1. Da lista de Paulo, salvo engano, penso ter esgotado as mulheres. Resta, agora, analisar os componentes masculinos. Começo, aleatoriamente, por J. Harold Ellens. Pensemos em seu Psicoteologia - princípios básicos (São Leopolfo: Sinodal, 1986). É o melhor que se pode conseguir com a presença da Psicologia nas faculdades de Teologia? Que "valor" heurístico tem uma "antropo-teologia"? Nenhum. Ou Psicologia é Psicologia, ou não é. Um "psicoteologia" não é, absolutamente, Psicologia. Abordagens desse tipo estão definitivamente sepultadas desde Kant - naturalmente para quem não sepultou Kant. O tipo de abordagem que pensa ser exeqüível a união de Ciências Humanas com dogma metafísico labora em petição de princípio - o resultado nem será uma coisa nem outra, e, se lograr algum êxito relativo, certamente não será no campo das ciências: ou seja, alguns teólogos, mas nenhum pesquisador seriamente comprometido com a epistemologia científico-humanista, haverá de dar crédito à empreitada.
2. Não que não haja o que escrever. Há. J. Harold Ellens organizou os dois volumes de Psychology and the Bible - a new way to read the Scriptures, no qual se pode ter acesso a uma longa série de "exercícios" psicológico-analíticos aplicados a personagens e a estruturas narrativas das Escrituras, como se costuma fazer em congressos - "aproximação psicoanalítica às Escrituras" - e em sermões dominicais - "interpetação psicológica de Jesus". Insisto: é um procedimento que "se pode fazer" - tanto que J. Harold Ellens o faz, mas, assumamos, o leitor deve colocar-se no mesmo nível discursivo do autor, e isso em dois momentos programáticos: a) quando ele descreve os personagens e as estruturas narrativas - do seu jeito, e b) quando ele lhes aplica os "procedimentos" psicológico-interpretativos" - igualmente, do seu jeito. Definitivamente, não se trata de rotinas refutáveis - está mais para "espetáculo", no sentido de alguém demostrar a criatividade hermenêutica de que é capaz, do que ciência hermenêutica filológica. Não se deve esquecer, jamais, o que Nietzsche disse: todo bom teólogo é mal filólogo...
3. J. Harold Ellens tem publicado muitas obras, todas muito recentes. Ano passado, publicou Understanding religious experiences: what the Bible says about spirituality (Greenwood Publishing Group, 2008), na qual se pode ler: "the Bible has a lot to offer for spiritual authenticity and genuine religion" (p. 7). J. Harold Ellens entende que a compreensão "psicológica" das práticas e experiências religiosas, quer dizer, a sua adequada compreensão, deve ser buscada nas Escrituras - psicoteologia, entende? Se J. Harold Ellens primeiro fizesse passar tanto as Escrituras quanto sua própria teologia pelo crivo das ciências, logo compreenderia do que se trata uma proposta de "iluminação" bíblica das experiências religiosas...
4. Uma oprtunidade interessante foi outra obra que coordenou, em 2007, The destructive power of religion: violence in Judaism, Christianity, and Islam (Greenwood Publishing Group, 2007). Novamente, contudo, o "padrão" teológico permanece. Eu descreveria assim o que chamo de "padrão" teológico. O axioma do teólogo é "Deus". É por meio da fé que toda a sua argumentação passa: seus conceitos, suas idéias, sua lógica, seus argumentos, tudo se resume a essa idéia-neurose: "Deus" (aqui, o teísta clássico não precisa sentir-se ofendido: quando falo de "idéia-neurose", falo da idéia em si, independentemente de, para além dela, eixstir Alguma Coisa ou Alguém).
