, da salvação, do tratamento, do diagnóstico, logo, da "psicologia", entre a narrativa, plástica, do Novo Testamento, a pleni-sabedoria platônica da teologia e aquela abordagem cristianamente engajada. Jesus, o professor, Jesus, o médico, Jesus, o economista, Jesus, o administrador, Jesus, o qualquer coisa que se queira - logo, por que também não psicólogo? Sim, esse Jesus da literatura neo-testamentária serve a qualquer programa. O histórico é que é mais difícil de cooptar. Mas se tenta também...
2. Serei condescendente, não por superioridade, mas por capitulação. Toda religião tem de si essa mesma noção terapêutica - e, no âmbito da eficiência da religião, há, de fato, "eficiência" terapêutica, mas, ressalvemos urgentemente, sempre dependente da capacidade de o "doente" somatizar a sua própria confiança no poder que credita ao agente operador de sua religião. Aliás, essa é a máxima artimanha dos charlatões: se a polícia põe a mão neles, alegando fraude, eles podem, tranqüilamente, alegar que a cura depende da fé do cidadão, e, se além de encostos e patologias, o condenado ainda tem pouca fé, o que o pobre tautaturgo há de fazer, não é mesmo?
3. Assim, não vou, não mesmo, negar qualquer princípio terapêutico à religião. Mas não poderia aceitar que "The Psychology of Healing - a Christian Perspective" (capítulo conclusivo de Healing Body and Soul, de John A. Sanford, constituísse um modelo propriamente refutável de teoria. Assim como há uma "interpretação" cristã (na verdade, não o há, mas interpretações cristãs, seria melhor dizê-lo) do Novo Testamento (porque, afinal, há diversas teologias distintas nessa biblioteca histórica), também recentemente se aprendeu a fazer uma "antropologia" teológica, uma "ética" teológica, e, por que não?, uma "psicologia" teológica, sempre cristãs, se há de ter lembrado. Trata-se do efeito da fragmentação disciplinar das ciências, que caracterizou o século XX, e, sobretudo, da estratégia de a teologia, onde quer que ela se encontre, exprimir-se a partir dos códigos próprios do módulo cultural sob cooptação. Também a missiologia o sabe fazer, dizendo-se "inculturação" ou "transculturação" - conquanto sabemos que se trata, sempre, de inoculação pura e simples.
4. É típico da teologia - e, com isso, quero referir-me àquela mais "prática", também a pastoral, agir com base na busca de apoio para sua plataforma práxica em outras "especialidades". Trata-se de um modo de se angariar legitimação, porque qualquer coisa que se chame de "antropologia", "ética" ou "psicologia", mesmo que teológica, há de ter a aparência e a autoridade de um "saber", universitariamente respaldado. Ainda mais quando se vai recorrer a Jung! Freud é um pouco mais refratário, havemos de compreender... Mas por que não Reich?
5. O que viria a ser alguma coisa como "A Psychological Commentary on the Gospel of John"? Trata-se de uma obra de John A. Sanford, publicada em 1993. Por meio dela, sabe-se que o Evangelho de João constitui um vaso, como aqueles de pergaminhos antigos, desde onde se podem extrair "aplicações" para a vida diária, recorrendo-se a um duplo registro fundamental: as verdades projundas da psicologia junguiana entranhadas nas verdades eternas da revelação. Quem haveria de recusar-se tamanho tratamento? Mais do que isso - como refutar tal tratamento? Eu, não posso. Posso recusar-me o médico, naturalmente. Mas, se me perguntam por quê?, eu apenas poderia alegar que não me inspira confiança o tratamento, e pronto. Também não iria, hoje, mas fui muito, quando criança, a rezadoras de quebranto...
6. Cai-se numa aporia: se você entra no texto bíblico por meio da pesquisa histórica, certamente não terá mais as condições psicológicas necessárias para fazer disso um discurso terapêutico da natureza de Mystical Christianity: A Psychological Commentary on the Gospel of John. Se você entra no texto bíblico sem pesquisa histórica, qualquer coisa que o diga estará, a rigor, saindo de sua própria cabeça. Você não encontrará pesquisas histórico-críticas, histórico-sociais, transformadas em remédios para insônia... conquanto possa perder o sono por causa delas! Logo se vê, pois, que, antes de serem terapêuticas, as ciências podem mesmo causar danos à sua saúde! Exagero - dor de cabeça, sim...
