1. Não perdi, ainda, a capacidade de refletir sobre minhas atitudes de fundo, as quais controlam, quantas vezes inconscientemente, minhas reflexões. Que parte de mim, quais dos meus eus, de fato, pensam assim, escrevem assim, dizem isso? Fico sempre muito temeroso de ter pensado errado, escrito errado, dito errado. Acho que morrerei experimentando essas sensações alguma coisa entre desagradáveis e necessárias.
2. Perguntei-me sobre uma provável má vontade de minha parte em relação a trabalhos como o de J. Harold Ellens. Então, retornei ao seu livro The destructive power of religion. Reli sua "Conclusion" (p. 254). O que ali se pode encontrar não deixa de ser teologia, mas aproxima-se muito mais de um sistema filosófico-religioso que eu descreveria como um "teísmo filosófico".
3. Nos termos dessa concepção, "Deus", teisticamente compreendido, é axiomático. Ainda que retoricamente baseado nas Escrituras Cristãs, na prática faz-se passar o conjunto das narrativas por um filtro filosófico-religioso, de constituição fundamentalmente helênica (platônica, é melhor dizê-lo), de modo que resulta daí uma formulação bastante refinada de um "Espírito-Deus", nos moldes de um teísmo filosófico moderno.
4. O mito que está por trás desse refinamento abstrativo-filosófico é o mesmo mito criacionista cristão, mas a compreensão de "Deus", aí, recorre às formulações intelectualizadas de uma racionalização em estilo greco-platônico. Pode-se, com isso, antepor essa configuração de "Deus" a toda materialização cultural da fé consignada nas Escrituras. Onte se lê Yahweh, entenda-se esse Deus. Onde se lê Theos, leia-se esse Deus. Salte-se dessas configurações histórico-culturais para a apreensão filosófico-teológica de "Deus", e, por meio dela, acessem-se os conteúdos histórico-culturais das Escritureas por meio de uma chave extra-temporal, metafísica, capacitada para transladar da dimensão humana e circunstancial para uma dimensão divina e eterna. O que era um construto da cultura róximo-oriental, transforma-se num axioma platônico-teológico a-histórico e supracultural.
5. Não se está fazendo outra coisa do que "teologia", aí, de um tipo "sofisticado", se com sofisticado queremos nos referir a um determinado modo cultural (de estilo "ocidental") de fazer, modernamente, teologia. No entanto, não se pode pegar nada aí com a mão, porque tudo escorrega, escapa, escapole, se você tenta pegar algo de concreto. É sempre por meio de um espírito sacerdotal que se pronuncia esse teólogo, portador de uma revelação sempre proposta - e, nesse caso, não hpa difrenla entre aquele fundamentalista rançoso, aquele evangelical inculturado e esse teólogo refinado e racionalizado. Também não há nada de concreto, aí. O axioma é ideológico. O método, performativo, imaterial, alegórico. O resultado, abstrato. Nada se pode pegar, nada, refutar.
6. Uma exegese histórico-crítica pode ser fiscalizada. Se for competente (mas qualquer um o pode ser), você pode denunciar uma operação equivocada, negligente, negativamente ideológica, de uma ferramenta qualquer da caixa de ferramentas histórico-críticas. Você pode controlar o resultado dessa exegese, controlando o seu processo. Qualquer um pode fazê-lo, e, quando o faz, deve fazê-lo, porque os procedimentos são refutávéis. Uma teologia daquele tipo - como de resto, toda teologia clássica, não. Tudo ali é retórico, apologético, catequético, axiomático, apriorístico - normativo, até. Sobretudo, racionalizado.
7. É diante desse recorte, dessa característica, da teologia, que tenho, sim, má vontade. Não é "pessoal". Não tem nada a ver, diretamente, com J. Harold Ellens ou qualquer outro teólogo moderno e sofisticado. É desse jeito platônico de dizer coisas que aprendi a desgostar, adquirindo uma intolerância - patológica? - a qualquer mecanismo retórico (racionalização é o nome) que o utilize. E a teologia, até hoje, não aprendeu a fazer outra coisa que não o que Platão ensinou, mesmo quando, com Bultmann, chamou-se existencialista, e, com Tillich, fenomenológica. Era nada, era sempre a mesma boa e velha teologia de nossos velhos pais da tradição. Ou nos fazemos parricidas, ou vamos patinar nessa lama até a morte.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
2. Perguntei-me sobre uma provável má vontade de minha parte em relação a trabalhos como o de J. Harold Ellens. Então, retornei ao seu livro The destructive power of religion. Reli sua "Conclusion" (p. 254). O que ali se pode encontrar não deixa de ser teologia, mas aproxima-se muito mais de um sistema filosófico-religioso que eu descreveria como um "teísmo filosófico".