5. Em contextos intelectuais supostamente "avançados", esse padrão propõe distinção entre religião, de um lado, e "espiritualidade", de outro (é o caso da obra anterior, por exemplo). Nesse sentido, por meio da abstração, uma religião concreta, a rigor, a única dimensão paupável, permanece metodologicamente distinguida da "espiritualidade", que passa a ser encarada como uma espécie de "essência platônica" - "modelo" a-histórico, supra-cultural, padrão. A reflexão teológica do teólogo, então, pode abertamente denunciar a violência da religião, mesmo da "cristã", da qual faz parte, sem, contudo, permitir que sua própria reflexão chegue ao ponto definitivo: a violência é intrínseca ao sistema de idéias, desde onde, soberano, "Deus" opera. Mas o teólogo ainda consegue pôr "Deus" a salvo da "culpa". Sempre eles, esse é o cantus firmus das teologias, sem os quais não há sacerdotes - são os homens os únicos culpados.
6. Sem pestanejar, desconfio desse tipo de retórica. Prefiro acompanhar a argumentação de Edgar Morin, que, de forma coerentemente científico-humanista, reduz o elemento "Deus", do discurso teológico, seja ele qual for, a uma "idéia", idéia essa que, como todas as demais, religiosas ou não, tem o poder de controlar a mente que a alimenta. Se há alguma coisa para além dessa idéia "Deus", isso é irrelevante, porque nenhuma ciência, nenhuma elaboração teórica refutável, poderia afirmá-lo - salvo a fé. Mas, mesmo nesse caso, mesmo a fé, é, na prática, com a idéia que ela lida, e a quem ela se entrega. A violência é intrínseca às "idéias" de soberania, porque elas não podem, por essência, ser contrariadas. Quando o são, servem-se dos "cavalos" que controlam, em "possessão", e instala-se a violência, seja subjetiva, retórica, emocional ou física.
7. Não é verdadeira Psicologia que se faz nesse tipo de "psicologia" - é o uso teológico da Psicologia, assim como há o uso teológico da Fenomenologia. O primeiro gesto de honestidade intelectual de um teólogo verdadeiramente auto-imposto em diálogo com as Ciências Humanas, dentre elas, a Psicologia, seria admitir que seu material de trabalho são idéias mentais humanas. Para esse tipo de psicologia teológica, contudo, acima de tudo, paira "Deus" - ontologicamente. Esse "Deus" que paira é extra-psicológico - é bastante barthiano até.
8. Conquanto o tema muito me interesse, do seu livro, Sex in the Bible: a new consideration (Greenwood Publishing Group, 2006), desse não posso falar. Se alguém o leu, habilite-se a comentá-lo. Das duas uma - ou o tema o agradou muito, ou seu capítulo sobre homossexualismo causou polêmica, porque ele acaba de publicar um novo título sobre o mesmo tema: The Spirituality of Sex (Greenwood Publishing Group, 2009). Será esse um novo comentário tântrico?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Não que não haja o que escrever. Há. J. Harold Ellens organizou os dois volumes de Psychology and the Bible - a new way to read the Scriptures, no qual se pode ter acesso a uma longa série de "exercícios" psicológico-analíticos aplicados a personagens e a estruturas narrativas das Escrituras, como se costuma fazer em congressos - "aproximação psicoanalítica às Escrituras" - e em sermões dominicais - "interpetação psicológica de Jesus". Insisto: é um procedimento que "se pode fazer" - tanto que J. Harold Ellens o faz, mas, assumamos, o leitor deve colocar-se no mesmo nível discursivo do autor, e isso em dois momentos programáticos: a) quando ele descreve os personagens e as estruturas narrativas - do seu jeito, e b) quando ele lhes aplica os "procedimentos" psicológico-interpretativos" - igualmente, do seu jeito. Definitivamente, não se trata de rotinas refutáveis - está mais para "espetáculo", no sentido de alguém demostrar a criatividade hermenêutica de que é capaz, do que ciência hermenêutica filológica. Não se deve esquecer, jamais, o que Nietzsche disse: todo bom teólogo é mal filólogo...