7. Insisto: há público para esse tipo de literatura, seja nos Estados Unidos da América, seja aqui no Brasil, uma vez que a Paulus não se dedicaria a publicar John A. Sanford por vinte e dois anos, se os livros encalhassem. Não se trata de interditar o discurso de John A. Sanford ou de qualquer outro que pretenda produzir um mix entre teologia cristã, metodologia histórico-gramatical e psicologia junguiana (ou qualquer outra [uma leitura reichiana de Cântico dos Cânticos seria muito interessante...]). Trata-se apenas de se ter em mente as fronteiras entre ciências, refutáveis, e exercícios terapêutico-espirituais. Tomara faça bem àqueles que, em lugar de yoga, preferem ler Sanford...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Serei condescendente, não por superioridade, mas por capitulação. Toda religião tem de si essa mesma noção terapêutica - e, no âmbito da eficiência da religião, há, de fato, "eficiência" terapêutica, mas, ressalvemos urgentemente, sempre dependente da capacidade de o "doente" somatizar a sua própria confiança no poder que credita ao agente operador de sua religião. Aliás, essa é a máxima artimanha dos charlatões: se a polícia põe a mão neles, alegando fraude, eles podem, tranqüilamente, alegar que a cura depende da fé do cidadão, e, se além de encostos e patologias, o condenado ainda tem pouca fé, o que o pobre tautaturgo há de fazer, não é mesmo?
3. Assim, não vou, não mesmo, negar qualquer princípio terapêutico à religião. Mas não poderia aceitar que "The Psychology of Healing - a Christian Perspective" (capítulo conclusivo de Healing Body and Soul, de John A. Sanford, constituísse um modelo propriamente refutável de teoria. Assim como há uma "interpretação" cristã (na verdade, não o há, mas interpretações cristãs, seria melhor dizê-lo) do Novo Testamento (porque, afinal, há diversas teologias distintas nessa biblioteca histórica), também recentemente se aprendeu a fazer uma "antropologia" teológica, uma "ética" teológica, e, por que não?, uma "psicologia" teológica, sempre cristãs, se há de ter lembrado. Trata-se do efeito da fragmentação disciplinar das ciências, que caracterizou o século XX, e, sobretudo, da estratégia de a teologia, onde quer que ela se encontre, exprimir-se a partir dos códigos próprios do módulo cultural sob cooptação. Também a missiologia o sabe fazer, dizendo-se "inculturação" ou "transculturação" - conquanto sabemos que se trata, sempre, de inoculação pura e simples.
4. É típico da teologia - e, com isso, quero referir-me àquela mais "prática", também a pastoral, agir com base na busca de apoio para sua plataforma práxica em outras "especialidades". Trata-se de um modo de se angariar legitimação, porque qualquer coisa que se chame de "antropologia", "ética" ou "psicologia", mesmo que teológica, há de ter a aparência e a autoridade de um "saber", universitariamente respaldado. Ainda mais quando se vai recorrer a Jung! Freud é um pouco mais refratário, havemos de compreender... Mas por que não Reich?
5. O que viria a ser alguma coisa como "A Psychological Commentary on the Gospel of John"? Trata-se de uma obra de John A. Sanford, publicada em 1993. Por meio dela, sabe-se que o Evangelho de João constitui um vaso, como aqueles de pergaminhos antigos, desde onde se podem extrair "aplicações" para a vida diária, recorrendo-se a um duplo registro fundamental: as verdades projundas da psicologia junguiana entranhadas nas verdades eternas da revelação. Quem haveria de recusar-se tamanho tratamento? Mais do que isso - como refutar tal tratamento? Eu, não posso. Posso recusar-me o médico, naturalmente. Mas, se me perguntam por quê?, eu apenas poderia alegar que não me inspira confiança o tratamento, e pronto. Também não iria, hoje, mas fui muito, quando criança, a rezadoras de quebranto...
6. Cai-se numa aporia: se você entra no texto bíblico por meio da pesquisa histórica, certamente não terá mais as condições psicológicas necessárias para fazer disso um discurso terapêutico da natureza de Mystical Christianity: A Psychological Commentary on the Gospel of John. Se você entra no texto bíblico sem pesquisa histórica, qualquer coisa que o diga estará, a rigor, saindo de sua própria cabeça. Você não encontrará pesquisas histórico-críticas, histórico-sociais, transformadas em remédios para insônia... conquanto possa perder o sono por causa delas! Logo se vê, pois, que, antes de serem terapêuticas, as ciências podem mesmo causar danos à sua saúde! Exagero - dor de cabeça, sim...
7. Insisto: há público para esse tipo de literatura, seja nos Estados Unidos da América, seja aqui no Brasil, uma vez que a Paulus não se dedicaria a publicar John A. Sanford por vinte e dois anos, se os livros encalhassem. Não se trata de interditar o discurso de John A. Sanford ou de qualquer outro que pretenda produzir um mix entre teologia cristã, metodologia histórico-gramatical e psicologia junguiana (ou qualquer outra [uma leitura reichiana de Cântico dos Cânticos seria muito interessante...]). Trata-se apenas de se ter em mente as fronteiras entre ciências, refutáveis, e exercícios terapêutico-espirituais. Tomara faça bem àqueles que, em lugar de yoga, preferem ler Sanford...
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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