3. Nos termos dessa concepção, "Deus", teisticamente compreendido, é axiomático. Ainda que retoricamente baseado nas Escrituras Cristãs, na prática faz-se passar o conjunto das narrativas por um filtro filosófico-religioso, de constituição fundamentalmente helênica (platônica, é melhor dizê-lo), de modo que resulta daí uma formulação bastante refinada de um "Espírito-Deus", nos moldes de um teísmo filosófico moderno.
4. O mito que está por trás desse refinamento abstrativo-filosófico é o mesmo mito criacionista cristão, mas a compreensão de "Deus", aí, recorre às formulações intelectualizadas de uma racionalização em estilo greco-platônico. Pode-se, com isso, antepor essa configuração de "Deus" a toda materialização cultural da fé consignada nas Escrituras. Onte se lê Yahweh, entenda-se esse Deus. Onde se lê Theos, leia-se esse Deus. Salte-se dessas configurações histórico-culturais para a apreensão filosófico-teológica de "Deus", e, por meio dela, acessem-se os conteúdos histórico-culturais das Escritureas por meio de uma chave extra-temporal, metafísica, capacitada para transladar da dimensão humana e circunstancial para uma dimensão divina e eterna. O que era um construto da cultura róximo-oriental, transforma-se num axioma platônico-teológico a-histórico e supracultural.
5. Não se está fazendo outra coisa do que "teologia", aí, de um tipo "sofisticado", se com sofisticado queremos nos referir a um determinado modo cultural (de estilo "ocidental") de fazer, modernamente, teologia. No entanto, não se pode pegar nada aí com a mão, porque tudo escorrega, escapa, escapole, se você tenta pegar algo de concreto. É sempre por meio de um espírito sacerdotal que se pronuncia esse teólogo, portador de uma revelação sempre proposta - e, nesse caso, não hpa difrenla entre aquele fundamentalista rançoso, aquele evangelical inculturado e esse teólogo refinado e racionalizado. Também não há nada de concreto, aí. O axioma é ideológico. O método, performativo, imaterial, alegórico. O resultado, abstrato. Nada se pode pegar, nada, refutar.
6. Uma exegese histórico-crítica pode ser fiscalizada. Se for competente (mas qualquer um o pode ser), você pode denunciar uma operação equivocada, negligente, negativamente ideológica, de uma ferramenta qualquer da caixa de ferramentas histórico-críticas. Você pode controlar o resultado dessa exegese, controlando o seu processo. Qualquer um pode fazê-lo, e, quando o faz, deve fazê-lo, porque os procedimentos são refutávéis. Uma teologia daquele tipo - como de resto, toda teologia clássica, não. Tudo ali é retórico, apologético, catequético, axiomático, apriorístico - normativo, até. Sobretudo, racionalizado.
7. É diante desse recorte, dessa característica, da teologia, que tenho, sim, má vontade. Não é "pessoal". Não tem nada a ver, diretamente, com J. Harold Ellens ou qualquer outro teólogo moderno e sofisticado. É desse jeito platônico de dizer coisas que aprendi a desgostar, adquirindo uma intolerância - patológica? - a qualquer mecanismo retórico (racionalização é o nome) que o utilize. E a teologia, até hoje, não aprendeu a fazer outra coisa que não o que Platão ensinou, mesmo quando, com Bultmann, chamou-se existencialista, e, com Tillich, fenomenológica. Era nada, era sempre a mesma boa e velha teologia de nossos velhos pais da tradição. Ou nos fazemos parricidas, ou vamos patinar nessa lama até a morte.
OSVALDO LUIZ RIBEIRO
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