segunda-feira, 9 de março de 2009

(2009/072) De laudos, provas, textos e irritações


1. Esse post costura duas cenas. A primeira, à que já me referi, foi a minha classificação como "irritante", adjetivação essa sugerida por meu amigo Daniel Justi, por causa dos dez textos que escrevi em reação ao único texto de Jimmy (cf. aqui). A segunda cena não é muito precisa. Ouvi de passagem, enquanto escrevia alguma coisa. Na TV, falava-se de um crime, e a reportagem fez saber que um determinado "laudo" lá provava determinada coisa ao crime relacionada.

2. Bem, laudos não "provam" nada. Laudos constituem o registro de uma atividade de interpretação - se adequadamente elaborado, o registro/relatório de uma investigação indiciária, com base em indícios/evidências, teorias, testes, descartes. Um laudo relaciona "dados" do mundo real com determinada interpretação do "acontecido". O que o laudo quer é uma prova, o que, nos termos próprios, significa a adequação perfeita entre os dados coletados, os indícios, e a "tese". Nos termos do laudo, o que aconteceu foi isso assim assim, o que se pode demonstrar com base nisso, nisso e nisso. Logo, o laudo remonta às provas. Não é o laudo que é a prova.

3. O texto de Jimmy não "prova" nada - não por si mesmo. Nem tem valor em si mesmo - salvo se constitui programa estético. Se é estético, começa e termina em si mesmo, entregando-se à fruição livre de qualquer consciência estética. O post, contudo, pronuncia-se na dimensão da crítica - chama a razão de cega, o que significa que faz um juízo de adequação entre instrumento e realidade (a razão não pode ver Deus [e não pode ver mesmo, mas isso não significa que ela seja cega, mas tão somente que Deus não é uma hipótese razoável, conquanto estética e política]). Assim, por mais que Jimmy seja meu amigo - e o é, ainda -, o seu texto só terá valor, para mim, se nele eu encontrar evidências de adequação ao real, se os argumentos de que ele se serve não forem deslocados da realidade. Porque não o tomo como arroubo estético, mas como experiência heurística.

4. Nesse caso, é necessário entrar profundamente no texto, tomar e sopesar seus argumentos, um a um, seuas idéias, uma a uma. O leitor que passe por ele com o argumento de que se trate de "um simples texto" não faz juz a ele, não o merece. É necessário gastar tempo e neurônios sobre ele, sob ele, dentro dele. E - é fato - toda crítica adequadamente aplicada a um texto qualquer será muito mais volumosa do que o texto criticado, porque ela deverá, além de referir-se a ele, transcrevendo-o, comentar o mais detalhadamente possível. Uma opinião estética resumir-se-ia a um simples - é, gostei, não, não gostei. Mas uma avaliação heurística, uma crítica, não, tem de ser detalhada, ou não é crítica. Minha Tese sobre Gn 1,1-3 tem 350 páginas, e não posso dizer que esteja esgotada.

5. Por isso, o exercício da crítica é necessariamente lento e longo. O crítico é necessariamente um irritante, tanto mais quanto maior for a leniência da sociedade com a qualidade dos pronunciamentos. Uma aparência de comunidade científica constitui-se justamente assim, na superficialidade das "verificações", quando a ágora é encenação, pantomima, teatro, em cujo palco desfilam textos que se insinuam como marcos políticos, quando deveriam oferecer-se como objeto de crítica.

6. Não, laudos não provam nada. Podem, até, ser falsos, podem, até, ser fraudes. A prova é, sempre, a reconstituição das relações indissociáveis entre causa real e histórica e acontecimento conseqüente - esse evento xis foi causado por essa(s) causa(s) ypsilom. É por isso que não me acanho diante de textos. Podem ser falsos, podem ser fraudes, podem ser equívocos. É minha função, enquanto leitor e crítico, antes de tudo, certificar-me da validade dos argumentos de um texto - nem que, ao cabo, ele seja reduzido a um exercício equivocado de retórica.

7. Meus leitores são convidados - mais do que isso: é seu dever - a procederem do mesmo modo diante de meus textos. Devem observar criticamente seus argumentos, sua base. É uma necessidade da relação dialogal. Então, vamos lá: sejam irritantes.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

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