3. J. Harold Ellens tem publicado muitas obras, todas muito recentes. Ano passado, publicou Understanding religious experiences: what the Bible says about spirituality (Greenwood Publishing Group, 2008), na qual se pode ler: "the Bible has a lot to offer for spiritual authenticity and genuine religion" (p. 7). J. Harold Ellens entende que a compreensão "psicológica" das práticas e experiências religiosas, quer dizer, a sua adequada compreensão, deve ser buscada nas Escrituras - psicoteologia, entende? Se J. Harold Ellens primeiro fizesse passar tanto as Escrituras quanto sua própria teologia pelo crivo das ciências, logo compreenderia do que se trata uma proposta de "iluminação" bíblica das experiências religiosas...
4. Uma oprtunidade interessante foi outra obra que coordenou, em 2007, The destructive power of religion: violence in Judaism, Christianity, and Islam (Greenwood Publishing Group, 2007). Novamente, contudo, o "padrão" teológico permanece. Eu descreveria assim o que chamo de "padrão" teológico. O axioma do teólogo é "Deus". É por meio da fé que toda a sua argumentação passa: seus conceitos, suas idéias, sua lógica, seus argumentos, tudo se resume a essa idéia-neurose: "Deus" (aqui, o teísta clássico não precisa sentir-se ofendido: quando falo de "idéia-neurose", falo da idéia em si, independentemente de, para além dela, eixstir Alguma Coisa ou Alguém).
5. Em contextos intelectuais supostamente "avançados", esse padrão propõe distinção entre religião, de um lado, e "espiritualidade", de outro (é o caso da obra anterior, por exemplo). Nesse sentido, por meio da abstração, uma religião concreta, a rigor, a única dimensão paupável, permanece metodologicamente distinguida da "espiritualidade", que passa a ser encarada como uma espécie de "essência platônica" - "modelo" a-histórico, supra-cultural, padrão. A reflexão teológica do teólogo, então, pode abertamente denunciar a violência da religião, mesmo da "cristã", da qual faz parte, sem, contudo, permitir que sua própria reflexão chegue ao ponto definitivo: a violência é intrínseca ao sistema de idéias, desde onde, soberano, "Deus" opera. Mas o teólogo ainda consegue pôr "Deus" a salvo da "culpa". Sempre eles, esse é o cantus firmus das teologias, sem os quais não há sacerdotes - são os homens os únicos culpados.
6. Sem pestanejar, desconfio desse tipo de retórica. Prefiro acompanhar a argumentação de Edgar Morin, que, de forma coerentemente científico-humanista, reduz o elemento "Deus", do discurso teológico, seja ele qual for, a uma "idéia", idéia essa que, como todas as demais, religiosas ou não, tem o poder de controlar a mente que a alimenta. Se há alguma coisa para além dessa idéia "Deus", isso é irrelevante, porque nenhuma ciência, nenhuma elaboração teórica refutável, poderia afirmá-lo - salvo a fé. Mas, mesmo nesse caso, mesmo a fé, é, na prática, com a idéia que ela lida, e a quem ela se entrega. A violência é intrínseca às "idéias" de soberania, porque elas não podem, por essência, ser contrariadas. Quando o são, servem-se dos "cavalos" que controlam, em "possessão", e instala-se a violência, seja subjetiva, retórica, emocional ou física.
7. Não é verdadeira Psicologia que se faz nesse tipo de "psicologia" - é o uso teológico da Psicologia, assim como há o uso teológico da Fenomenologia. O primeiro gesto de honestidade intelectual de um teólogo verdadeiramente auto-imposto em diálogo com as Ciências Humanas, dentre elas, a Psicologia, seria admitir que seu material de trabalho são idéias mentais humanas. Para esse tipo de psicologia teológica, contudo, acima de tudo, paira "Deus" - ontologicamente. Esse "Deus" que paira é extra-psicológico - é bastante barthiano até.
8. Conquanto o tema muito me interesse, do seu livro, Sex in the Bible: a new consideration (Greenwood Publishing Group, 2006), desse não posso falar. Se alguém o leu, habilite-se a comentá-lo. Das duas uma - ou o tema o agradou muito, ou seu capítulo sobre homossexualismo causou polêmica, porque ele acaba de publicar um novo título sobre o mesmo tema: The Spirituality of Sex (Greenwood Publishing Group, 2009). Será esse um novo comentário tântrico?
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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