quinta-feira, 9 de abril de 2009

(2009/148) E olha que ele não viu nada...


1. De terça a quinta, tomo ônibus e metrô para a cidade do Rio de Janeiro (resido na Baixada Fluminense). É aí que você tem contato com a população das classes D e E e da classe C. Quando se anda apenas de automóvel, de lá pra cá, todos os dias, perde-se o contato com essa gente - o "povo". Perdendo contato com essa gente, ela se torna invisível. Você, impassível. Invisível ela, suas dores não chegam a constranger terceiros que dela, essa gente, não têm ciência, sensação, percepção. No máximo, manchetes e notas de mídia, a falar de coisas distantes. Porque, do outro lado dos vidros do carro, outro é o mundo, outro planeta é o planeta, pessoas, postes e árvores misturam-se com o calor ou a chuva. Você - no carro...

2. Um aluno me conta que, saindo da composição do metrô, na estação Estácio (Rio de Janeiro), percebeu um sujeito atormentado, com aparência visível de estar "perdido". O sujeito, percebendo-se percebido, aproximou-se: _ Nossa!, é sempre cheio assim? _ Sim, às vezes mais, até! _ Nossa! Eu não sabia, é a primeira vez que uso o metrô... Meu carro quebrou aqui perto, liguei para minha esposa, tenho que ir para a Uruguaiana...

3. O aluno orientou-o, e, ele, ainda assustado com tanta gente. Não tinha costume. Sua vida era o apartamento de classe média alta, um mundo hermético, o carro fechado, os vidros fumê, músicas de CD ou notícias de uma CBN ideologicamente compromotida, e, finalmente, férias em paraísos para poucos de muitos recursos. As pessoas concretas, os pobres, a classe média recém-inventada (por causa de R$ 50,00 você ascende à classe média, sabia?), os suados do dia-a-dia, esses, é como se inexistissem - na prática, para nosso amigo assustado, de fato, inexistem.

4. Não me surpreende que os programas de assistência social do Governo choquem a classe média alta - para quê? Eles sequer entendem a necessidade disso, porque não conseguem ver a massa de milhões e milhões de pessoas que, de um jeito ou de outro, por culpa também do sistema macro-econômico, político e sócio-cultural do país - de que essa classe média alta é uma das constituintes -, a eles precisam recorrer.

5. E olha que nos ônibus e metrô do Rio de Janeiro você não chegará a deparar-se necessariamente com aquela categoria mais vilipendiada da sociedade, a negritude e a branquitude miserável, descamisada e desdentada, paupérrima de todo valor pecuniário e ético, reduzido a menos do que bicho. Não. Esssa gente está ainda mais soterrada nos porões da arquiterura urbana.

6. Se o nosso amigo apavorado com "tanta gente" das classes C, D e E, espremidas na plataforma do metrô, deparasse-se com a massa desgraçada da sociedade, enfartaria. Essa breve experiência metroviária, contudo, custar-lhe-á algumas treze sessões de terapia...


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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